Do Escuro Para A Luz
But there, is a light
In the dark, and I feel its warmth
❀❁❀
A menina, apoiada na ombreira da porta da cozinha, olhava para o que acontecia dentro da divisão com curiosidade. Ela gostava de saber cozinhar.
— Yumi, podes ir chamar os outros? O jantar está pronto.
Yumi assentiu e saiu a correr, enquanto o gravador escrevia a curta mensagem que tinha sido gravada. A mulher que tinha falado para o aparelho afim do seu pedido ser traduzido — porque o seu conhecimento de linguagem gestual era inexistente — ficou a olhar a porta por onde a menina desapareceu, boquiaberta.
— Vês! Ela não é surda coisa nenhuma! De certeza que a marcaram por um defeito psicológico ou neuronal — vociferou o homem na outra ponta da divisão.
A discussão, demasiado frequente nos últimos tempos, morreu ali. A cada dia que passava, aquela mulher acreditava mais nas palavras do seu marido.
Yumi correu a avisar Marit, com linguagem gestual, de que o jantar estava pronto. A mulher mais velha era a única das Cuidadoras da instituição que falava e compreendia aquele idioma não verbal. Os restantes Cuidadores serviam-se de um gravador para falar com ela, que registava por escrito o que tinha sido dito para que ela pudesse ler.
A senhora sorriu-lhe depois da troca de gestos e virou-se para chamar as restantes crianças que brincavam pelo pátio naquele final de tarde. Yumi não ouviu um som.
Apesar do que poderiam pensar dela, Yumi era completamente surda. Tinha perdido a sua audição quando tinha quase quatro anos, tendo sido marcada por essa idade e mandada pelos pais para aquela instituição, destinada a acolher crianças com defeitos.
Todos os seus novos irmãos e irmãs eram como ela: crianças com deficiências, físicas ou não, que foram marcadas pelos agentes do Império antes de serem deixados em instituições especiais, dirigidas por uma mão cheia de Cuidadores. As marcas das crianças eram todas iguais, independentemente da sua deficiência: uma risca azul vertical na testa, que podia descer até ao queixo, passando sobre a cana do nariz. A única coisa que diferia entre as marcas era o seu tamanho.
A de Yumi não lhe chegava sequer à linha das sobrancelhas, o que significava que a extensão da sua deficiência não era grande. Na verdade, o seu único problema era não poder ouvir. Para além da maioria dos seus Cuidadores não acreditar que ela seja realmente surda, claro.
Por ter perdido completamente a audição numa idade em que estava a desenvolver a fala, Yumi tinha aprendido alguns sons e palavras. Isto tornava a sua comunicação limitada, mas não impossível. Com o passar dos anos, ela aprendeu não só a ler e a escrever como as outras crianças, como também a ler os lábios dos seus interlocutores. Mesmo que não fosse capaz de apanhar a frase completa, Yumi captava as palavras chave que lhe permitiam entender as intenções dos outros. E era esta capacidade que a maioria dos seus Cuidadores não entendia, por muito que ela se esforçasse para lhes explicar. Uma vez que aquele Distrito do Império não atribuía marcas diferentes consoante o tipo de deficiências, não havia maneira daquela menina de 9 anos provar que não ouvia o que lhe diziam porque não conseguia, e não porque não queria.
Tirando aquele desentendimento com os seus Cuidadores, Yumi não tinha problemas naquela instituição. De certa forma, até gostava de lá estar.
Depois de jantar com todas as outras crianças no salão e de cumprir as suas rotinas de higiene, Yumi foi para a cama. Junto com todas as irmãs adotivas que com ela partilhavam o quarto, Yumi fechou os olhos quando as luzes se apagaram e os adultos se retiraram para os seus respectivos aposentos.
No entanto, a menina não conseguiu adormecer.
Estava preocupada com Yuri. Ele tinha ido para a cama no início da tarde sem qualquer explicação e tinha lá permanecido fechado o resto do dia, com uma Cuidadora a fazer de vigia para que ele tivesse tudo o que precisasse e não fosse incomodado. Não lhe tinham dito nada, mas Yumi vira a expressão na cara do melhor amigo quando o levaram para cima. Parecia estar com dores.
Não era normal.
Concentrada no barulho ensurdecedor dos seus pensamentos inquietos, a jovem demorou a perceber a alteração no quarto. As formas das outras camas, antes camufladas pelo breu, eram agora distinguíveis. Havia uma luminosidade extra na divisão, forte o suficiente para ser vista mas fraca demais para acordar as meninas mais sensíveis.
Yumi olhou para o lado. A luz saía do guarda-roupa.
Curiosa, ela levantou-se e aproximou-se. O móvel fechado irradiava uma luz amarela quente, com um calor superior ao que envolvia o quarto. No entanto, aquele era um calor reconfortante.
Com coragem, Yumi abriu as portas de par em par. A luz vinha de trás da roupa dos cabides preenchidos. Decidida, olhou rapidamente sobre o ombro para ter a certeza de que as irmãs ainda dormiam e entrou no guarda-roupa, determinada a descobrir a fonte da cálida luminosidade.
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