Tudo tinha sido feito às pressas, com a ajuda da Lady Straton e a matriarca da família do noivo. Lola desejava cegamente poder conquistar o coração de Dante, se oferecera como madrinha de Sara e o espaço do jardim da sua casa para se realizar a cerimónia. Depois de muita insistência, como sempre, finalmente Dante aceitara. Tudo seria simples e restrito, com poucos convidados e apenas com os amigos mais próximos.
Naquela manhã de sábado a casa dos Morgan estava um alvoroço. Miriam finalmente conseguiu vestir e arranjar os gémeos, em costumes feitos sob medida e botas novas. Desceu com eles até a copa a fim de lhes dar algo para comer antes de saírem para a Igreja. Encontraram Callum embrenhado em livros de poesia, escrevia apressadamente e meia volta amarrotava a folha. Ditch deu um encontrão em Gabriel, e os dois desataram a rir. Já não era segredo para ninguém que Madame Bouvet tinha exigido à Callum um poema original para oferecer à sua filha Nina. Ela também queria mostrar para as suas amigas, e o prazo terminava após o ato da Igreja. Callum tinha de entregar o poema durante a festa e não estava nem um pouco feliz com a situação. A parte boa é que no meio de toda aquela zaragata, o irmão mais novo de Dante finalmente tinha parado de implicar com a babá, imerso em seus próprios problemas. Também, por mais que não mencionasse, não se fazia de cego nos esforços feitos pela mulher que ajudava em tudo e mais alguma coisa, o intrigando em silêncio.
― Bom dia, tio Callum ― cumprimentaram e foram se sentar na mesa. A babá começou a preparar o pequeno-almoço, estava muito bonita naquela manhã, com um vestido azul claro e de mangas até ao cotovelo, cheio de babados na frente e com botões até a gola. A longa trança estava entrelaçada por fitas azuis escuras envolta da cabeça e não usava nenhuma maquilhagem.
― Bom dia meninos. ― Callum ergueu a face, seus olhos azuis acinzentados estavam sem brilho e tinham duas marcas escuras para confirmar as várias noites perdidas. Perdera toda alegria de antigamente se fechando numa vida desagradável! Madame Bouvet não lhe dava tréguas, e já não era o mesmo homem livre da pequena cidade de Little-Woodshire, pois vivia encurralado e sem poder fazer as coisas que fazia dantes sem ter homens armados a persegui-lo.
― Bom dia ― cumprimentou Miriam a servir leite quente e olhou-o nos olhos. Callum cerrou os maxilares e murmurou algo em resposta. Voltou os olhos para o maldito poema, irritado.
― A senhorita Miriam vai dançar hoje? ― Perguntou Ditch, estava empolgado com a festa. Ela sorriu de lado a cortar o pão às fatias.
― Eu não sei dançar ― confessou, ligeiramente envergonhada, no entanto era a mais pura verdade. Nunca tinha dançado antes porque nunca lhe tinha sido dada a oportunidade. Sempre apreciou as valsas e as marchas tocadas em casa dos Doyle, mas jamais se atrevera a ensaiar nem sequer sozinha. Soltou um suspiro sonhador e andou até aos armários.
― A senhorita Miriam sabe tudo, e eu não acredito que não saiba dançar ― retrucou Gabriel já a comer, e a babá fez cara feia em reprovação por ter falado com comida na boca. ― Eu quero dançar.
Escutaram-se passos e Dante entrou apressado, usava um terno preto de três peças e tinha um ar ansioso.
― Bom dia ― saudou e deitou um olhar negativo para Callum. ― Já deverias estar pronto! O coche chega em alguns minutos. ― Quase gritou ao falar, os nervos abatiam-se sobre sua pessoa. Sentia-se estranho porque mesmo depois de Mallory aceitar se casar com Sara, não sabia se estava a fazer o que era correto ao unir a sua filha em matrimónio. Não queria que ela em alguma ocasião fosse infeliz.
Bafejou exasperado mais uma vez e viu Callum levantar-se sem ânimo, colocar um pedaço de papel no bolso do casaco que estava pendurado nas costas da cadeira e sair preguiçosamente para tentar se arranjar. Ultimamente andava meio desleixado e sem vida. Esse era outro assunto que preocupava Dante, as duas pessoas que tanto gostava iam se casar da maneira mais inconveniente possível.
Abandonou a copa ainda meio transtornado e foi para a janela da sala aguardar pelo coche que os vinha buscar. Sara estava em casa de Lady Straton, tanto ela como Madame Bouvet tinham sido encarregadas de cuidar e preparar a sua filha para o enlace. Dante pensava como estaria sua única filha? Se ele estava com medo e de coração apertado, não podia imaginar a sua filha de quinze anos. Viu o coche chegar ao mesmo tempo em que os meninos vinham a correr da cozinha acompanhados de Miriam. Pestanejou ao reparar que a babá estava muito bonita, mas distraiu-se com o barulho de Callum a descer as escadas sem modos. Franziu o cenho.
― O seu casaco, senhor ― disse Miriam entregando-lhe o casaco. Callum arrancou-o de suas mãos sem maneiras e de forma brusca.
― Não me lembro de lhe pedir que o trouxesse ― rosnou e caminhou até o seu irmão mais velho, olhava-o ameaçadoramente. ― A criada vai connosco no coche?
― Pois é claro. Se isso o incomodar, senhor meu irmão, pode sempre seguir estrada com vossas próprias pernas ― respondeu num tom mais do que óbvio. O mais novo mostrou-se indignado, ultimamente via-se obrigado a aturar coisas das quais não gostava. Vestiu o casaco sem parar de fitar o irmão mais velho.
― É melhor partirmos! ― Disse Dante a mostrar a sua impaciência, abriu a porta e deixou a babá e os meninos saírem na frente, o irmão passou em seguida a murmurar blasfémias e entrou no coche com toda sua imponência. Por último o pai de família trancou as portas e não pode deixar de pensar que sua menina não mais voltaria para casa.
Entrou no coche e este não demorou a arrancar. Callum estava debruçado sob a janela, deixava bem claro que a situação não lhe agradava, Miriam por sua vez se mostrava indiferente e conversava com as crianças de forma alegre e divertida.
― Não comer de boca aberta, sentar elegante como um verdadeiro homem ― recapitulava Gabriel em voz alta. ― Um homem de verdade deve tratar uma jovem com educação.
Dante sorriu ao escutá-lo dizer aquilo, afinal, seus filhos ainda tinham nove anos. Sua mulher se iria orgulhar de vê-los dizer tais coisas e a crescerem devidamente. Virou a face para observar o movimento da cidade, as ruas estavam movimentadas, as damas e donzelas cirandavam de um lado para o outro com compras e sombrinhas para se protegerem do sol quase inexistente. Talvez fosse mais um acessório de beleza, não acreditava que elas a usassem devidamente, uma vez que o inverno aproximava-se a passos largos.
O coche finalmente parou diante da Igreja onde estava Madame Bouvet, Lady Straton e as respetivas filhas que desataram a rir histericamente. Algo ao qual jamais se ia habituar. Trocaram cumprimentos, e Lola explicou que Sara estava num coche mais a frente e esperava que o noivo chegasse. Dante se dirigiu até lá, ficando logo radiante ao ver a filha no vestido de noiva com véu e grinalda. Estava linda! As luvas tinham bordados e o cabelo estava preso.
― Encanta-me ver tamanha beleza ― elogiou a sentar-se e recebeu o abraço cheio de força. Acariciou-a num conforto, não se tinham falado direito nas últimas semanas. ― Perdoa-me se te falhei.
― Eu é que lhe falhei, senhor meu pai. ― A voz saiu trémula e começava a oscilar. O homem fez um movimento negativo com a cabeça e sorriu. ― Sei que esperava mais de mim.
― Ainda espero, afinal estás viva, Sara. ― Sublinhou com a voz embargada. ― Diz-me apenas se serás feliz, caso não, eu levo-te de volta para casa. Não importa o que os outros dirão.
― Estou agradecida, pai. Suas palavras reconfortam-me. Mas penso que serei feliz, Mallory me enviou um bilhete a dizer da sua felicidade em se casar comigo e ser pai ― revelou Sara com um sorriso feliz, e logo em seguida Callum veio avisar que o noivo já se encontrava na Igreja.
Dante levou a filha ao altar ao som da balada nupcial, os lugares no recinto estavam todos preenchidos por amigos e familiares de ambas as partes. A estrutura arquitetónica era maravilhosa, com o teto bastante alto e de formato triangular. Ele entregou a filha para Normand Mallory, um jovem alto de cabelos pretos e olhos claros, em seguida parou ao lado de Callum.
― Onde está Miriam? ― Sussurrou preocupado a varrer os transeuntes com os olhos.
― No lugar dos criados ― respondeu Callum com o olhar direcionado para os bancos de trás perto da porta de entrada. ― Não a ias querer sentada perto de Madame Bouvet! ― Sua voz saiu num tom irónico, mas antes que Dante pudesse retorquir, o padre começou a cerimónia.
Durou pelo menos uma hora até os noivos fazerem os votos e trocarem as alianças. Em seguida os nervos deram lugar a alegria, e todos foram cumprimentar os recém-casados.
A casa de Lady Straton possuía um jardim maravilhoso e tinha sido decorado no limite do simples e elegante. As mesas espalhavam-se pelo lugar e flores ajudavam na ornamentação.
― Eu não paguei por isto ― comentou Dante indignado ao ver inclusive serventes a desfilarem com bebidas e aperitivos. Contraiu a face. ― Não combinámos assim, Lady Straton.
― Já lhe pedi que me trate por Lola e não se preocupe quanto a isso. Apenas divirta-se, é a festa de casamento de sua filha ― disse ela que envergava um vestido de cetim de cor amarela com uma longa cauda rastejante com um grande laço atrás e um chapéu preto de abas largas. Desde que começara a sair com o senhor Morgan, deixara o luto. ― Querida, deverá ficar na cozinha a ajudar.
Dante pensava que mais tarde ia procurar saber o preço que a festa tinha sido e que a pagaria, ela quisesse ou não, mas os seus pensamentos foram cortados ao ver Miriam ser mandada para a cozinha. Virou-se para Lady Straton.
― A senhorita Fuller está aqui como babá das crianças e não como sua trabalhadora ― disse num tom sério, como se a anfitriã o tivesse agredido. Ela reteve-se.
― Senhor Morgan, eu não me importo de ajudar.
― Por favor, senhorita Fuller ― cortou-lhe Dante firme. ― A Sara gosta muito de si, e faz questão de a ter aqui. Eu também.
A viúva de Straton arregalou os olhos e olhou para a babá de baixo para cima, mas evitou dizer algo diante do absurdo que via, apenas seguiu mais adentro para receber outros convidados. Estes que não paravam de olhar para Miriam, destacava-se pelo seu tom de pele. Sussurravam e comentavam entre movimentos negativos com a cabeça e dedos a apontar.
― [...] Que sorte grande levou o Dante ao decidir cortejar a Lola, uma mulher e tanto ― comentava Madame Bouvet sentada na mesa com Callum, obrigatoriamente, sua filha Nina e Carla, a filha de Lady Straton. ― Olha só o que realizou em nome dele, é de se reconhecer que os Morgan nasceram com o rabo virado para a lua. Só têm sorte!
Callum franziu ainda mais irritado quando o coro de risos surgiu. Eram estridentes e infantis. Concentrou-se no seu copo de licor, a balançar a cabeça ao som da orquestra que tinha sido contratada especialmente para tocar. Sentia que Dante finalmente descansaria visto que os últimos dias tinham sido de correrias para conseguir realizar o casamento. Respirou fundo, via várias pessoas alegres, risos altos e vozes empolgadas por todos os lados. Será que ele era o único ali a sentir-se aborrecido e mal disposto? Nina inclinou-se para falar ao ouvido da mãe.
― Ah, sim! Meu querido, o poema ― exigiu Madame Bouvet a estender a mão gorda cheia de anéis. Callum procurou o papel dentro do casaco e entregou a enorme senhora a sua frente.
― Mas isto não foi de sua autoria ― anuiu ela com o sobrolho unido, após ler.
― Obviamente é. Se não lhe agrada foi tudo o que consegui fazer ― resmungou zangado.
― Agrada-me bastante, demais para ser verdade que veio de si ― declarou e entregou-lhe o papel novamente como se Callum pudesse ter cometido algum engano. Ele recebeu e leu:
"Grito baixo, grito de dor
É um grito mudo como um arco-íris sem cor
E você não ouve, nem sequer percebe
Grito por você, será que não me entende?
Carrego comigo um aperto em meu peito,
E vai apertando cada vez mais, em meu vazio leito.
Não quero ninguém, só quero você
E por isso grito o seu nome, mas só você não vê!
A minha vida estava à Preto e Branco,
E você a pintou deixando-a colorida.
Onde você encontrou esse pintor santo?
Pois grito pelo vazio por onde andas perdida...
A cada despertar, grito seu nome em silêncio,
Meus olhos choram, por não a ter.
Tem dias que me levanto, depois me sento.
Pois estou já sem voz e sem gritar poder..."
Virou-se automaticamente para Miriam que era puxada pelos gémeos para dançar. Sabia que tinha sido ela mais uma vez. Engoliu em seco e voltou-se para Madame Bouvet que recebeu o poema de volta, mostrou-o à Nina que desatou aos prantos com a sua amiga.
― Depois disto, acredito eu que já entrou nos eixos ou mais ou menos isso. Portanto vou-lhe dar uma trégua, meu caro. Poderá voltar a viver a sua vida normalmente, desde que não exagere. Vá ao bar, divirta-se como quiser, não mandarei os meus homens atrás da sua pessoa ― dizia Madame Bouvet com os olhos fundos, fixos nele. ― Mas se aprontar o que for, eu saberei. Lembre-se que Madame Bouvet sempre sabe.
Callum sentiu seu coração bater de alegria, estava muito feliz mas não demonstrou. Manteve-se quieto até Dante e Lady Straton aproximarem-se para trocarem algumas palavras antes de se irem sentar na mesa de honra que estava perto de uma fonte que jorrava água continuamente.
A festa decorreu animada, alguns pais não deixavam que os filhos chegassem perto de Miriam, mas as crianças pareciam adorá-la. Ela tinha o dom de as encantar com as suas brincadeiras e palavras. Alguns também não gostaram quando Sara a abraçou, e pior ainda quando Ian Birmingham convidou-a para se sentar na sua mesa. No fim do dia as pessoas ainda divertiam-se e dançavam animadamente, mas Miriam despediu-se, pois já estava na hora de levar os gémeos para casa. Eles despediram-se do pai, da irmã e do tio e foram de coche com a babá para casa. Pelo caminho Gabriel dormia de cansaço, diferente de Ditch que falava sem pausas, estava animado com a festa e repetia as mesmas coisas sem parar.
Chegaram em casa, e Miriam logo os encaminhou para o banho, deitou-lhes na cama de pijamas e serviu-lhes leite quente com mel. Gabriel foi o primeiro a adormecer, e a babá ficou a ler para Ditch que fazia perguntas e só depois de algum tempo é que dormiu. Ela cobriu-os e saiu do quarto exausta. Nos últimos dias tinha dormido muito pouco, estivera a ajudar Dante, a cuidar da casa e dos meninos ao mesmo tempo. Sempre tentava ser uma disponível para tudo e esquecia-se que era humana. Foi tomar um banho, vestiu o pijama e aconchegou-se na cama a ler um livro antes de cair no sono.
De repente escutou música a vir da sala, assustou-se, pois não tinha escutado ninguém chegar. Vestiu o robe por cima do vestido de dormir e mesmo com medo correu até a sala. Admirou-se ao encontrar Callum.
― Desculpe-me, pensei que... Assustei-me, na verdade não o ouvi chegar ― justificou ao vê-lo parado junto ao aparelho de discos. Ele não disse nada, estava sem o casaco e tinha um copo de rum na mão. ― Vou me retirar, com licença.
― Senhorita Fuller ― chamou-lhe, e ela virou-se assustada. Não sabia o que esperar vindo dele, engoliu em seco e sentiu suas mãos ficarem frias.
― Sim?
― Uma dança? ― Convidou e deixou o copo na consola de madeira. Já imaginava a reação da babá, ela arregalou os olhos e uniu o cenho sem compreender. ― Quero ensiná-la a dançar.
― Como? Eu... ― Miriam estava sem palavras, a voz lhe fugia e percebeu que ele estava a falar a sério quando o viu aproximar-se. ― Não sei o que pretende, senhor Morgan, mas não sei por que está a fazer isso.
― A senhorita sempre ajuda os outros, sempre sabe tudo, mas não sabe dançar. A coisa mais simples que deveria estar inclusa no seu repertório mágico! ― Anuiu com um ar de provocação. ― Parece que um irresponsável como eu, afinal sempre poderá ajudá-la em algo.
― Por favor... ― Antes que pudesse terminar de falar, Callum segurou a mão direita de Miriam e colocou por cima do seu ombro, e uniu a esquerda à sua. Por sua vez, sua mão esquerda pousava acima da cintura fina e esguia. Olhou-a nos olhos pela primeira vez até então e esboçou um sorriso torto.
― Não dói nada, senhorita Fuller, deixe apenas que eu a conduza. Acompanhe os meus passos, dois para a esquerda e dois para a direita. Este é um passo básico com o qual poderá dançar várias músicas ― explicou com elegância e cortesia, que Miriam desconhecia.
Começaram a dançar a seguir as notas da música clássica, no início ela atrapalhou-se, não pela dificuldade em seguir os passos, mas sim porque ainda não acreditava que aquele homem pudesse ter uma atitude sensata, mas depois deixou-se levar pela música e sentiu quando ele afastou-a com cuidado e a rodopiou, voltando a posição inicial, e sem parar de dançar.
Miriam não segurou o riso surpreendido e desatou a rir. Sempre quisera dançar antes, acreditava ser algo maravilhoso de se fazer. Sentiu-se animada com rapidez, feliz e alegre, e Callum por sua vez sentia-se bem por vê-la assim.
Dançaram juntos a noite inteira.
Olaaaaa.
Obrigada a quem está a ler.
E a quem me segue aqui e no instagram.
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