PARTE IV.
Durante os próximos dias, Marshall esperou Mason brotar inconvenientemente em sua vida para que eles pudessem discutir o trabalho.
E esperou.
E continuou esperando.
Mas Mason não deu nem sinal de fumaça. Nem em suas manhãs de aula, tampouco em suas tardes vagas. Muito menos no conforto do seu dormitório.
Com a mente imperturbável quanto às suas convicções, Marshall nunca percebeu que suas últimas palavras haviam penetrado bem no fundo da pele do garoto.
Ela seguiu os dias de forma inabalável, à espera de qualquer coisa, mas a monotonia parecia algo que a arrastaria para baixo.
Foi numa tarde qualquer, após um cochilo inocente, que Marshall recebeu notícias dele.
Naquele dia, ela havia acordado meio sonolenta, os olhos semiabertos, a mão tateando o rosto babado... Até que ela tocou numa folha colada em sua testa. Confusa, Marshall puxou o post-it rasurado e espremeu os olhos para ler. Não havia remetente. Apenas uma letra legível e forte:
"Encontre-me no estacionamento em desuso do DEARTE às 20h, por trás do muro pichado e abandonado. Use algo preto.
Ps: Leve uma lanterna."
Ela leu o bilhete interrogativamente vez ou outra, perguntando-se se havia sido Charlotte a mandante por trás do aviso e, caso fosse, por que ela não havia simplesmente a acordado ou, mais importante, por que ela queria encontrá-la num local abandonado.
Mas, como a veia jornalística sempre falou mais alto em seu sangue — ou, no caso, sua curiosidade mórbida —, lá estava ela, recostada contra a parede desbotada, no meio da escuridão, o ponteiro do relógio oscilando às 19h59min da sexta-feira.
Seu pé batia incansavelmente contra o asfalto, chocando o all star vermelho (a única peça chamativa do seu traje) contra o cimento rebocado. Marshall continuava checando seu relógio a cada dez segundos, impaciente e espevitada, meio nervosa pela escuridão que a circundava. Ela tentou ligar a lanterna que havia trazido a tiracolo, mas a luz não havia acionado (ela havia esquecido as pilhas, o que era um fator meio que importante para toda a dinâmica da lanterna), então ela simplesmente segurava o objeto como um amuleto sagrado ou uma arma mortífera. Ela não sabia qual dos dois.
Passou-se cerca de vinte minutos quando ela escutou o primeiro chiado de movimentação. Em sua mente, ela já havia preparado um discurso para Charlotte sobre o perigo da espreita, maníacos do saco e lendas urbanas, mas tudo isso se dissolveu quando ela ergueu o olhar para cima e o viu. Um vulto encorpado havia dobrado a esquina e se encaminhava em sua direção, o que a fez se empertigar numa posição defensiva, encarando o sujeito com os olhos cerrados. Foi só quando eles estavam separados por uma distância de dois metros que ela distinguiu as feições através da penumbra, reconhecendo o garoto a sua frente.
— Mason? – Marshall espremeu os olhos, apontando a lanterna sem pilha como um instrumento de defesa.
Mesmo no escuro da noite, Mason sorria devastadoramente intenso, o brilho suave cintilando nos olhos verdes, os lábios repuxados, a diversão líquida na expressão.
— Eu deveria saber. – ele murmurou baixinho para si mesmo, quase como uma maldição. — Você é do tipo pontual.
Marshall tentou evitar um ganido de raiva.
— Há algo de errado com pontualidade e assiduidade? – ela amargou, apertando com força o objeto que tinha em mãos. — Ah, eu quase me esqueci que você não está familiarizado com esses termos.
— Eu estou completamente ciente desses termos. Sou uma pessoa extremamente pontual. – afirmou. — Eu não tenho culpa se as pessoas não estão ajustadas ao meu fuso-horário.
Marshall engoliu uma risada zombeteira, cruzando os braços com impetuosidade. Mesmo sobre a escuridão bruxuleante da noite, Mason foi capaz de discernir o modo como as sobrancelhas dela formaram um arco incrédulo, o que o fez rir.
— Foi você que me chamou aqui? O que você queria, Cooper?
— Por favor, não me chame de Cooper. É tão frio e impessoal. Nem parece que dividimos uma tarde agradável de segredos há algumas semanas.
— Para mim, aquela tarde nunca existiu.
— Você é mesmo difícil de quebrar, Marshall Sullivan. – ele resmungou, aproximando-se do canto da parede com um sorriso enviesado. —Ainda bem que eu sou uma pessoa perseverante.
Ele se encaminhou pelo beco íngreme, acenando para que ela o seguisse de mansinho, sem qualquer explicação premeditada. Marshall abriu os braços numa exclamação, ainda indecisa sobre segui-lo, repensando sobre como aquele cenário específico se enquadraria em muitos filmes de terror. Assim que Marshall cogitou resmungar sobre tamanha teatralidade, Mason virou-se para ela, quase em sincronia, e gesticulou com o indicador sobre os lábios, exigindo silêncio. Ela o encarou, quase presa num transe, os lábios entreabertos e surpresos pelo modo como ele sabia ler sua linguagem corporal com facilidade.
— Você não vai mesmo me dizer o que estamos fazendo aqui? – ela sussurrou baixinho, caminhando ao seu lado com rapidez.
Mason virou-se na direção da voz, mal percebendo que ela o havia alcançado, sentindo o aroma suave do perfume cítrico dela como um borrifo no seu nariz. Geralmente ele sempre era capaz de senti-la por perto, como se fosse uma espécie de sexto sentido ou uma adaptação natural para sua sobrevivência. Quando se tratava de Marshall, todo alerta era pouco.
— Alguém já te disse que você é muito impaciente?
— Algumas pessoas. Eu mesma, às vezes, murmuro como uma espécie de terapia mental.
— E sobre como você é estranha? Alguém te falou isso?
— Nossa, acho que não peguei esse memorando.
Isso o fez sorrir. Mason apertou o nariz rapidamente, num gesto nervoso que lhe passou despercebido, mas não para Marshall. Nada sobre a conjuntura de Mason conseguia passar despercebido pelos olhos afiados da garota.
— Qual a sua grande notí... – ela começou a questionar com o tom agudamente elevado, o que obrigou Mason a puxá-la pelo cotovelo contra seu tórax, cobrindo-lhe os lábios.
Quando Mason voltou a falar, a mão ainda pressionada contra a boca fina da garota, sua voz ecoou bem próximo ao ouvido de Marshall, como uma lufada de ar quente.
— Eu sei que é muito difícil pra você lidar com qualquer coisa que não esteja sob seu controle, como também sei que eu não sou uma das pessoas mais próximas do seu círculo de confiança, aliás, não sei sequer se você possui um círculo de confiança, mas eu apreciaria bastante se você apenas relaxasse e evitasse algum escândalo que pudesse revelar nosso esconderijo. Não sei você, mas eu realmente levei a sério o trabalho e agradeceria bastante se você não ferrasse com tudo isso com alguma crise de oh-meu-deus-o-mason-é-tão-imbecil. Porque, por mais que eu não tenha problemas com garotas histéricas me odiando à paisana, eu prefiro guardar esses momentos críticos e revigorantes para quando não estou prestes a ser flagrado numa tocaia. Tudo bem pra você? Ou você ainda tem algum comentário ácido menosprezando, sei lá, a marca do meu perfume ou a umidade do ar?
Marshall apenas arregalou os olhos para o escuro, balançando a cabeça negativamente. Quando Mason decidiu que ela estava longe de ter um colapso, ele soltou o aperto vagarosamente.
— O ar está bom para mim. E sua colônia é... Aceitável. – ela engoliu em seco.
Mason ignorou seu comentário sabichão e a puxou para um canto afastado do estacionamento, aonde apenas um poste defeituoso iluminava parcamente o perímetro. Ele puxou a bolsa que carregava nas costas e tateou o tecido, cutucando o rasgão do feixe dianteiro displicentemente, até retirar uma câmera da mochila rasgada.
— Durante todas as sextas, o reitor vem para esse estacionamento abandonado para namorar alunas. Nem sempre as mesmas. – esclareceu. — Nós só temos que esperar ele aparecer para tirar a foto premiada e, então, a capa do jornal será nossa.
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