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CAPÍTULO CINQUENTA E TRÊS
alívio e arrependimento.

[TW: PTSD, ataque de pânico leve]

———— ✦ ————

MARK BATEU A porta e entrou no quarto onde Jeffrey estava comendo casualmente uma xícara de gelatina enquanto mudava de canal na TV.

— Você disse que era uma viagem de ida e volta de duas horas. — Ele gritou, pegando o controle remoto da mão do paciente.

— Hum m, isso mesmo.

— Ela deveria ter voltado duas horas atrás!

— Sim, sim, estou ciente. Matemática simples, não é?

— Por que as malditas ligações não estão chegando? — Timothy exigiu enquanto invadia o quarto, agarrando o paciente pelo colarinho.

— Ei, ei, calma aí, vaqueiro. — Jeffrey zombou de volta com uma risada. — Não há serviço no meio do nada. — Ele lembrou enquanto um sorriso se formava em seu rosto, — Além disso, ela tem uma escolha a fazer.

— O que você fez-

— Não há escolhas a fazer, Hanson.

A voz que apareceu provocou uma onda de alívio em todos os cirurgiões.

Norah entrou no quarto, os olhos fixos na cabeça que se animava na cama do hospital. Ela arremessou a maleta na direção dele e ele soltou um 'oof' agudo quando ela o atingiu com força no abdômen.

— Meu, meu... Estou surpreso, Honorah. — Ele tinha um olhar impressionado em seu rosto, — Mas você tem que admitir, foi tentador. — Ela não respondeu a ele, mas em vez disso, olhou de volta para o sorriso em seu rosto. — Vamos, você não pode mentir para mim, boneca. — Ele riu, — Você estaria aqui há duas horas se não estivesse considerando.

Ela girou nos calcanhares e saiu do quarto, exalando trêmula quando o homem na cama não a impediu. Mark correu atrás dela e agarrou seu braço; ela soltou um pequeno estremecimento no hematoma sob seu aperto.

Ele não sabia; ela não queria que ele soubesse.

— Você ainda vai falar comigo? — Ele questionou: — Porque pelo que eu ouvi, há muito o que falar.

Seus olhos estavam cheios de preocupação e exigindo uma resposta, mas ela ainda tinha a possibilidade de acusações de agressão pesando em seus ombros.

Ela balançou a cabeça, — Agora não.

Ele balançou a cabeça enquanto soltava o braço dela, olhando para ela com incredulidade. — Não agora ou nunca? — Ele zombou, andando em uma direção diferente.

Ela soltou um suspiro trêmulo quando baixou a cabeça. Foi uma série de decisões, cada uma se aproximando da perdição.

Jeffrey recebeu alta na mesma noite em que Norah escolheu ficar em Seattle, em vez de seus velhos modos de fugir para uma parte diferente do país, ou para um país totalmente diferente.

Parecia que ela finalmente conseguiu recuperar o fôlego depois da atmosfera tensa que a estrangulava.

Ele era assustador para ela, mentalmente. A última vez que eles se encontraram... Foi só ladeira a baixo, e ela nunca mais quis experimentar isso novamente.

Mas sabendo que ele ainda estava vivo e andando, que ele sabia onde ela trabalhava e possivelmente onde ela morava, que ela escolheu não aceitar sua oferta, ela sabia que ele voltaria. E o conhecimento foi o que a deixou inquieta.

Ela voltou sozinha para o apartamento naquela noite - era a primeira vez desde... Ela nem sabia quando, que Mark não a esperava na entrada do hospital como sempre fazia.

Ela jogou as chaves na tigela e ele ergueu os olhos para ela da ilha da cozinha.

Ela sabia pelo olhar em seu rosto que ele tinha perguntas, muitas, que ele queria uma resposta ou mesmo uma explicação. Mas a presença de Jeffrey já estava atormentando o suficiente para ela, a última coisa que ela queria era trazer essas memórias novamente.

Mas Mark não sabia disso.

Como ele iria, quando ela nunca lhe disse nada?

— Ele era seu noivo?

— Desculpe, o quê?

Agora, essa era uma pergunta que ela menos esperava.

— Aquele idiota te disse isso? — Ela franziu a testa, balançando a cabeça, — Eu nunca namorei com ele, Mark.

Ele assentiu uma vez; ela podia dizer que ele estava escolhendo acreditar nela.

Escolhendo.

Ele passou a mão pelo cabelo, olhando diretamente para ela enquanto ela caminhava para a cozinha. — Então o que deu errado com sua vida em Nova York?

Era mais do que ela esperava.

— E por que você não pode me contar sobre isso?

Mas havia uma boa razão para que essas memórias estivessem trancadas na parte de trás de sua cabeça.

— O que aconteceu em Nova York, fica em Nova York. — Ela afirmou com firmeza, — Eu não vou trazê-los de volta agora, nem nunca. — Ela foi se servir de um copo de água enquanto ele zombava levemente, balançando a cabeça.

Ela suspirou, — Por que você não pode simplesmente... Confiar em mim?

— Como você quer que eu confie em você quando eu... Quando eu nem te conheço? — Sua voz estava mais alta desta vez, e ela congelou com suas palavras.

Parecia um déjà vu.

Sentaram-se frente a frente, separados por uma superfície fria de mármore que parecia um rio largo de forte correnteza.

— Por favor, não deixe as palavras dele entrarem em sua cabeça. — Ela falou, sua voz baixa, mas clara.

— Eu não quero, Norah, mas as palavras dele estão me dando mais explicações do que você.

Sua cabeça estava girando em círculos, dando voltas no campo de atletismo. Ele faria qualquer coisa para que ela falasse agora, qualquer coisa, mas sua boca permaneceu fechada.

Ela sentiu o teto baixando em sua cabeça, as paredes apertando ao redor dela. Ela tentou não reagir, ela estava realmente tentando o seu melhor, mas o aumento repentino na voz dele não estava favorecendo o lado dela.

— E-eu não conheço... Você. — Ele falou com uma voz derrotada, — Eu quero conhecer você, a verdadeira você, mas você não está me deixando entrar.

———

Eu quero conhecer você, Honorah. — Jeffrey tinha um sorriso sincero no rosto enquanto se deitava ao lado dela na grama molhada do parque tranquilo. — Eu quero conhecer a verdadeiro você, todos vocês. Então, você poderia, por favor, me deixar entrar nessa sua cabeça?

———

O passado de Nova York estava passando diante de seus olhos.

A dor na parte de trás de sua cabeça abriu caminho para a frente, as sólidas paredes de metal pareciam se transformar em tecido fino. A lembrança assombrosa de tudo o que aconteceu há três anos estava rolando como uma fita de filme dentro de sua cabeça.

As cenas que ela esperava eliminar estavam de volta - todas estavam de volta.

Então, novamente, a esperança sempre levou ao desespero.

— Norah? — A voz de Mark foi cuidadosa desta vez.

Cuidado, porque ele estava com medo de que ela se afastasse de si mesma.

Ela sabia que esta não era a pessoa que ele conheceu, ela agora não era a pessoa que ele conhecia nem amava.

Nova York não era ela, e ela não queria que fosse ela.

Mas Nova York era ela, e não havia como negar, não havia como escapar disso.

Era sua história, uma parte dela que ela nunca poderia apagar, não importa o quanto tentasse. A borracha pode ser reduzida a um pedaço de pó, mas a mancha permanecerá no papel; porque não era um arranhão de lápis, era a tinta de um marcador - um marcador até mesmo, um destaque de sua vida.

———

— Eu prometo fazer de sua vida um inferno até meu último suspiro!

———

Ela nem sequer teve forças para dar uma risada amarga.

6ª temporada, episódio 19

Fazia uma semana desde que ela ficou congelada na ilha da cozinha, sem uma única palavra escapando de sua respiração. Uma semana desde que ela desplantou os manguezais para que o deslizamento de terra voltasse a entrar em sua mente consciente. Uma semana desde que as imagens em sua cabeça pareciam se repetir como desejavam, ignorando totalmente o fato de que ela estava se segurando por um único fio fino como um fantoche.

Além disso, uma semana desde que ela havia trocado uma conversa de mais de dois minutos com Mark.

Norah atravessou o saguão com as mãos nos bolsos do jaleco branco. Ela refez seus passos ao ver Alex, Meredith, Cristina e outro homem sentados juntos.

— Quem é? — Ela perguntou por curiosidade.

— Anjo Spawn. — Disse Cristina.

— Aaron, Norah Lawrence. — Meredith falou e o homem misterioso se levantou com um sorriso brilhante.

— Prazer em conhecê-lo, Dra. Lawrence. — Ele sorriu, colocando a mão no meio deles, — Eu sou Aaron Karev.

— Oh, uau, Anjo Spawn. — A morena apertou sua mão, um pouco surpresa pela diferença entre os irmãos. Alex tinha uma carranca no rosto que ele não conseguiu limpar. — Prazer em conhecê-lo, mas me desculpe, eu fui chamada.

Isso era, na verdade, uma mentira.

Norah se desculpou do grupo e subiu as escadas até o quinto andar, o piso da Psiquiatria. Mas antes de entrar, ela hesitou novamente. Era a quarta vez naquela semana.

A primeira vez ela mal tinha chegado ao terceiro andar antes de se virar; pela quarta vez, ontem, ela ficou na frente da porta da escada por Deus sabe quanto tempo.

Hoje, ela estava com a mão na maçaneta da porta. Progresso, ela se consolou. Ela teve o maior desejo de se virar e correu de volta para onde ela veio.

Lutar ou fugir era uma coisa engraçada. O chute da adrenalina, os impulsos em seus nervos gritando para você mesmo fazer uma escolha.

Ela tinha feito sua escolha - lutar, mas quando ela estava apenas a um passo de enfrentar seus problemas, a verdadeira luta ou fuga começou e sua cabeça estava implorando para ela fugir.

No final, ela ouviu sua cabeça.

Timothy caminhava pelos corredores procurando por sua irmã. Ela não estava no vestiário dos residentes, nem no refeitório, nem mesmo na Ala Neuro.

— Dr. Shepherd! — Ele alargou o passo para alcançar o chefe que tinha uma longa lista de algo na mão, — Você viu a Nor?

— Sim, ela está esperando por um CT para mim. — Derek respondeu e Timothy exalou de alívio. — Qual é o problema?

— Como ela está? Quero dizer, ela está... Eu não sei, funcionando?

— Você não falou com ela? — Derek ergueu uma sobrancelha para o residente.

Timothy conseguiu dar um leve sorriso. — Ela falou com Mark?

— Tudo bem, ponto tomado. — Derek suspirou, — Ela parece bem. Quero dizer, de volta ao seu estado normal, varrendo todos os casos de Neuro debaixo do meu nariz e já terminei de mapeá-los antes mesmo de eu pedir... Algo mais que eu preciso saber?

— Não, eu... Isso é bom, eu suponho. — Timothy murmurou, assim que o pager de Derek começou a apitar. O atendente estava prestes a se desculpar antes que o residente o impedisse. — Derek, a última vez que isso aconteceu, ela se mudou para o outro lado do país - quero dizer, você também sabe disso, obviamente.

Choque, congelamento, percepção, raiva, calma e fuga - esse era o espiral dela que ele conhecia.

— É só que... Eu não ficaria muito surpreso se ela colocasse um aviso de transferência tão cedo. — Timothy declarou por último antes de sair, deixando o atendente refletir sobre suas palavras.

Derek desceu um andar e foi até a sala de tomografia, onde Norah e April estavam diante de um conjunto claro de exames que tinham acabado de ser exibidos.

— Olhe para o lobo temporal esquerdo. — Norah apertou os olhos para os exames. Ela tinha os braços cruzados na frente do peito, a cabeça inclinada para o lado enquanto estudava seus exames. — Uma hemorragia no lobo temporal esquerdo que se estendeu ao sistema ventricular dela.

Ela parecia bem.

— Há algo que possamos fazer? — April perguntou, sua voz tinha um leve tremor.

— Não há nada que possamos fazer. — Derek falou e a mulher mais baixa pulou levemente; Norah simplesmente virou a cabeça como se estivesse olhando por cima do ombro, mas seus olhos permaneceram na tela.

— Hum... Ela está torrada, não está?

Ah sim, o humor.

Ela estava bem.

— Não use isso na frente da família do paciente quando você contar a eles sobre a condição do paciente. — Derek advertiu com um suspiro.

Norah finalmente desviou o olhar dos exames e os desviou para ele. — Estou informando a família? — Ela perguntou.

— É o seu achado, — ele assentiu, — mas você está em seu juízo perfeito para?

— Sim, claro. Obrigada.

A luz estava de volta no par de olhos castanhos, brilhando de volta para ele enquanto ela tirava as tomografias da luz.

Ela estava bem.

— Os exames da Sra. Clark mostraram uma hemorragia maciça em seu cérebro. — Informou Norah ao homem que segurava a mão de sua esposa com força. — E o EEG mostrou atividade cerebral mínima.

— Mas isso significa que há esperança, certo? — Clark perguntou, sua voz estava incerta, mas esperançosa enquanto ele raciocinava: — Porque... Há atividade. E... E o coração dela ainda está batendo.

— Só porque o ventilador mecânico está respirando por ela, — ela tentou explicar, — quando desligamos a máquina, o coração não recebe o oxigênio de que precisa... Então para.

— Por que você desligaria? — Ele exigiu, olhando para os cirurgiões na sala como se fossem loucos. — As pessoas podem viver por anos nessas máquinas!

— Sr. Clark, a diretiva avançada que sua esposa assinou especificamente não pedia ventilação mecânica. — Webber interveio com firmeza.

— Ela preencheu aquele formulário há três anos, quando o câncer foi diagnosticado pela primeira vez. O médico disse que ela tinha seis meses de vida, e ela aguentou por mais três anos. — O homem argumentou de volta, — Ela vai voltar dessa, também. Você vai ver. Você não pode desconectá-la.

— Legalmente, não temos escolha, senhor.

— Mas... Ela é minha esposa. — Ele expressou, seus olhos passando de um cirurgião para outro. — É minha escolha.

— É a escolha de sua esposa, e ela fez isso há três anos. — Afirmou Webber.

A sala estava cheia de tensão e devastação, todos podiam sentir isso. Um homem segurando um fio solto de esperança, não querendo se separar de sua esposa.

A esperança era uma coisa perigosa para se agarrar.

— Você disse que a cirurgia correu bem. — A voz do Sr. Clark estava baixa desta vez, suas palavras dirigidas a Lexie. Seu tom e o olhar em seu rosto estavam acusando, culpando. — Foi o que você disse.

— Foi, mas-

— Não, você não é médica, você é uma criança! E você é uma inútil! — Ele gritou para a residente que pulou um pouco com a rapidez, — Cansei de falar com você - cansei de falar com todos vocês!

———

— Ei, eu terminei de falar com você. Você é inútil sozinha, você não é ninguém. — Jeffreynzombou, batendo o copo em sua mão na parede atrás dela.

O vidro se estilhaçou com o contato, pedaços de cacos voaram em sua direção, mas ela não se moveu - ela não ousou.

— Você não vê? Eu sou aquele que te salvou de você mesma, como você poderia continuar com sua vida sem eu segurar sua mão?

———

Norah estava apertando o jaleco branco com força, evitando recuar diante do aumento da voz dele.

Como ela desejava que ele não a tivesse 'salvado de si mesma'. Ela prefere afundar em sua turbulência do que ter cada minuto de sua vida planejado diante de seus olhos.

— Quem está no comando aqui? — O Sr. Clark exigiu.

— Eu vou chamar Shepherd. — Norah murmurou de uma vez, se oferecendo para dar o fora daquele quarto antes que sua mente se fechasse nela.

Talvez eu devesse ter entrado pela porta esta manhã, a voz incomodava em sua cabeça.

Ela se viu na escada novamente, mas desta vez ela estava descendo em vez de subir. Mas mais uma vez, ela encontrou sua mão pendurada em cima da maçaneta da porta. O aço descansou sob sua palma, seus dedos apertados ao redor do toque frio.

———

Ela abriu a porta de seu apartamento, chocada ao ver não só que Jeffrey estava sentado em sua sala, mas também tinha alguns 'amigos' com ele.

— Jeff, como você entrou? — Ela questionou.

Ela obteve sua resposta quando ele balançou as chaves em sua mão - uma cópia de suas chaves.

Essa foi a primeira bandeira vermelha que ela ignorou.

A próxima vez ela hesitou antes de abrir a porta de sua casa, por causa da voz estridente vindo de dentro. Ela não sabia o que era, não queria saber o que era.

A porta foi aberta por dentro e Jeffrey a cumprimentou com aquele sorriso encantador dele. Seus olhos estavam injetados e o fedor do cheiro encheu seus pulmões.

Na mesma noite ela jurou ficar longe dele.

———

A porta da escada se abriu do outro lado e Norah arrancou a mão da maçaneta. Ela deu um grande passo para trás quando a porta se abriu.

O cenário familiar parecia ter se repetido; mas desta vez, em vez dos olhos verdes pálidos que estavam sorrindo de volta para ela, ela foi saudada pelos olhos azuis brilhantes que estavam surpresos, mas confusos ao vê-la.

— Há quanto tempo você está parado aí? — Mark perguntou quando a porta se fechou sozinha atrás dele.

— Eu... Eu não sei. — Essa era a verdade.

— Você sabe alguma coisa hoje em dia? — Ele exalou pesadamente, sua voz estava misturada com cansaço. Ela não podia culpá-lo, porém, porque ela estava além de exausta. — Onde você esta indo? —

— Eu... Derek.

Ele inclinou a cabeça para o lado, uma expressão em seu rosto que ela reconheceu. — O escritório do chefe é um andar acima, Norah, você está no andar errado.

Ela estava? Ela não tinha ideia, para ser honesta. — Ah... Eu... Tudo bem.

Desde quando ela não sabia falar na frente dele? Ela passou por ele e levantou o pé para as escadas, mas ele segurou seu braço e caminhou até ela, envolvendo-a em seu peito.

A batida rítmica - ela sentia falta; ela sentia falta da calma que ele lhe trouxera.

Ela não podia realmente dizer quem precisava do abraço - o toque fisico um do outro - ele ou ela?

A pergunta foi respondida quando ele colocou as mãos em ambos os lados do rosto dela e encostou a testa na dela, seus olhos fechados e seus narizes tocados.

— O que está acontecendo com a gente?

— Não sei.

Ele suspirou e balançou a cabeça. — Você estará em casa esta noite?

— Sim.

Um homem tropeçou no ER, alcançando-se no posto das enfermeiras. Uma enfermeira já estava gesticulando para que um dos estagiários se aproximasse. — Senhor, você está bem?

— V-voce pode chamar a Dra. Lawrence? — A homem engasgou, sentindo seus pés perdendo o sentido sob ele.

Ele podia ver as bocas das enfermeiras se mexendo, mas não conseguiu entender o que elas estavam dizendo. Ele entrou e saiu da consciência enquanto desviava o olhar da luz penetrante acima dele, e seus olhos encontraram a pessoa que estava procurando.

— Ah, boneca! Aí você- — ele tossiu bruscamente.

— Que porra você está fazendo aqui atrás? — Norah uivou e sentiu os olhares dos internos e das enfermeiras.

Ele foi a causa de tudo o que aconteceu com ela. Como ele ousa voltar agora com aquele sorriso nojento no rosto?

Houve uma oscilação entre o ódio e a ira, ambos com uma solução semelhante. Mas antes que ela pudesse pisar nele para ter certeza de que ele seria transformado em um repolho, dois braços a seguraram pelo ombro.

Seu olhar estalou para o par de olhos que a encontraram. Um olhar sério.

— Parece que você vai matar aquele bastardo agora mesmo. — Timothy avisou enquanto cambaleava para trás, puxando-a junto com ele, — Fique para trás.

Jeffrey Hanson estava convulsionando.

Timothy largou sua irmã e imediatamente correu para o homem que ele odiava mais do que tudo. Felizmente, sem autocontrole, ele conseguiu se conter para não apertar o pescoço do homem até ele ficar roxo.

— Que maldito cheiro é esse? — ele questionou enquanto segurava o homem ao seu lado.

— É metanfetamina. Ele está viciado em metanfetamina. — Norah brincou. Timothy levantou a cabeça para os olhos castanhos que estavam cheios de fúria; ele nem se deu ao trabalho de perguntar como ela reconheceu o cheiro tão rapidamente.

— Deixe-o morrer. — Ela cuspiu friamente, antes de se virar e seguir na direção oposta, ignorando os olhares dos rostos de todos os outros.

Ela estava em casa, como ela disse que estaria.

Mas, ao mesmo tempo, ela não estava.

Sua mente ainda estava no hospital e ele poderia dizer. Não demorou muito para ele descobrir por que sua mente estava em outro lugar enquanto a encarava no sofá. Seus lábios tremiam e suas pernas não paravam de pular, seus olhos fixos em um ponto, sua alma vazia.

Ele se sentiu impotente.

— Norah, por favor, fale comigo. — Mark estava desesperado, mas ela parecia não ouvi-lo. Ótimo, agora a audição dela também está desligada. — Eu não consigo entender o que você está passando, mas eu quero, eu realmente quero.

Uma parte dela sabia que ela deveria parar de afastá-lo, que ela iria perdê-lo, mas nada estava funcionando do jeito que ela queria.

— Não é algo que eu possa falar, Mark, eu realmente não posso. — Ela balançou a cabeça enquanto se levantava e se dirigia para o quarto. Ele a parou abruptamente, puxando-a do pulso para ele.

———

— Eu quero te ajudar, boneca, isso é tudo que eu quero fazer. — Jeffrey suspirou enquanto segurava seu pulso com força, — Eu não consigo entender o que está em sua mente se você não me contar. Por favor, use suas palavras.

— Eu não quero sua ajuda, Jeff. — Norah retrucou para ele, uma garrafa de vodka na mão. — Você é um cara legal, ok? E eu não preciso que você se jogue na minha bagunça sangrenta.

— Mas você quer se salvar, eu sei que você quer. — Ele tentou, — Venha aqui, por favor. Estou disposto a ajudar, mas não posso ajudá-lo...

———

— -se você não me deixar!

Suas palavras eram tão semelhantes que acenderam o medo nostálgico dentro dela.

Sua cabeça estava mexendo com ela e seus ouvidos a traíram - as mesmas palavras de duas pessoas diferentes foram moldadas em uma. Uma harmonia que a fazia enjoar; sua mente a estava enganando, dizendo-lhe que esta era uma chance de dizer o que ela queria dizer naquela noite em particular.

— Eu não sou um brinquedo quebrado para você consertar! — Ela finalmente disparou de volta, suas palavras foram sufocadas, mas sua voz não poderia ser mais clara.

Oh, como ela desprezava o alívio que sentiu ao tirar as palavras de seu peito.

No entanto, ela sabia que no momento em que as palavras escaparam de seus pulmões, ela se arrependeu. Mas a chance foi aproveitada e sua mente estava decidida; Não havia como voltar atrás.

Ele soltou sua mão de forma alarmante e ela começou a andar para cima e para baixo. A inquietação em seus olhos agora se foi, tomada por uma chuva fria de malícia que se agarrava à ponta de cada cabelo.

Ele não a reconheceu.

— É assim que você sempre me viu? Quebrada? Quero dizer, faz sentido, não é? — Ela soltou uma risada seca, lutando e tropeçando em suas palavras, — Os flashbacks, os colapsos na escada depois da balsa, depois da morte de George, tudo - você estava lá para todos. Por que você estava lá?

E lá estava, ela estalou; não havia botão de retrocesso agora. Cada palavra saía misturada com rancor e arrependimento, mas ela não tinha como se conter.

No súbito silêncio que tomou conta do lugar, o som de seus passos ecoou pelo teto.

Ela estrangulou em seu próprio discurso enquanto ele estava lá, observando as rachaduras subindo por ela, pouco a pouco, até que os olhos sem alma pousaram nele.

— Eu-

Ele estava sem palavras. Pela primeira vez, sua cabeça estava vazia e todas as palavras haviam desaparecido de seu vocabulário; ela balançou a cabeça freneticamente, como se isso pudesse fazê-la se sentir humana novamente.

— Você quer me consertar? Não há mais nada para consertar - é isso que você quer ouvir? — Sua risada era amarga, — Ou: parabéns, você quebrou tudo. E eu não vou deixar você ser aquele que me 'conserta' nunca mais.

— Não, pare, você não pode me afastar agora-

— Deus, eu não posso nem respirar agora-

— Laurie-

— Pare! Porra, apenas pare!

O último pedaço de sanidade dentro dela finalmente se quebrou. O 'ela' que ela manteve trancada por três anos finalmente saiu de sua concha. Ela odiava, ela o odiava, ela se odiava mais.

Parecia Nova York de novo.

Isso era raiva e calma colidindo uma com a outra como as partículas no ar. Mas o mais importante, foi o vôo que gritou em seu rosto.

Ele a encarou enquanto ela se mantinha firme na parede ao lado da porta do apartamento. Ele podia ver que havia uma contração de seu músculo querendo que ela saísse correndo, fugisse; um tiro de arrepios gelados percorreu sua pele.

A mesma frieza corria em suas veias. As partículas imaginárias de areia quente escorregaram de seus dedos. Sua mente subconsciente estava desaparecendo, o contorno da praia apagando de sua cabeça; Não havia como voltar atrás.

Ele não queria perdê-la, mas nada era favorável para eles naquele exato momento.

— Norah, pare, pare. Por favor, apenas... Pare. — Ele caminhou até ela, cuidadosamente. Ele não a tocou, não ousou nem chegar perto dela. — Não podemos apenas... Conversar?

Ele não sabia o que era pior: olhar para o corpo trêmulo dela enquanto ele estava diante dela incapaz - ou que ela de repente ficou quieta.

Sua voz saiu fria e sem tom, — Você não acha que já falou o suficiente?

Que diabos estou dizendo? A pequena voz questionou na parte de trás de sua cabeça.

O alívio de ter que finalmente desmoronar era equilibrado com o arrependimento de que suas palavras maldosas fossem dirigidas a ele.

Ele olhou nos olhos pelos quais se apaixonou uma vez, os mesmos que perderam a alma por trás deles. Ele não a reconhecia mais, nem um pouco.

— Você está realmente tão ansioso para ficar longe de mim? — Ele estava inexpressivo e ela congelou em seu lugar, — Tudo bem, eu vou sair de manhã.

Isso não era nada perto do que ela esperava. Então, novamente, o que ela esperava?

— Não, eu vou. — Sua voz saiu baixa e indefesa, — Este é o seu apartamento.

— Nosso apartamento-

— Seu apartamento-

As batidas na porta desviaram a atenção uma da outra, interrompendo a mente instável e o rosto indefeso.

Callie estava do outro lado da porta de pijama; Arizona e Cristina estavam enfiando a cabeça para fora da porta do corredor.

— Eu- nós ouvimos gritos. — Callie declarou insegura enquanto olhava entre o homem na porta e a mulher parada não muito atrás dele. — Hum... Está tudo bem?

Nenhum respondeu.

Está tudo bem?

Ele diria não, mas ela diria sim; no entanto, ela não balbuciava, já que sua mente era a que estava se dilacerando por dentro, afinal.

— Eu vou. — Ela falou novamente, sua voz estava mais composta do que ela previra.

Decisões atrás de decisões, todas as decisões tomadas pareciam erradas.

Quando ele não discutiu mais com ela, ela se virou e saiu pela porta; ele nem tentou detê-la desta vez enquanto voltava para o apartamento entorpecido.

Callie entrou no apartamento depois que ele congelou no meio da sala. A almofada azul estava enrugada em sua mão enquanto seu braço tremia no ar. Ela deu um passo cauteloso para ele antes de tirar o travesseiro de seu aperto.

— Mark?

Suas pernas cederam e ele caiu no sofá atrás dele. Ele passou as duas mãos pelo rosto; ele sentiu vontade de arranhar sua própria pele enquanto sua voz se transformava em uma risada amarga. Ela o encarou preocupada, mas ele não conseguiu encará-la.

As palavras que saíram de sua boca perfuraram seu coração: — Acho... Que nosso relacionamento acabou.

As suposições eram a maneira mais fácil de fornecer uma explicação para os sentimentos inexplicáveis.

Quando Norah saiu do apartamento, foi como se sua mente consciente viesse à tona novamente. Cada célula em seu corpo estava gritando de volta para ela.

O que diabos eu tinha feito?

Seu telefone tocou, ecoando no corredor; Arizona e Cristina tinham puxado suas cabeças para trás do corredor. Ela respirou fundo antes de atender a chamada e pressionar o telefone contra o ouvido.

— Ei... Tim?

Ei de volta. — A voz de Timothy era serena, algo que formou uma pergunta em sua cabeça já transbordando. E ela obteve a resposta para sua maravilha imediatamente.

Jeffrey Hanson morreu dez minutos atrás. Só achei que você precisava saber.

Ele parecia encantado; ela sabia que deveria estar também.

Mas sua cabeça estava muito confusa para sequer reunir a emoção certa, e ele pareceu notar isso do outro lado do telefone quando ela permaneceu em silêncio.

Foi uma porra de overdose, então você está livre, Nor, você tem sua liberdade agora.

Ela deu uma risada amarga.

Liberdade? O universo deve realmente me odiar.

Lutar ou fugir sempre foi um simples capricho de decisão.

Virando-se, ela correu para os elevadores.

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