CAPÍTULO 03 - IRMÃOS MARTEL
Narrado pelos pais do Yuri e Cael
04 anos depois.
Era noite de Réveillon de 2015 para 2016 na grande família dos Martel. O costume lá era alugar uma grande casa de praia, onde todos se divertiam na passagem do ano. Esperei até o final da festa para poder desabafar com meu irmão.
- Gosto de você, pois só fica no champagne – disse ao meu irmão.
- Caio? Feliz Ano Novo! – disse o Igor abrindo um sorriso largo a me ver.
- Muito linda sua festa – disse olhando para o mar à frente – Sempre com muito bom gosto. Pena que tenhamos poucas pessoas da nossa família aqui conosco.
- Principalmente nossos filhos – concordou Igor – Yuri nunca me dá o prazer da sua companhia. Já desmarquei reuniões impossíveis de serem desmarcadas e, o Yuri, nunca deixou de lado seus "afazeres" para ficar uma tarde a toa aqui comigo.
- Se pensar por esse lado, não vejo o Cael há 01 mês.
- O que me conta de bom? – disse tentando mudar de assunto.
- As mesmas coisas de sempre. Plantação, plantação, plantação e você?
- Construção, construção e mais construção!
- Que bom! Preferia assim, lidar com pessoas e aço – disse admirando as pessoas na orla da praia.
O som do mar era bom, me fazia relaxar.
- Eu preferiria trocar de lugar contigo e agora – disse Igor dando um sorriso – Ver o pasto, o gado. Lembrar-se da nossa infância.
- Nada comparada com hoje Igor! Éramos pobres. Não tinha dinheiro para nada. Olha aquela mesa farta de comida. Quatro tipos de carnes.
- Na nossa época, comíamos carne só aos domingos e era um pedacinho para cada um de nós.
- Nem precisa falar da carne. Lembra-se das maças?
- Não muito!
- Eu sim! Sempre que sinto o cheiro delas eu lembro como era nossa vida. A mãe cortava 01 maça em 04 pedaços. Um para cada um de nós.
- E ela? – perguntou surpreso.
- Ela ficava sem nada – disse apertando seu ombro.
- Sinto falta dela – disse o Igor.
- Acho que todos nós ficamos despedaçados – disse engolindo seco.
- Não estraguem o dia rapazes – disse a bela esposa do Igor cumprimentando-nos.
Ficamos falando sobre nossas vidas e filhos por um longo tempo. Ela era uma mulher adorável. Muito tranquila e humilde. Oposto do que aparentava ser. Ela era muito chique e elegante.
"Você fez uma bela escolha!" – disse a mim mesmo, dando um sorriso ao meu irmão.
- Muito obrigado pela companhia de vocês rapazes.
- Muito adorável sua esposa.
- Ela é mesmo!
- Faltam nossos filhos, não acha?
- Não! – respondi seco – O Cael nem me considera um pai. Então nem faço questão desse "cara" estar conosco.
- Que isso! Esse "cara" e o "cara" mais rico da nossa família! – disse o Igor ainda encarando o Mar.
- Tirando você Igor!
- Estou falando dos nossos filhos. Não vejo Yuri com futuro – disse ele dando um sorriso amarelo.
- Yuri é um herdeiro que pode arranjar qualquer um para administrar sua fortuna, assim, investindo-a em negócios. Agora o meu filho, fica enfurnado naquela colina, saindo apenas para rodeios. A cada ano ele aparece com um pedaço a menos do corpo. Se continuar a perder membros da forma que perde, ele não dura muito.
- Por que ele não fica só com o gado? Só o gado que ele tem, daria para comprar a cidade toda.
- Ele vive para aquelas pessoas. Ele vive catando maltrapilhos, mendigos e os colocando dentro da sua fazenda. Uma hora ele vai acordar morto.
- Ele ajudando pessoas e você ai resmungando. Ele já tem o pé-de-meia garantido – disse o Igor me encarando.
- Não Igor! Ele não tem ambições.
- E o que há de errado nisso? O Yuri é ambicioso e está morrendo por ser assim. Vive de mostrar o corpo em redes sociais, viajar pelo Brasil e, volta e meia, aparece num hospital tendo um começo de overdose.
- Cael é um rapaz rico e, quando ele morrer, não vai ficar para ninguém! Meu filho já passou da faze adulta e nem pensa em casamento. Acho que levaria um tiro se perguntasse. – disse sentindo que estava aliviando algo que precisava ser posto para fora – Já o Yuri terá todo um legado.
- Dentro de uma clínica de reabilitação ou dentro de um caixão? – disse ele fungando.
- Ele vai achar o seu caminho, fica frio! – desse dando um abraço nele – esse lance das drogas é apenas uma fase.
- Espero! – disse ele ainda sorrindo amarelo.
- Quem sabe os dois não acham seu caminho um dia – disse fazendo o Igor arquear suas sobrancelhas.
- Caio, Caio, Caio, mesmo há 06 anos sem o ver, sei exatamente que você está querendo me pedir ou dizer algo importante?
Apenas o fitei em silêncio.
- Pode dizer! Nada que eu tenha vivido possa me chocar ainda mais.
- Assim como o seu filho, o meu está precisando de uma ajuda para viver.
- Como assim? – perguntou meu irmão se virando para mim.
- Ele precisa sair um pouco daquela colina, daquele pasto, daquele monte de gado. O Cael fede a mijo de vaca. Ele precisa viver mais, conhecer o mundo – disse sentindo meu peito arder.
"Não tenho um bom relacionamento com meu filho, mas mesmo assim, ele é meu filho ainda quero o melhor para ele."
- Caio, meu filho Yuri sai da reabilitação em breve... – disse meu irmão chegando mais perto.
- Breve quando? – indagou Caio.
- Muito em breve! Além do mais, ele não poderá voltar a sua vida normal. Por durante mais um ano, ele terá que estar na companhia de uma pessoa, 24 horas por dia. Não tenho essa pessoa para cuidar dele. A não ser que eu pague algum segurança, mas duvido que isso deixará o ambiente familiar bem. Yuri é muito difícil.
- Mas temos que acreditar nele!
- Houve dias que preferi que ele não tivesse sido encontrado naquela mata, assim teria morrido. Houve momentos que preferia que ele não tivesse mais entre nós. Houve momentos que não acreditei que ele pudesse mais ser um ser humano normal. Depois daquele acidente em Florianópolis, onde ele foi envolvido na morte de um rapaz. Ele foi pra cadeia, ficou lá 01 e meio até ser julgado. Graças a Deus ele foi absolvido das acusações. Mas hoje, acho que tem uma esperança – disse ele enchendo os olhos de lágrimas.
- Ele fez muitas coisas erradas, mas sei exatamente que ele encontrará seu caminho. Quero ajuda-lo nisso – disse reconfortando-o.
- Não vai querer esse fardo para você – disse ele me encarando – um ex drogrado, expresidiário, ninguém quer isso.
- Penso que em tudo se dá um jeito. Veja o meu filho, "enfiado" naquela colina, cuidando de gado o dia todo. Não é vaidoso, não se arruma, não corta os cabelos e a barba. Mendigos na rua são mais limpos que ele.
O Igor deu uma risada gostosa.
- Nunca vi com uma mulher. Acho que ele nem sabe qual buraco colocar – disse soltando todo ar dos pulmões – A cidade toda já fala pelas costas.
- Que falam?
- Que meu filho gosta de "touros" apenas – disse tapando a cara com as mãos.
- Não precisa ter vergonha porque seu filho é boiola. Veja o meu, um drogado, ex presidiário. Isso sim é problemas. Se os problemas do Yuri fosse quem ele anda comendo por aí, eu estaria é feliz.
- Pois é. Não aceito o fato do meu filho não ser homem – disse ao meu irmão.
- Caio você tem certeza que o Cael é? –perguntou o Igor.
- Ele coloca a culpa do fato de ele não se relacionar com ninguém, na morte do irmão dele. Ele me culpa disso.
- E se realmente ele tiver esse problema?
- Capaz! Ninguém consegue passar uma vida toda sozinho. Ele nunca fala de mulheres, nunca as olha.
- Mas, se o problema for ele ser fruta, pensa no Yuri, ele "isso". Uma fruta – disse meu irmão tomando todo o champagne num gole. Yuri é um monte de músculos, tatuado que dá o rabo.
- Pensando pelo lado das drogas e de ser um ex presidiário, ser boiola nem é tão ruim assim! – disse arrancando outro sorriso amarelo dele.
Não que eu quisesse deixa-lo melhor, na verdade, era eu quem queria ficar melhor com aquilo.
- No começo eu nem queria vê-lo. Se eu o vesse na rua, acho que passaria com o carro por cima. Não conseguia "engolir" o fato do meu menino gostar de outros garotos. Mas, depois de tantos anos, aprendi que ele é tão igual quanto a nós. E nós já não temos mais espaço aqui.
- Como assim? – perguntei ao Igor agora sorrindo gostoso.
- Esse mundo não é mais nosso Caio. Ele será vivido pelos nossos filhos, nós aceitando ou não! Não há mais "regras" sobre o que é certo ou errado. Eles só sabem dizer: "Pai, hoje o que manda é o que realmente somos!", sem falar no bendito "amor". Então Caio, é mais fácil ficar na sua casa, bebendo suas pingas, enquanto seu filho vive a vida dele com "touros".
Meu irmão estava certo.
- Mesmo que ele seja isso que você está falando, tem o fato que o Yuri conhece o Brasil todo. Já o meu, só conhece a Colina, Poti e Barretos.
- Se eu o invejava antes, agora, depois dessa noticia, invejo mais ainda. Queria que meu filho fosse que nem o seu! Bitolado em serviços.
O som das ondas quebrando nos tirou um pouco atenção da conversa. Ficamos admirando-as por um tempo.
- Você quer algo do meu filho, não é Caio? – perguntou o Igor.
- Quero que seu filho venha passar esse um ano na minha casa. Quero que ele venha fazer essa clinica domiciliar. Quero ensiná-lo tudo sobre a terra. Darei minha palavra que o Yuri jamais sairá da linha.
- Não sei! – disse ele olhando para o horizonte.
- Ambos filhos precisam de ajuda para viverem bem. Eu ajudo o seu e o você ajuda o meu, o que acha?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top