CAPÍTULO 05 - ZEBU CAEL

Narrado por Cael



Era tarde de domingo. Fazia exatos 16 graus na cidade de Poti, situada numa longínqua região do Sul do Brasil. Cidade com população estimada 15 mil habitantes. A renda provém da criação de gado e cervejarias artesanais. O clima é predominantemente frio e úmido. A cidade mais próxima fica há 300 kilômetros de distância. E mesmo que decida se aventurar a chegar próxima a essa cidade, saibam que ela fica na Argentina. Então tenha um "portunhol" na ponta da língua. Quem decide viver em Poti, decide realmente ficar isolado do mundo. Pode parecer exagero, mas ficar há 300 kilômetros de qualquer coisa, faz de você um alienígena. Essa "solidão" dos cidadãos de Poti, faz a cidade diminuir, consideravelmente, a cada década. Pensando bem, ficaria feliz se, daqui uns 50 anos eu ficasse sozinho nessa cidade. Poderia-me alto declarar Prefeito ou acabar com a Prefeitura se quisesse.

Tenho um sítio que fica afastado da afastada Poti. É uma propriedade bem grande comparado com os demais da microrregião. Ele rodeia uma montanha. Nunca sei se tenho uma montanha no meu sitio ou um sitio na minha montanha. Dela eu tiro todo o proveito possível. No topo fica a minha casa ou podem chamá-la de sede. Na beirada leste eu planto café e o do lado oeste banana. Difícil imaginar como pés de café e bananas são plantadas numa montanha, quando a angulação dela não permiti que um ser humano consiga raciocinar sem fazer caretas. Se fazem caretas para as bananeiras plantadas numa montanha íngreme, imagina quando me perguntam "Como é que vocês a plantaram?!". Entendo bem essas pessoas. Nem mesmo eu imagino um trator trabalhando num terreno tão improvável. E abaixo ou no pé da montanha, fica meu rebanho, em meio a uma área toda plantada com araucárias.

Passo meu tempo demais com o gado que até esqueço-me da minha família. Eles não moram comigo. Meu pai e minha mãe cuidam do sítio próprio deles. Esse, no qual eu moro, fora herdado com a morte do meu avô. Poti não é uma cidade grande onde se possa achar alguém de confiança para cuidar das suas coisas. Como "presente", meus pais me mandaram junto com meu irmão Caue, com 16 anos e eu, ainda com 13 anos, para sermos os caseiros daqui. Era quase noite quando ele nos deixou na porteira, com apenas 05 vacas, 02 bezerros e 01 touro. Deixou-nos também com 01 dúzia de galinhas e 04 leitões do tamanho de gatos. Senti raiva todos os dias que se passaram, mas Caue não!

Caue sempre falava um uma nova vida na no nosso sítio. "Seremos Reis de Poti quando crescermos. Vamos lotar esse pasto com todas as cabeças de gado que pudermos comprar!", dizia ele apontando para cada lado daquele vale ao pé da montanha. Mas o reinado do Caue não durou a vida toda. Era de costume levar o gado até o pé da montanha para dar-lhes água. Poti é famosa pelas chuvas que duram dias, mas não é delas que estou falando. Falo de um temporal específico. Não era muito tarde quando o tempo fechou. Escureceu tanto que as nuvens estavam negras. Corremos até o riacho, em meio a pingos grossos, que batiam na pele, parecendo pequenas pedras. O único bezerro que tínhamos, estava do outro lado do rio. Meu irmão usou um tronco de uma árvore caída para atravessar sem que a água o forçasse a sair. Com o bezerro no colo e a chuva caindo forte, ele subiu no tronco de árvore para que a correnteza não o arrastasse. Seu pé ficou preso num dos inúmeros buracos que tinham naquele tronco.

Eu atravessei até a metade para resgatar o bezerro e na volta ajudaria meu irmão. Mas mal deu tempo de colocar o animal no chão, a correnteza aumentara, fazendo tronco girar. O pé do meu irmão não saiu do buraco. A única parte do seu corpo que ficara para fora era a sua mão. Tentei ir ao seu encontro, usando o tronco como suporte, mas a água estava muito forte. Sai da água e corri até a margem, busquei um galho bem forte que consegui tocar sua mão. Ela o agarrou com toda força e o puxei o mais forte que pude. Ele colocara a cabeça para fora, respirando todo ar que pudesse, mas seu pé ainda estava preso. Ele afundara novamente.

A água subia tão rápido que mal podia ver sua mão. Gritei por ajuda, mas no meio de trovoes era impossível de ouvir. Ele segurara o galho mais uma vez e tentei puxá-lo novamente. Mas a água já estava muito alta. Senti sua mão perdendo a força, até por fim, não sentir mais nada. Entrei em pânico. Fiquei na margem do rio até o dia seguinte, até a água abaixar. Um homem que passava na estrada foi até o local e me ajudou a tirar o corpo branco e gelado do Cauê. Dizem que seu chinelo ainda está dentro daquele buraco que o matou. Nunca mais tive coragem de olhar para aquela parte do rio. Anos mais tarde, mandei cercar para que nunca mais pudesse ter motivos para voltar ali.

Mal enterraram meu irmão e, mais uma vez, meu pai deixou naquela maldita porteira. "Você será o Rei da montanha e nunca mais vai querer sair dela!" ele disse na tentativa de me fazer parar de berrar.

Se antes eu sentia raiva por estar abandonado ali, após a morte do meu irmão, senti todo ódio que alguém pudesse sentir daquela montanha. Minha mãe entrara em choque e nunca mais foi à mesma. Morreu anos mais tarde sem dizer uma única palavra desde o dia que Cauê se foi. Por longos anos eu odiei meu pai e aquele lugar. Chorava todos os dias por saber que estava sozinho, naquele lugar que lembrava o Caue. Tomé, o cara que ajudou a tirar o corpo do meu irmão da água, era a única pessoa que eu deixava chegar perto de mim. Ele era caseiro de um sítio ao lado e, por anos, me ajudava com os afazeres. Como a cada dia o sitio ia aumentando de tamanho, ele se mudara de vez para cá. Anos se passaram, o rebanho e as plantações foram crescendo e logo mais famílias foram chegando. Dei moradia a cada uma delas, em troca de ajuda nos afazeres daqui. Hoje, tenho uma colônia com mais de 40 famílias. Levei tempo para entender que meu pai estava certo com aquela frase. Não que eu me considerava um Rei, longe disto, mas sim, sobre nunca mais querer sair dela.

Morte do meu irmão foi um basta para o Governo do Estado do Rio Grande do Sul tomar providência com as constantes enchentes que destruíam a cidade. Por anos lutamos para que fossem construídas represas e um canal para conter a forma das águas. Particularmente, a cidade de Poti, nem ao longe, fora planejada para existir. O que aconteceu, fora que colônias e mais colônias iam se aglomerando numa vale que ficava 20 kilômetros da minha colina, formando um vilarejo, depois uma vila, até anos mais tarde se tornar Município. E, como ela nunca fora planejada, sempre sofria com as chuvas fortes que vinham do alto da colina, enchiam o rio que cortava Poti e logo alagavam as casas. Mas ninguém do Governo se manifestara até a morte do Cauê. A manchete da morte do meu irmão foi o estopim para iniciarem a única mega obra, a construção das três represas.

A primeira represa, a maior de todas, chegava a somar 100 campos de futebol, era a que ficava ao pé da montanha. Além de ser a nascente, ela capitava as chuvas que desciam da colina. A segunda ficava 200 metros, descendo dali. Era do tamanho 40 campos de futebol. Era cercada de araucárias e plantações de uva e um pequeno canavial. Ela abastecia a cervejaria da cidade. Dizem que o que manda no sabor das cervejas, é a água que elas são feitas. Nunca entrou na minha cabeça como a cerveja era tão famosa, já que a represa dela tinha urina das vacas, coco das vacas, ganso morte, galinha morta, etc. Descendo mais 400 metros, ficava a terceira represa. Era do tamanho de 16 campos de futebol. Era o cartão postal da cidade.

Não se sabe ao certo o porque da água ter uma coloração verde claro. Era absurdamente bonita. Além de ser arborizada, havia uma pista de caminhada onde as pessoas iam para lazer com família. Era conhecida também por ter vários animais silvestres que eram tão mansos que comiam na mão das pessoas. Aos finais de semana várias tendas eram armadas em volta dela, para as pessoas que moravam na minha colina verdade o que cada um plantava. Uns vendiam mel, outros doces caseiros, outros tricôs, outros banha de porco, outro verduras, outros frutas, uns vendiam torresmos, havia barracas com galinhas caipira e dentre outra.

As três represas, não tinham o mesmo nível. Cada uma delas havia, no mínimo, 100 metrôs de altura com comparação com as outras. Quase invisível aos olhos, porém, matematicamente perigosas aos olhos dos engenheiros. O sistema de escoamento tinha que ser perfeito. Grandes e espessos muros de concreto foram feitos para conter a pressão da água. Já acima da água, um longo muro, também com muito concreto, fora feito, caso os canos não dessem conta da vazão da água em dias de chuva. Coisa que jamais acontecera desde que ela fora construída. Para evitar que as represas enchessem demais, foram instalados canos de concreto subterrâneos. A medida que a primeira represa enchia, abastecia a segunda. Logo a segunda enchendo, abastecia a terceira. Toda essa água acabava caindo no córrego que cortava a cidade. Com essa mega estrutura, conectada, as represas jamais encheriam ao ponto de transbordar, causando um efeito dominó e devastando pastos, matando animais, destruindo casas um catástrofe maior do que já acontecia nos dias normais. Assim ela não transbordaria, inundando os pastos e matando animais e plantas. Aquele mesmo que, quando chovia demais, transbordava e inundava as casas.

Sento-me todos os dias ao pôr-do-sol no cume da colina, onde ficava a sede. Gostava de ficar na minha cadeira de corda, com os pés para cima para tomar meu chimarrão. É nesse momento do dia que o cheiro das plantas e flores, se mistura com o cheiro dos animais, formando o famoso "cheiro de sítio" ou "cheiro do mato". Observo o céu mudando de cor, assim como a cor do campo vai mudando à medida que escurece. Lá de cima dava para ver toda a minha terra. Era maravilhoso saber que, para onde eu olhasse do alto da montanha, minha vista acabava em gado e mato. Sentia orgulho de ter conquistado o sonho da pessoa que mais amei na vida.

As represas reluziam a luz do sol poente, formando um grande espelho. Ao fundo, a pequena Poti, ia acendendo suas luzes. Minha vida não era chata, mas chamo de trabalhosa. Porque tem que amar muito a terra e os animais, caso queira morar num lugar como esse. A vida aqui começava às 03 da manhã com a chegada do pessoal do hortifrúti. Os trabalhadores colhiam no dia anterior o que seria vendido e já as deixavam separadas para quando os comerciantes chegassem. Às 05 horas da manhã era a minha vez. Hora de ordenhar as vacas. Depois às 06 eram a vez dos mais jovens tratar das galinhas e leitões. O gado tinha o longo pasto para se alimentar. Dia sim e dia não, damos sal para sua alimentação e engorda. Do leite, parte era destinada a venda da matéria prima, parte virava queijo. As plantações eram regadas por moinhos de vento que faziam todo o trabalho, então ficávamos encarregados apenas com a limpeza e a colheita do cafezal e bananal.

Do gado eu tirava outro sustento. Praticava diariamente montaria com touros para competir em rodeios. Já ganhei muitos prêmios em dinheiro, motos e camionetes em competições no Sul. Por duas vezes seguidas ganhei o rodeio d Barretos. Mas hoje, com meus 35 anos, preferi apenas montar por diversão. Então touros era somente meu hobby. Ia todos os dias a Poti levar daquilo que era fornecido pela minha terra, sem falar das várias camionetes que ficavam esperando a porteira abrir para vir retirar o que era colhido no dia anterior. Tirando os raros dias que não tinha "obrigações" com a Poti, ia apenas para treinar capoeira. Lutar me ajudava a tirar o gado, leite, queijo, café e as bananas da minha cabeça. Era única hora do dia que tinha contato com homens e mulheres da cidade. Na capoeira todos recebem um apelido e, o meu, era Peão.

- Mais um dia e mais um pôr-do-sol que vejo. Agradeço ao Caue! – disse dando um beijo no pingente de prata, todo riscado e raspado.

Avistei uma luz de um veiculo entrando na minha propriedade que era guardada apenas por uma porteira com uma corrente. Em Poti não havia um roubo ou furto registrado há mais de 06 anos. Homicídio então, não vejo um desde meus 20 anos. Nem sei se, o fato do bêbado mais famoso de Poti, ter aparecido morto na Praça da Matriz, poderia ser considerado um homicídio.
- Pobre Tito! – disse dando outro beijo no pingente.

Por esse alto índice de criminalidade que não acho que tenha necessidade de colocar alguém para guardar o local. Para chegar à sede, ele precisaria passar pela casa de todos os "caseiros" até chegar a minha. Se algo de ruim acontecesse, ele precisaria passar por 40 famílias. Esperei o carro subir a montanha, parando em cada casa para cumprimentar as pessoas. Só uma pessoa perdia o tempo falando com cada um dos homens que trabalhavam para mim, meu pai. Continuei sentado quando o carro dele parou a porteira da minha casa. Ele sempre fazia questão que eu a abrisse. Era como se ele precisasse da minha autorização para ser meu pai dentro da casa dele.

- Cael? – disse ele dando um aceno de cabeça enquanto descia da camionete.

- Caio? – respondi ao meu pai, retribuindo o aceno de cabeça.

Não o chamava de "Pai" desde que ele me largou naquela porteira há 22 anos. Orgulhoso como sempre, ele não fez a mínima questão de lembrar que sou seu filho. Era para ele apenas mais um capataz que deveria obedecer aos seus comandos.

- Báh, como seu gado está gordo Cael! Uns chegam até estar abombados. Logo poderá vendê-los – disse ele puxando assunto.

"Como seu eu ainda precisasse da sua opinião na hora de vender meu rebanho."

- Como sempre Caio! A cidade sente falta da carne de gado. Carne do meu gado – disse pegando a garrafa de pinga e enchendo um copo para cada um.

- Obrigado! – disse ele tocando a boca de vidro do meu copo, fazendo um barulho seco vidro e virando-o de uma vez – Ah! Seu pai sente falta dessa tua pinga.

- Tião ou Tomé levariam um barril para tu, caso tivesse nos dito. Peguei quase 20 deles em troca de pasto.

- Deveria dá-los de presente ao seu velho – disse ele com um sorriso amarelo.

"Esse sorriso amarelo é o máximo que consegue Caio?" – perguntei a mim mesmo.

- Dá próxima vez eu me lembrarei – disse retribuindo o sorriso amarelo.

- Há meses tento uma aproximação com tu e tu ainda guardas essa magoa do teu velho – disse ele chegando perto.

Afastei-me um pouco. Não porque queria, mas talvez fosse o hábito. Tantos anos não ganhando um agrado dele me fez ficar arisco.

- Desde quando completou seus 70 anos que vem até aqui pedir que eu seja seu filho – disse encarando a cara daquele velho cansado.

- Você nunca deixou de ser meu filho! Você apenas parou de praticar o ato há anos.

- Devo mesmo ter sido cruel contigo – disse enchendo nossos copos novamente. Senti o ar gelado que vinha da montanha tomar conta do meu corpo e tomei tudo numa golada, antes de voltar a encará-lo – Nunca precisou que eu fosse seu filho.

Ele tomou a sua pinga.

- Ah! – soltou aquele som horrível de quem precisa lembrar quão ardente ela é – Não daria a chance de ter seu pai de volta.

- Nunca perdi meu pai. Ele que deixou de praticar quando me jogou da carroça, com meu irmão, há anos atrás.

Ele riu enquanto me encarava.

- Seu irmão tinha o coração mais bondoso – disse ele olhando para a Poti.

- Mesmo sendo bondoso, tu o mandou para cá. Ele morreu quando tu nos abandonou aqui.

- Ele morreu por causa de um bezerro Cael.

- Único bezerro Caio! – disse ríspido.

- Não vou iniciar outra discussão em nome do Cauê.

- Eu não permitiria que tu o usasses para me conquistar – disse colocando a rolha na garrafa de pinga.

- Não iria. Mesmo os dois sendo meus filhos – disse ele acenando com a cabeça, dizendo que nossa conversa havia terminado.

- Pode deixar a porteira aberta – disse sem olhar nos olhos do velho.

Ele foi caminhando até sua camionete. Por duas vezes parou para dizer algo, mas suas palavras não saíram. Esperei até sua que camionete estivesse ao pé da montanha para sentar-me a minha cadeira novamente. Abri a garrafa de pinga e tomei logo um gole cheio. Ardeu tanto que saiu lágrima dos olhos. Olhei para o vale que era meu. Ouvia aqui de cima o gado mugindo e berrando.

- É Cauê, enchi o vale com gado – disse respirando o ar gelado, com cheiro de mato – Fica bem meu irmão.

- Ele este melhor que nós! – disse Tomé se sentando ao meu lado e esticando um copinho para colocar pinga – Outra conversa sobre reaproximação?

- Sim! A de hoje foi a mais longa de todas – disse fazendo o Tomé rir – Ele não desiste.

- Não! Já pensou que vocês pudessem se falar novamente?

Desviei meu olhar para encarar aquele homem negro, de olhos receptivos e confortante. Se havia um pai na minha vida, seria Tomé.

- Já entendi Cael!

Gostava assim. Sem ninguém para filosofar sobre minhas escolhas.

- Estamos no topo da colina – continuou ele – lembra como era quando vocês chegaram aqui?

- Casinha de sapé – respondi dando um sorriso frouxo.

- Tu era tão pequeno, tão mirradinho, com essa cara fechada que o acompanha até hoje. Não sei como não está todo enrugado?

- Capaz!

- Verdade! Não sei com não se parece com um daqueles cachorros com a cara toda amassada. Não sente falta de ter uma família?

- Já tenho vocês – disse entredentes – Vocês são a minha família há anos.

Ele sorriu estendendo o braço para que eu enchesse seu copo novamente.

- Não quero que me leve a mal, mas não acha que está na hora de arrumar uma esposa?

- Não!

- Cael? Seja sincero, você é jovem e bonito...

- Ninguém me acha bonito – disse interrompendo.

- Se você cortar seu cabelo e sua barba, poderia chamar mais atenção das garotas.

- Só amei uma pessoa nessa vida Tomé e, essa pessoa, foi o meu irmão. Tenho o gado, aves, leitões, plantações e outras coisas para cuidar nessa montanha. Devo meu amor a esse lugar – disse começando a sentir um gosto amargo na garganta – Não é só o meu sonho que mora aqui. Você sabe que não corto essa barba por uma promessa que fiz há anos.

- Você precisa viver mais. Se pensar assim, vai morrer e eu nunca o verei sem essa cabeleira horrível e essa barba imensa. O Cauê nunca o deixará. As pessoas já andam falando que você está louco.

- É por isso que se importa comigo? Por que estou parecendo um mendigo de cabelos desgrenhados e barba grande? Você precisa me entender mais! – disse jogando a pinga que tinha colocado em meu copo – Apenas vocês precisam saber a verdade sobre mim.

- Tá certo Cael!

Lembranças do Cauê sempre me faziam ficar mal. Como eu amava meu irmão. Como queria ter ele aqui comigo, como éramos quando crianças. Quando perdi a única pessoa que amava na vida, foi aí que entendi que não deve amar qualquer pessoa de qualquer maneira. Pois o amor traz muitas alegrias, mas pode trazer uma dor imensamente forte, capaz de destruí-lo se não tiver fé em você para ajudá-lo seguir em frente. Fora esse amor que me transformou no que sou hoje. Fui apaixonado uma vez e, quando percebi que essa paixão não era algo consistente, não era uma mão fora do lago que eu pudesse agarrar com todas às forças, deixei de lado. Além de tirar o foco da vinha vida para com a montanha, decidi abandoná-la e voltar para cá. Prometi que só cortaria meus cabelos e minha barba, quando encontrasse o amor da minha vida. Uma pessoa que me faria pular no rio e tirá-la de lá, com não pude fazer com Cauê.

- Seu velho amigo está incluído com seus sonhos nesta montanha? – disse ele sorrindo.

- Há anos não o considero meu amigo Tomé.

Ele fechou a cara ao não entender.

- Você é que deveria ser meu pai – eu falei fazendo aqueles velhos olhos encherem de lágrimas.

- Não vai querer que eu te de um abraço? – perguntou o Tomé arrancando gargalhadas gostosas de nós dois.

- Sabe que só abraço meu gado!

- Sei bem! – disse se levantando – Está na hora de ir.

- Não quer ficar para jantar? Tem leitão assado – disse.

- Não Cael! A velha ficou a tarde toda para depenar uma galinha. Se eu não jantar com ela, ela vai depenar esse galo velho – falou indo rumo à porteira.

Entrei na minha casa. Coloquei a água do banho para ferver enquanto acendia o forno para assar a leitoa que falei ao Tomé. Fui até a dispensa e catei um bom shampoo e um bom condicionador para lavar meus cabelos e barba. Aquela conversa com o velho tinha me deixado encafifado sobre o quão louco deveria estar com essa barba e esse cabelo. Então, por que não dar uma boa lavada neles? Som de trovões dava para ouvir enquanto a lenha estralava no fogão. Noite de chuva. Noite das boas.

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