Palavras que Nunca Te Direi
Para minha querida @RosaneDAmorDivino que está doente com corona. Espero que mais um capítulo te conforte o mínimo que seja. Melhoras!
— Antes de este casamento prosseguir, tenho algo a dizer — Afirmou Callum, decidido e com a voz firme.
Porém, foi impedido de continuar, pois as portas da Igreja foram abertas mais uma vez com brusquidão, um grupo de pessoas invadiu aos berros e gritos, desejosos de colocar um fim no que achavam um insulto gravíssimo às suas famílias. Os guardas acionaram fogo, gritos de medo se ouviram por todo lado.
— Miriam! — Dante puxou-a pelo braço com força, obrigando-a a correr por onde o Padre Benedict, os gémeos, Mallory e Sara corriam.
Callum acordou de seus pensamentos, virando-se para encarar a multidão que era contida com dificuldade. Os bancos da capela eram derrubados, as pessoas estavam insanas e com uma raiva a desencadear por todo lado. Viu pessoas conhecidas serem agredidas e devolverem à altura, numa luta sem igual, como se fossem donos dos direitos e das escolhas alheias. Sentiu raiva encher seu peito, tudo lhe parecia não ter sentido nenhum e uma vontade enorme de revidar lhe subiu pela cabeça. Entre eles estava Kyle Gihneal, outrora seu amigo e que certa vez agredira Miriam no mercado. Ele liderava o grupo, seu sorriso mesquinho estava bem desenhado em sua face e com facilidade passou pela confusão que se gerava na entrada, era como se os guardas não fizessem o devido esforço para conter os habitantes furiosos, bem no fundo queriam compactuar para impedir o dito casamento porque na verdade ninguém estava satisfeito que uma negra entrasse na Igreja para se unir em matrimónio com um homem branco.
— Vim acertar as contas — disse Kyle assim que se aproximou com um bastão de madeira nas mãos. Callum era bem mais alto e por alguns instantes ponderou se não seria uma má ideia que aquele casamento não se realizasse sem que fosse ele a estragar tudo, mas saber que Miriam e sua família corriam perigo parecia-lhe mais assustador.
— A Nossa Majestade está a caminho — mentiu, seus olhos estavam semicerrados e a sua voz ecoou por toda Igreja. Kyle franziu o sobrolho surpreso com a informação embora duvidasse da celeridade da mesma.
— Mentiroso! — Afirmou, suas mãos apertavam o bastão. Pronto para partir para o ataque a qualquer momento e ter a sua vingança contra aquele que certa vez o humilhara perante sua escola inteira.
— Então fique para ver, assim poupará o meu depoimento quando for levado ao posto policial, afinal a Guarda Real terá visto com seus próprios olhos. — Esboçou um sorriso confiante, o que fez o outro recuar. Parecia quase impossível que a Rainha Vitória pudesse se deslocar apenas para ir assistir a um simples casamento, mas as coisas que tinha ouvido sobre a dita babá e o Padre que fora enviado para realizar aquele maldito casamento eram coisas completamente absurdas, mas que realmente tinham acontecido, então arriscar não parecia uma boa ideia. Recuou com a raiva a explodir de suas orelhas, apontou um dedo e saiu apreensivo enquanto relatava para os restantes o que acabara de ouvir.
Em poucos segundos a Igreja entrou numa calma maior do que tivera desde que ali tinham chegado. Dante foi o primeiro a sair da sala privada do Padre, seus olhos estavam abertos e abraçou Callum com força num ato impulsivo. Atrás deles vieram os outros ainda assustados, e receosos, não se sentiam seguros, e Sara tentava a todo custo acalmar o seu filho Ben que chorava sem parar.
— Obrigado, irmão — disse Dante, aliviado. Tinha pensado que com os policiais estavam seguros, mas enganara-se redondamente. — Pensamos em fugir por outra porta mas estávamos cercados.
— Foi por um triz — Mallory tinha o cabelo molhado pela transpiração, trazia consigo um longo castiçal para a defesa em caso de luta. — É melhor prosseguirmos logo com isto, não quero a minha família a correr riscos.
— Sim concordo. — O Padre Benedict tentava camuflar o medo que também o invadira, arrancou o castiçal das mãos de Mallory como um sinal que dentro da sua Igreja não deveriam haver pensamentos de luta, embora tivesse consciência de que não fora o jovem que começara. Jamais imaginaria que os ditos fiéis fossem reagir de tal forma, tinha subestimado a gravidade da situação, o ser humano era um perigo ambulante. — Talvez deva dizer o que o trouxe aqui, senhor Morgan.
Callum engoliu em seco e então olhou para Miriam ainda atordoada pelos acontecimentos recentes. Quis ampará-la em seus braços e dizer que tudo ficaria bem, mas não o fez. Desviou os olhos, a coragem toda lhe fugiu quando encontrou os olhos de seu irmão mais velho. Não soube dizer o que ia no olhar de Dante, nem decifrar, mas tomou consciência daquela mulher ter ignorado sua carta como se nada fosse e pensou que talvez já o tivesse esquecido e encontrado conforto nos braços do irmão. Não seria ele a impedir algo que dois adultos tinham consciência plena, apenas inventou um sorriso no rosto perfeito para disfarçar toda dor que o consumia. Miriam já não era mais sua.
— Queria avisar sobre o perigo que corriam, percebi que os policiais não faziam muito para vos proteger — mentiu, sua voz oscilava com certo pesar. — Talvez devessem realizar a cerimónia numa outra altura, com as portas devidamente fechadas e quando os ânimos se acalmarem.
Dante assentiu com a cabeça em concordância e virou-se para ir ter com os seus filhos procurando acalmá-los. Eram muito novos para estarem a passar por tudo aquilo, não mereciam, ninguém merecia. Há algum tempo não saberia a razão de proteger Miriam com unhas e dentes, mas agora sabia melhor que ninguém, amava-a e não a queria perder para o irmão mais novo. Em nenhum momento se arrependeu de ter queimado a carta, apenas teria noção de ter sido errado, mas a mente estava limpa, pois o mais novo jamais poderia oferecer uma estrutura familiar digna por muito que tentasse.
— Virá ao nosso encontro, tio Callum? — Perguntou Sara a embalar o filho em no seu colo, alheia a tudo o que realmente se estava a passar. Ele afirmou a cabeça em resposta, com um meio sorriso, e antes de deixar aquele lugar deitou um último e triste olhar para Miriam. Estava a abrir a mão dela naquele exato momento para que seu irmão pudesse ser feliz. E decidiu deixá-la...
Para sempre.
...
Naquela noite na casa dos Morgan houve um jantar para remarcar a data da união de Dante e Miriam. Desta vez seria feita em casa e nada os iria impedir. Podia-se escutar o som de música e o de vozes. As luzes brilhavam por trás das cortinas por onde se viam os movimentos de pessoas e os risos das crianças.
Callum estava parado do lado de fora, a noite estava fria, mas não chovia. Tinha decidido a não entrar, ciente da amarga dor que coabitava em seu peito, longe daqueles olhos castanhos-escuros, longe daquela alma perfeita. Tinha errado como uma criança tosca, mas jurara para si não voltar a cometer o mesmo engano, ainda assim decidira sair daquelas vidas para sempre. A cortina então moveu-se para o lado e como por magia Miriam surgiu na janela e rapidamente encontrou os seus olhos.
Podia jurar ter visto um resquício de sentimento no rosto da mulher e, por isso, Callum proferiu em pensamentos tudo o que não mais poderia verbalizar:
"Diria que os teus lábios são como mel que se colam em minha boca e me trazem um paladar que mais doce nunca senti. Que o nosso amor são como as borboletas que voam atrás de mim, mas as quais seu voo jamais conseguirei alcançar e suas asas são frágeis demais para que eu as possa tocar sem magoar. Os sonhos não passaram disso, mesclados em pesadelos dos quais não quero lembrar. Um rio de água corrente que desaguou num mar impiedoso e turbulento, um mar de amor perdido, talvez para todo o sempre. Longe dos teus braços, meu mundo será um céu de tormento, sobrevivendo por lembranças imitadas a um arco-íris para logo se afundar num negrume, o mesmo dos teus olhos, o mesmo dos fios do teu cabelo, o mesmo da tua pele que se interligou a minha eternamente.
Minha vida seria então tal conto de fadas sem um final feliz, uma maçã um dia encarnada e brilhante, outro dia o meu próprio veneno. Não morrerei por ela, antes sofrerei como um condenado a uma prisão perpétua a qual ele mesmo se enclausurou. Não restará espaço, mas não me afundarei nela. Não desta vez.
Queria ser um guerreiro que luta incansavelmente pela sua amada, infelizmente sou um simples homem que ao vê-la partir quis lutar, mas não conseguiu vencer. O destino não conspira ao meu favor, mais uma vez. Serei como um pássaro que aprende a voar com suas próprias quedas. Meu coração transformado em cinzas pelas brasas desse amor ardente, hoje mais uma vez chora, e liberta o que restou pelo ar. O mesmo que tu respiras, e nele encontrarás todo o sentimento que me queimou.
Diria que estendi a minha mão, talvez tardiamente, talvez precocemente; Ou que sou um azarado que não soube dar valor. Um viajante em uma estrada de pedras, sem sapatos, ignorando a dor para superar seus obstáculos. Meu amor será como as quatro estações, uma vez inverno e outra vez verão, haverá dias que as folhas secarão nas ramificações do meu coração e dias em que irei desabrochar em primavera, na esperança que sozinha venhas até mim e que me olhes com os olhos a transbordar amor, no desejo de fundir o teu corpo ao meu, mais uma vez, tal e qual se repete todas as noites no aconchego vazio de memórias quando me perco em meu leito.
Te contaria que as estrelas são bolas de fogo ardentes como os meus olhos quando encaram a tua silhueta perfeita, que hoje eu sou a sombra do homem que um dia conheceste e o qual transformaste, que tal como os pontos cintilantes de um céu negro, levaria milhares de anos para te encontrar e ter a oportunidade de te ver brilhar de novo.
Tantas coisas queria dizer, mas entre elas estão aquelas palavras que eu nunca te direi, te amei. Um rio que nasce na mesma nascente pode desaguar em águas diferentes."
Miriam podia jurar ter visto os lábios de Callum terem-se movido lentamente e pronunciado em palavras certas: Eu te amo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top