Nem o Tempo Apaga

— Pare! — Ela pediu, mesmo quando seus joelhos fraquejaram. Apoiou as duas mãos no peito largo que subia e descia sem compasso e o empurrou ao de leve. — Pare.

— Não compreendo. — Callum encostou a sua testa junto a dela e abriu os olhos ainda com a respiração dificultada. Beijá-la era como encontrar uma fonte no meio do deserto e nunca satisfazer sua sede. Engoliu em seco. — Vai continuar a negar o que obviamente acontece entre nós?

— Não.

— E então? O que a impossibilita?

Miriam deu um passo para trás, se desfazendo dele e sentou na cama fria olhando para o chão. Sempre tinha sido corajosa e já não era nenhuma menina adolescente, o único problema era que experimentava o primeiro sentimento de sua vida.

— Que tipo de pessoa seria se cedesse aos seus encantos? Se lembra do que me fez e das palavras que me disse? Fui presa e quase abusada por sua causa. — Não era de guardar rancor, na verdade sentia por ele tudo menos mágoa, mas não sofria de amnésia. — Essa vossa mudança repentina é um quanto assustadora. Não me inspira nenhuma confiança.

— Me permita lhe pedir perdão a vida inteira se for o caso. Meu maior castigo é experimentar tal afeição por sua pessoa sabendo tudo o que lhe causei. Acredita realmente que não sofro por tamanha vergonha? Por ver que mesmo depois do que fiz, sempre procurou ajudar-me. Por reconhecer a bondade que habita na senhorita quando eu não passava de um ignorante preconceituoso? — Parou no mesmo lugar e não se mexeu. — Saiba, senhorita Fuller, tenho a mais clara das consciências e terei de viver com isso.

— E devo abonar também que me iria cortejar como fez com a menina Bouvet? Que se casaria comigo e ficaria ao meu lado como sua mulher? — Levantou os olhos escuros. — Ou certamente seria aquela que divide o leito entre quatro paredes?

Callum apertou os lábios deixando a resposta para aquelas questões morrerem em sua boca. Ela deixou uma risada pragmática escapar de seus lábios.

— Crê que por ser negra não teria essas exigências ou tais sonhos? Que me contentaria com encontros furtivos e sem compromissos ou que saciaria sua curiosidade por minha pessoa até que encontrasse a mulher ideal com quem se casar?

— Por quem me toma?

— Vos tomo por aquilo que teria mostrado, não que desacredite em mudanças, mas veja sequer possui uma profissão. Viveríamos escondidos aqui por baixo de seu irmão construindo um muro de lascívia? Infelizmente não é algo pelo qual almejo senhor Morgan.

— Está a ser injusta.

— Racional, eu diria.

Ele engoliu em seco e empalideceu prontamente.

— Está a rejeitar-me? — Perguntou e trincou os dentes. Era a segunda vez no mesmo dia que era extirpado de sua breve euforia.

— Claramente. — Se levantou. — Tudo não passa de uma ilusão que não encontrará jamais espaço. Esse sentimento repentino é o desejo pelo desconhecido, acredite, o tempo irá apagar.

— Certo. — Era orgulhoso e não a encarou duas vezes antes de se afastar para abrir a porta. Hesitou antes de sair. — Lhe desejo toda a sorte do mundo.

— E eu também, senhor Morgan.

Quando Callum fechou a porta, ela piscou vezes sem conta e segurou o incómodo que subiu por sua garganta.

***

— Quanto tempo irá ficar, tens a noção? — Dante perguntou a abraçar o irmão mais novo. Sentia certo orgulho por vê-lo decidir por algo, sem contar que entrar para o treino policial com o apoio de seu melhor amigo Ian Birmingham iria facilitar muito na carreira do irmão.

— Muito tempo em Londres. Aposto que nem irão sentir a minha falta. — Callum respondeu, se agachou para apertar a mão dos sobrinhos e bagunçar o cabelo deles.

— Já está um pouco velho para acompanhar o ritmo dos recrutas mais novos. — Ian que era tão corpulento como o irmão mais novo de seu melhor amigo desatou às gargalhadas no meio da sala. — Terei esperado por todo este tempo para ver isto acontecer.

— E a quem o dizes, meu caro. — Dante pigarreou carregando as malas de Callum para fora da casa, seguido de seu amigo enquanto falavam sobre assuntos pendentes.

— Adeus tio. — Gabriel lhe deu um beijo carinhoso no rosto, e Ditch por sua vez apertou com força a mão grande.

— Sentiremos sua falta. — Acrescentou.

— Eu também, comportem-se! — Callum se ergueu e olhou para Miriam parada de olhos marejados. — Fique bem, senhorita Fuller.

— O senhor também. — Estava com os braços cruzados a vê-lo partir para um futuro incerto e remoendo as palavras que lhe dissera três dias atrás antes de ele ter tomado a decisão súbita de finalmente aceitar o convite de Ian e partir para iniciar uma carreira na polícia.

Ela o viu sair em suas passadas pesadas, se despedir da tia que o abraçou com força e então deixar a casa com firmeza, e quando a porta se fechou foi como sentir um amargor em seu palato. Se demorou até perceber que era dor que fazia moradia em seu peito e sem conseguir se controlar correu até a janela vendo o coche que o transportaria até a estação de trem. Abriu a janela a sentir o vento menos frio que lambia sua face e acreditou que aquilo era o melhor para os dois.

***

Quando a primavera chegou na cidade, Miriam podia aproveitar dos trajes mais modernos e leves, acompanhava Sara com o pequeno Ben que era um bebé alegre e saudável, e conversavam sobre quase tudo. Era engraçado ouvir os relatos da vida da adolescente que já era mãe e tinha que dividir a casa com os sogros. Catarine Mallory vivia a implicar com tudo sem parar desde a forma como esta arrumava os lençóis da própria cama até como amamentava o filho. O único escape que tinha era quando vinha passar as tardes com a babá, pois o marido começara a trabalhar com o pai que possuía um açougue.

Miriam também ajudava Ditch e Gabriel que se preparavam para os exames finais na escola. Havia agitação, o medo de reprovar e a saudade do verão que dava sinais de vida. Já tinham programado as férias para uma residência de Lady Straton no campo perto de um rio, Sara também ia com o marido até porque tinha engajado numa amizade com Carla Straton.

Esse era outro assunto que acompanhava os salões, cabeleireiros e os bares, todos indagavam-se como uma mulher tão elegante e rica aceitava passar noites com um homem sem firmar um compromisso mais sério. As pessoas a criticavam por trás e a bajulavam pela frente.

O tempo não foi generoso, foi lento e malvado se fazendo arrastar por cada dia. A babá sentia saudades de Callum mesmo que não gritasse em voz alta ou quando percebia que todos recebiam cartas assinadas por ele e nenhuma era dirigida a si. Tentava negar que o sentimento a corrompia, que sentia falta de seus passos pesados a ecoar pela casa, do olhar fulminante e dos lábios quentes.

Quando o verão chegou todos viajaram deixando-a sozinha na casa. Dante sugeriu que ela também tirasse férias e fosse visitar Lake Hampton, mas Miriam preferiu ficar. Não só porque voltar não era de nenhum interesse de momento, pois havia coisas que deveriam permanecer quietas por um tempo, mas também por perceber que por muito que a considerassem da família como diziam, ninguém a tinha convidado para ir junto.

Costumava passar os dias a costurar, a cuidar da roupa de Dante e dos meninos, limpava a casa e ao fim do dia saía para passear. Lia um livro no parque ou cultivava seu jardim enquanto via os dias alternarem entre sol brilhante ou chuva quente. Numa manhã quando saiu para recolher jornal e os correios, foi interceptada por Kyle Gihneal que estava parado por cima de suas flores. As esmagava com raiva.

— Soube que está sozinha e indefesa. Acidentes acontecem e, felizmente ninguém se importaria com alguém como tu. — Ainda havia raiva pela forma como falava. Não podia esquecer a humilhação que tinha passado com o ex amigo por causa dela.

Miriam não baixou a cabeça.

— A única diferença, senhor Gihneal, é que é mais fácil tentar me amedrontar quando me encontro sozinha e indefesa, sendo que não lhe fiz mal algum. Iria apenas lamentar por tamanha covardia vinda de um homem como o senhor, mas me sinto de igual importância por ter tirado um tempo de seu dia para o escolher disponibilizar para mim. Alguém de tão pouca importância — respondeu com astúcia e os olhos dele se encheram de cólera. Andou na sua direção com fúria e parou diante dela apenas para cuspir nos seus pés a demonstrar nojo, antes de se retirar no estilo elegante pelos portões à fora.

A família Morgan regressou um pouco antes do final do verão. Os gémeos tinham tanta coisa por contar, e Gabriel começou a escrever sua jornada maravilhosa num caderno com capa dura que seu pai o ofereceu para que pudesse recriar suas histórias. Seria jornalista como o pai, afirmava sempre. Ditch por sua vez tinha apanhado uma alergia e passou todo o verão no quarto o que o deixou ainda mais amuado e ríspido. Dante estava revigorado, fazia tempo que não relaxava a cabeça e ficava longe do trabalho, pudera aproveitar melhor o seu neto Ben e os filhos sem preocupações a mais.

Enquanto voltava às rotinas da casa, alegre por ter companhia de novo, Miriam percebeu que mesmo sem sentir, o tempo havia se esgueirado. Primeiro primavera, depois verão e agora inverno de novo. As aulas começaram, Dante voltou ao jornal e tia Laureen continuava a importuná-la sempre que podia.

Tudo estava de volta nos trilhos, até o dia que voltou do mercado com o frio azedo que vilipendiava seus ossos e, ao abrir a porta, encontrou Callum sentado a conversar com o irmão e a tia.

— [...] Eu sempre disse que a polícia não era para mim. — Dizia com firmeza, a voz mais grave e o cabelo curto. — Quando cheguei não houve delongas para compreender de que forma eu queria salvar vidas. Entrei para o curso de medicina que eles oferecem e tenho aprendido de tudo um pouco.

— Boas... — O coração dela ousou falhar uma batida.

— Senhorita Fuller veja quem chegou! — Dante estava radiante.

Ela fechou a porta devagar, segurando a sacola em suas mãos e se aproximou da mesa onde bebiam o café horrível da tia Laureen.

— Seja bem-vindo. — Tentou parecer séria, mas o sorriso a traiu quando o viu se voltar para encará-la. Continuava belíssimo, com o rosto redondo e os olhos azuis acinzentados poderosos.

— Obrigado. — Agradeceu com um ar sério, quase circunspeto e não lhe devolveu o sorriso, voltando o pescoço para se concentrar naqueles que ocupavam a mesa consigo, se mostrando indiferente a presença dela que se retirou em seguida de peito erguido e se dirigiu até a cozinha.

Apoiou as mãos na bancada, percebendo o quanto tinha ficado feliz por vê-lo e como não conseguia controlar aquela sensação. Tinham passado meses desde a última vez, mas descobriu o que se tinha negado a ver. Por muito que não houvesse nenhuma razão para ter encontrado afeição naquele homem, e se sentia completamente estúpida por isso, não teve mais dúvidas de que certas coisas, nem o tempo apaga. 

E aí meninas? Vi muita gente surpresa com a mudança de Callum e em como os sentimentos dele são de verdade. Só para lembrar que ainda vai correr muita água por estes rios, por isso apertem os cintos. O subtítulo do livro é "Uma Batalha Pelo Direito de Amar", então se preparem.

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