𝟬𝟬 : OUTBREAK DAY.
00. PRÓLOGO :
« O DIA DO SURTO. »
♬ song : the end of the world
── josefien cover
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OUTONO⠀─ ⠀ SETEMBRO 26, 22:30
⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀Austin, Texas
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QUANDO SEBASTIAN FECHAVA seus olhos, se tornava fácil retornar para aquele dia. As memórias, no início, eram agridoces. Uma noite fria de setembro, o cheiro de água salgada estava por toda a parte e a música ambiente vinha do som dos grilos e das cigarras de fundo. Ele recordava que aquela foi a última noite que se sentiu tão relaxado.
A água cristalina do lago refletia a luz da lua. O movimento era calmo, quase inexistente, porém eles mantinham a linha e o anzol sobre a água. A vara de pesca estava em sua mão, aguardando o momento em que o peixe fisgaria a isca e ele poderia finalmente puxa-lo para fora. Pesca não era um hobby que fazia com recorrência, Garrett o arrastava para isso sempre que estava ao seu lado.
Sentado na cadeira de praia, ele escuta o momento em que uma latinha de cerveja é aberta e Garrett lhe oferece a bebida com um olhar neutro. Sebastian acena com a cabeça, aceitando a oferta de seu amigo de longa data, enquanto continua a observar o lago em contemplação pura e nada muito além de uma sensação de satisfação.
Ele não é um grande fã de cerveja. Morar em Londres por mais de 15 anos causa um efeito nas pessoas e, no caso de Reeves, seu apreço por Bourbon aumentou gradativamente nos últimos anos. Sua irmã, Cleo, costumava zombar, dizendo que alguns anos na Inglaterra não o faziam um inglês, mas que ser mesquinho realmente estava no sangue do homem.
── Sabe, eu tenho pensado bastante sobre isso ── Murmura Kanski, quebrando o silêncio entre eles. O homem deixa a vara de pesca que segura de lado e pousa os braços cruzados sobre a barriga, enquanto inclina-se para trás na cadeira da praia. ── e acho que está mais do que na hora de acontecer.
── Do que está falando? ── Sebastian questiona. Garrett tem esse costume, iniciar conversas com frases que não tem muito sentido até que ele explique seu raciocínio.
── Aposentadoria. ── Ele diz. ── Acho que está mais do que na hora de deixar de ser capitão.
O assunto já tem perpetuado por um tempo. Os homens na base andavam espalhando esse boato. Sebastian não acreditava muito na possibilidade, apenas se escutasse do próprio capitão, mas não esperava que Garrett estivesse realmente cogitando a possibilidade.
Na verdade, sabia que já deveria esperar por isso. Cleo teve seu segundo bebê a pouco mais de 6 meses e seu melhor amigo e também marido dela, fizera questão de ficar afastado do batalhão desde o nascimento da menina. Birdie ── o nome pelo qual Sebastian sempre costuma chama-la, mesmo sabendo que esse não é seu nome verdadeiro, mas sim seu segundo nome. ── era um bebê pequeno, de bochechas rosadas e cabelos castanhos que lembravam muito os de sua irmã quando nascera e, consequentemente, faziam com que Sebastian recordasse de sua própria mãe.
Seu capitão, Milo Garrett Kanski, e seu cunhado a mais de 10 anos, era um obstinado mas que também se tornou bastante leal a sua família. Reeves observava a forma como ele cuidava de Cleo e das crianças e como ele se realmente se importava. Se tivesse sido um pouco mais observador antes, teria notado que Garrett estava chegando ao limite em relação às missões e tudo o que mais queria era ficar mais próximo daqueles que amava. Ao analisar seu amigo, encontrava um olhar solene em sua face, como ele tivesse certeza de sua decisão.
A ideia ainda trazia um certo desconforto a Sebastian, era um pensamento estranho continuar em Fort Mead sem Garrett como seu capitão. Afinal de contas, havia sido o Kanski quem o fez entrar para o exército anos atrás. A pessoa que o convenceu a se alistar quando as coisas tornaram-se complicadas.
── Tem certeza disso? ── Questiona Sebastian. Sua testa estão franzidas, pois não consegue imaginar Garrett se aposentando. Era de se esperar que isso fosse acontecer um dia, mas ele não pensava que chegaria tão rápido. ── É realmente o que quer fazer?
── Estou pensando nisso a meses, mas desde o nascimento da Birdie se tornou algo mais recorrente. ── Responde Garrett. ── Quero passar mais tempo com ela e com o Jace. Eles crescem muito rápido, não estou aproveitando o suficiente.
Havia aquela sensação sempre presente de insuficiente, é claro. Kanski perdeu muitos aniversários de Jace enquanto ele crescia. Seu sobrinho já tinha 6 anos agora e era um garoto esperto. Entendia que seu pai precisava se ausentar com frequência, porém Garrett não gostaria que ele tivesse que entender.
Sebastian também não tinha o costume de ver os sobrinhos com frequência, apenas decidiu ir para o Texas em suas férias por causa de Cleo. Sua irmã mais nova insistiu tanto para que ele fosse visita-los que acabou cedendo. A mulher apenas desejava que Sebastian conhecesse sua sobrinha, pois desde que Birdie nasceu, tudo o que ele viu foram fotos e o rosto da menina por chamadas no skype tarde da noite.
Reeves não queria que ela achasse que ele a estava evitando. As missões para o esquadrão ficaram mais rigorosas e, desde que Garrett entrou de licença, todo o trabalho de liderar a equipe caiu sobre as costas dele ── tenente, segundo em comando e o homem de confiança de Kanski, recebeu um fardo pesado para carregar, porém lidava com tudo com maestria.
── Imagino então que já tenha em mente quem vai lhe substituir. ── Reeves leva a lata de cerveja aos lábios e toma um gole. ── Espero que seja alguém competente.
── Claro que tenho. ── Garrett o encara e sorri ladino. Em seguida coloca a mão sobre o ombro de Sebastian e aperta. ── É você quem vai ser o novo capitão do esquadrão. ── Dando tapinhas amigáveis no ombro do amigo, ele se afasta.
Sebastian ri, debochando da fala de Milo.
── Quantas cervejas você bebeu?
── Não o suficiente. Ainda estou bem lúcido, meu amigo. ── Responde Garrett. Sebastian o encara com um olhar incrédulo. ── Não faria sentindo colocar qualquer outra pessoa que não seja o meu tenente. Você fez um bom trabalho até aqui, merece esse posto.
── Não nasci pra liderar.
── Você fez isso durante os últimos 6 meses, Sebastian. ── Retruca Garrett. ── Não tente agir como se não merecesse.
── Não fui exatamente o capitão durante esses meses, ajudei na liderança, não estava sozinho. ── Ele responde. ── É bem diferente de assumir a responsabilidade total de uma equipe, Garrett. ── Sebastian ajeita-se na cadeira e também deixa a vara de pesca de lado. ── Tem homens melhores que eu.
── Pois então me diz um sargento daquele batalhão que seja tão competente quanto você. ── Pede o Kanski. ── Um nome, apenas isso.
Sebastian pondera sobre as suas possibilidades durante um tempo. Ele dá de ombros.
── O Leon. ── Sugere e Garrett revira os olhos.
── Está brincando comigo? ── Questiona o homem. ── O seu meio irmão fudido da cabeça? Se eu quisesse um psicopata como capitão da minha equipe, até cogitaria a possibilidade. Mas eu ainda tenho noção, Reeves.
Sebastian bufa, balançando a cabeça de um lado ao outro.
Leon era o irmão mais velho de Sebastian e Cleo, aquele o qual eles não tinham tanto contato por terem apenas o mesmo pai. Eles não eram tão próximos, mas acabaram tendo contato constante quando Leon também entrou para o exército, alguns anos depois que Sebastian. Tinha que admitir que seu irmão era um pouco descontrolado, perdia o controle da raiva facilmente.
Quando o encarava tudo o que Reeves via era seu velho pai. Leon tinha muitos traços dele, principalmente o costume medíocre de bater primeiro e perguntar depois. Atualmente ele tentava andar na linha, pois seu principal objetivo era subir de patente. Sebastian estava tentando dar um voto de confiança a ele.
Garrett não o via com os mesmos olhos.
── Precisa dar uma chance a ele, Garrett. Ele está se esforçando. ── Retruca Sebastian, tentando convence-lo. O homem balança cabeça de um lado ao outro.
── Se não for você, não vai ser ninguém. ── Sem que fosse possível mudar sua mente, Kanski apenas afirma. ── Você é o meu melhor amigo e o único capaz de liderar aquela equipe.
── Eles vão dizer que você está me privilegiando porque é casado com a minha irmã.
── E não é por isso? ── Arqueia uma sobrancelha ao indagar, debochando. Sebastian revira os olhos. ── Desde quando você se importa com o que pensam? ── Questiona Garrett. ── Para de dar desculpas, Sebastian. Por que você não só fica feliz por isso? Vai finalmente poder me tirar do seu pé, idiota.
── Isso nunca vai acontecer realmente. Fui obrigado a aceitar você na minha família. ── Reeves bebe da cerveja em sua mão, enquanto Garrett ri anasalado.
Eles caem em um silêncio amigável por um tempo. Os dois apenas aproveitam a brisa noturno, observam aquela água cristalina. Garrett cantarola alguma melodia familiar, que Sebastian não reconhece imediatamente, mas sabe que é de alguma música que já escutou antes.
── Vamos para Jacarta na próxima semana. ── Ele comenta, quebrando o silêncio o qual haviam se envolvido. ── Abrams planeja mandar reforços.
── Eu ouvi sobre o que estava acontecendo por lá. Não fui a fundo sobre o assunto, mas ouvi algumas notícias no rádio. ── Garrett responde. ── Ele vai mandar todo o esquadrão?
── Ainda não disse o que vamos fazer. Só vamos saber tudo quando chegarmos na base na segunda. ── Explica Sebastian. O homem ao seu lado assente, sinalizando que compreende.
── Para precisarem de esquadrão de elite, eles não tem boas intenções.
── Wiggins acha que vai ser um banho de sangue. ── Diz Sebastian. Banho de sangue costuma ser a forma que eles se referem a "queima de arquivo". ── Nem sei por quanto tempo eles planejam deixar a gente por lá.
── Tempo o suficiente pra acabar com a guerra, eu imagino. ── Responde Kranski. ── O que pode ser 1 mês ou 5 anos. É por isso que não quero voltar. ── Ele balança a cabeça de um lado ao outro e olha para Sebastian. ── Já perdi anos demais da minha vida tentando combater guerras que não eram minhas.
── Acha que tudo que fizemos foi em vão?
── Não tudo, mas... O mundo não ficou melhor, ficou? ── O questiona Garrett. A pergunta paira no ar, Kranski suspira e passa a mão calosa pelos fios castanhos escuros em sua cabeça. ── Vou deixar o trabalho de "mudar o mundo" para os mais novos. No momento, estou bem sendo um pai aposentado que passa o fim de semana pescando e fazendo churrasco.
── É uma pena que você não saiba pescar e muito menos fazer uma carne sem queimar. ── Debocha Reeves, rindo fracamente. ── Desculpa irmão, mas você vai ser o pior pai aposentado que eu conheço.
── Quantos pais aposentados você conhece? ── Pergunta Milo, erguendo uma sobrancelha.
── Contando com você? ── Disse ele. ── Só um.
── Porra. ── Diz o homem, rindo. ── Você precisa fazer amigos, Sebastian,
── Não, eu to bem assim. ── Responde Reeves, levando a lata de cerveja mais uma vez aos lábios e parando a centímetros dela. ── Gosto de manter meu círculo social mais fechado.
Garrett continua rindo enquanto bebe, Sebastian tem um sorriso mau contido nos lábios ao dar um último gole em sua bebida.
── Merda. ── Pragueja Garrett, fazendo com que o Reeves o encare. Ele parece frustrado enquanto passa a mão pelo rosto.
── O que foi?
── Me esqueci completamente. ── Ele murmura. ── Cleo me pediu para comprar leite para a Birdie. Fomos no supermercado mais cedo e eu não me lembrei.
── Não pode deixar para amanhã?
── Ela vai reclamar pra caralho, é a terceira vez que eu esqueço. ── Kranski responde.
── Certo, então deixa que eu vou. ── Sebastian disse, pondo-se de pé.
── Você não precisa. Volta pra dentro de casa e vai descansar, eu cuido disso. ── Milo tenta se colocar de pé, mas acaba se desequilibrando um pouco, Sebastian o impede de cair. ── Opa! ── Ele começa a rir como um bebado.
── Acho que você bebeu demais, amigo. ── Comenta o Reeves.
── Só algumas latinhas, não faz mal a ninguém. ── Garrett responde e treme um pouco nas mãos de Sebastian. Nota-se que ele está soando um pouco, causando um estranhamento em Reeves.
── Você deveria voltar pra casa, parceiro. ── Sebastian dá alguns tapinhas nas costas do amigo, ajudando-o a ficar pé. ── Eu pego o carro e vou no mercado rápido.
── Tem certeza? Você também bebeu.
── Foi só uma cerveja. Estou sóbrio ainda. ── Afirma ele.
Ajudando Milo a entrar em casa, Sebastian deixa as cadeiras e a isca de pesca na varanda de casa. Ele reune suas chaves e sua carteira no bolso, enquanto vai até seu carro que está estacionado em frente a casa de seu cunhado. A casa de sua irmã é mais afastada do centro, eles vivem mais perto do campo em uma área que é mais isolada e rural ── motivo pelo qual Sebastian não se importa tanto em utilizar a balaclava.
A residência apresenta detalhes de uma casa vitoriana. Tons de branco, cinza e preto adornam sua fachada. Ela não é muito grande, mas ocupa um espaço considerável no campo. Durante a primavera, ficava ainda mais bonita. Porém durante aquela noite fria de verão, com todas as suas luzes apagadas, poderia muito bem assemelhar-se com uma casa abandonada.
Cleo e as crianças já estavam dormindo a essa hora, tendo colocado os dois na cama cedo e ido descansar depois de ficar um tempo conversando com Garrett e Sebastian na sala. Os dois saíram para buscar algumas coisas no mercado e aproveitaram o restante da noite par pescar no lago.
Era por voltas das 11:30 da noite quando Reeves ligou seu carro e tomou o caminho da estrada em direção a rodovia para chegar ao mercado. Deveria durar uns 15 minutos a sua ida até o mercado, Sebastian não achava que demoraria mais do que isso, principalmente por conta do baixo movimento tão tarde. Para a sua surpresa, ele encontrou um pequeno engarrafamento por conta de um caminhão parado na estrada.
Outros motoristas buzinavam, estressados por estarem parado ali durante a madrugada, enfurecidos pela vontade de retornar para casa o quanto antes. Sebastian também buzina, enquanto alguns motoristas saem de seus veículos para questionar o motivo de tamanha demora do caminhoneiro para se mover.
Reeves se questiona se deveria sair ou não, encarando a balaclava no painel do carro por alguns minutos. O vidro fume conseguia inibir a visão dos outros, ele estava seguro dentro do pequeno confinamento de seu veículo e a máscara era de uso contínuo para o trabalho, ele não fazia tanta questão de utiliza-la fora dele. Seu momento de discussão mental durou alguns minutos, sendo interrompido quando a primeira aeronave sobrevoa o céu e passa acima deles propagando um zunido que quebra o silêncio daquela noite fria de setembro. O voo dela é baixo, anormal ao ponto de atrair o olhar dos motoristas que a observam até que quase suma atrás deles.
Reeves a perde de vista, mas não pelo motivo que esperava.
A bomba que a aeronave solta na cidade causa uma explosão violenta que treme até mesmo a água ao redor do cais próximo a estrada onde eles se encontram. Todos se assustam enquanto seus olhos arregalados observam a fumaça e o fogo que sobe.
── Mas que merda é essa?! ── Exclama alguém do lado de fora, alarmado.
Sebastian observa o lado de fora atentamente, notando como mais um flanker passa da mesma forma acima deles, porém dessa vez fazendo uma curva para a direita. O bombardeio, Reeves nota, é na cidade. Eles não escutam gritos ou choros desesperados, mas imagina que deve estar acontecendo. Era tarde, mas também era sexta-feira.
No bolso de seus jeans, o celular de Sebastian começa a tocar. Apressadamente, ele retira o objeto do bolso e observa o número na tela. O nome do general Abrams brilha no aparelho, deixando Reeves sério e preocupado. Ele aceita a chamada e leva o telefone ao ouvido.
── General. ── Ele cumprimenta assim que a ligação está conectada. Encara as pessoas do lado de fora, percebendo como elas estão desesperadas. Algumas retornam para os seus carros.
── Tenente Reeves. ── Vem a voz uniforme e firme do general do outro lado da linha. O tom dele é naturalmente grave e não apresenta qualquer tipo de desespero e aflição, porém Sebastian o conhece bem. ── Seu retorno imediato para a base em Washington está sendo solicitado. Precisamos que volte ainda hoje.
── Senhor, se me permitir perguntar, o que está acontecendo? ── Sebastian questiona, mantendo-se firme.
── Tenente, toda a informação será passada quando tiver retornado a base. ── Responde o General. ── As cidades estão sendo evacuadas. Os militares no Texas estão sendo retirados com prioridade máxima. Se tiver familiares com você, leve-os até a zona de embarque no Fort Sam Houston. Sem paradas, vá direto para a base.
Sebastian respira fundo.
── Sim, senhor.
── Certo, soldado. Aguardamos seu retorno seguro. ── Antes de desligar, Abrahams adiciona. ── E diga ao capitão Kranski que ele também é solicitado.
Ele responde afirmativamente e a chamada é desligada pelo general. Reeves observa a tela de seu aparelho por um tempo, como ela tivesse a resposta para todas as suas perguntas. Ele sente uma apreensão que cresce, algo que o perturbar em seu interior, porém precisa ignorar e focar em retornar par a sua família. Ele pensa em Cleo, Garrett e nas crianças e sabe que precisa alerta-los sobre o que está acontecendo.
Sebastian leva a mão ao volante, prestes a tentar dar a ré com o carro, porém preso por um veículo parado atrás dele. Ele buzina duas vezes, sinalizando que precisa sair, quando a porta do motorista do caminhão se abre e um homem transtornado sai de dentro dele. O acontecimento é tão rápido que ninguém reage inicialmente, apenas quando o desespero começa.
O motorista do caminhão avança contra um homem, está em cima dele em questão de segundos. Uma segunda pessoa cai pela porta do passageiro do caminhão e, depois de tombar no chão e ser ajudado por uma mulher, ele também a ataca. Sebastian não entende o que está acontecendo, porém as pessoas estão transtornadas. Elas correm de volta para os seus carros, começam a tentar sair dali a todo custo, conforme mais um bombardeio acontece no centro.
Sebastian guia o veículo pela mata ao invés de se manter na rodovia, voltando a si e acelerando para fora daquele lugar. Pela janela, ele vê um dos poucos vizinhos que Cleo e Garrett tem a quilômetros de distância de onde moram, correndo pelo campo aberto. O homem veste roupas de dormir e avista a picape, reconhecendo o carro. Ele ergue as mãos e pede por ajuda, gritando para que possam ir até eles.
A possibilidade de parar passa pela mente de Reeves, porém a voz do general retorna a sua mente. Sem paradas, direto para a base. A palavras dele foram claras, Sebastian nunca desacataria uma ordem de seu superior, ainda mais quando algo sério estava acontecendo. Sua prioridade era sua família e precisava leva-los para um lugar seguro o quanto antes.
Ele acelera quando volta para a estrada, deixando o homem parado perto do meio-fio. Por um breve momento, Reeves nota a porta da casa dele sendo aberta abruptamente e uma mulher sai de dentro da residência vestindo uma camisola. Ela corre de maneira violenta. Sebastian tem apenas um vislumbre do instante em que ela avança para cima do homem e o derruba no chão. Ele não vê o que acontece depois, mas aperta o volante com mais força ao notar o perigo.
A estrada pavimentada treme quando mais bombas são lançadas, o cheiro de queimado torna-se mais forte. Deixa-o cientes de que o bombardeio está chegando mais perto da área em que a residência dos Kranski está estabelecida. Sebastian acelera com o carro e apenas para quando avista a casa familiar, estacionando sobre o meio fio bem a frente dela.
Ele escuta o choro de Birdie a distância e isso o deixa mais aflito. Reeves desligou o carro desce do carro, fechando a porta. Dá poucos passos pela grama, antes de parar quando seu celular vibra em seu bolso. Ele puxa para ver uma mensagem brilhando na tela. O nome de Grace Sheperd escrito acima do texto.
Grace: Abrams disse que entrou em contato com você. Está tudo bem ai?
Grace: Está tudo fora de controle. Toma cuidado.
Ele não responde, não tem interesse em responder, porém não consegue tirar as palavras dela de sua cabeça junto da imagem do vizinho de Garrett sendo atacado. Sua mente continuava perguntando o que estava acontecendo, o quão grave era a situação para uma cidade inteira estar sendo bombardeada e evacuada. Era um ataque? Mais uma guerra estava se iniciando?
A maior preocupação de Sebastian era sua família, era poder protege-los. Tudo o que tinha estava ali, sua irmã, seus sobrinhos, seu cunhado. As pessoas que mais valiam a pena, os únicos que realmente restaram ao seu lado. Depois de tudo que fez, não se via sendo digno do que tinha, mas lutaria por eles se fosse necessário e seguiria com isso até o fim.
Antes que esteja a meio caminho da casa, ele escuta o som de vidro sendo quebrado, arregalando seus olhos pelo som revelador. Por instinto, Sebastian retorna para o carro e pega sua arma no porta-luvas, pensando na possibilidade de haver um invasor na casa. Ele corre pelo gramado até a entrada e abre a porta. O choro de Birdie continua no andar de cima, fazendo-o se questionar onde Cleo deveria estar a essa hora para não acalma-la.
Segura a arma com uma das mãos, caminhando com presa pela casa escura, porém mantendo seus passos silenciosos, temendo alertar alguém indesejado. Passando pela sala, ele vasculha o cômodo, indo por último na cozinha, onde encontra o motivo do vidro estilhaçado. Kranski está parado no escuro, tendo espasmos. Alguns talheres espalhados, copos e pratos quebrados. O homem permanece de costas, Sebastian não consegue vê-lo e a única iluminação entra através das janelas com as cortinas abertas.
── Garrett. ── Ele o chama. ── O que aconteceu com você?
Garrett murmura algo que inicialmente Sebastian não consegue entender. Apenas um instante depois, quando Reeves dá alguns passos cautelosos para dentro do cômodo, é que ele percebe que Kranski não está murmurando palavras, mas sim pequenos rosnados, rangendo os dentes e balbuciando palavras desconhecidas.
Quando o homem volta-se para ele lentamente, a pele dele está mais pálida, espuma cresce nos cantos de seus lábios e as veias estão proeminentes no pescoço e no rosto, contracenando com seus olhos ejetados. Encarar Sebastian desperta um instinto animalesco dentro dele, fazendo com que o homem avance na direção do cunhado.
Reeves desvia, partindo para o lado oposto antes que Garrett o alcance. Kranski acerta o armário de copos, quebrando o vidro e o despedaçando pelo chão. Sebastian mira com a arma contra ele, enquanto Garrett ainda está se recompondo do impacto.
── Fica parado, Garrett. Eu não quero te machucar, irmão. ── A fala de Reeves vem como um aviso, ainda tentando agir racionalmente.
Seus dedos se apertam em torno da arma, enquanto Garrett volta-se para ele mais uma vez com baba escorrendo de seus lábios entreabertos. Seu amigo não parece mais com ele mesmo, espasmando e se contorcendo em meio da cozinha, leva questão de segundos para que ele se descontrole mais uma vez.
Quando Milo corre em sua direção, soltando um som gutural, Sebastian age por instinto. Sendo um atirador de elite, seu dedo do gatilho foi rápido. O disparo da arma de fogo iluminando brevemente o ambiente, o cheiro de pólvora permeando pelo ar. Reeves está rígido, preso aos seus pés ao chão da cozinha quando escuta o baque do corpo de seu melhor amigo e capitão caindo no chão.
Olhos arregalados e que não piscam, seus ombros sobem e descem conforme sua respiração superficial continua. Ele havia matado muitas pessoas em sua vida, tinha mais mortes em suas costas do que poderia contar, mas nunca como algo assim. Nunca havia matado um amigo.
Por um instante, ele já está de volta ao inicio novamente, vendo-se como um jovem garoto que acabou de ingressar no exercito, que não tinha estômago para lidar com a morte. Ele não olhou para o chão quando saiu da cozinha, deixando pegadas vermelhas enquanto subia até o andar de cima pois o sangue de Garrett havia escorrido pela piso. Birdie continuava chorando em seu quarto e Sebastian não havia visto nenhum sinal de Jace ou Cleo.
Mesmo ainda com o peso da morte de Garrett em seus ombros, tentou se recompor para encontra-los. Subiu os degraus de dois em dois para chegar lá em cima mais rápido, encontrando apenas a porta do quarto de sua sobrinha fechada.
── Cleo! Jace! ── Ele chama por eles. Sebastian procura por sua irmã primeiro, entrando no quarto de casal. A cama king size está desfeita e ela não está a vista no quarto. ── Precisamos sair daqui, um bombardeio está acontecendo na cidade.
Voltando para o corredor, ele vai até o quarto de Jace, procurando os dois. Sebastian escuta um barulho de mastigação que o faz questionar o que seria, mas não imagina que a cena que encontraria fosse tão perturbadora ao ponto de faze-lo gelar da cabeça aos pés.
Ele trava na porta ao avistar sua irmã agachada sobre o corpo de seu sobrinho próximo a janela do quarto. Jace está deitado sobre o carpete marrom, sangue em volta de seu corpo, enquanto a boca de Cleo está em seu pescoço, mastigando a carne.
── Cleo... ── Ele murmura o nome dela tão baixo quando um sussurro.
Um avião sobrevoa o céu, abrindo as cortinas graças ao vento forte que lança graças ao seu voo baixo. A luz adentra pelas vidraças, Cleo ergue seu olhar para o irmão. Lábios cheios de sangue e com gavinhas se contorcendo para fora dele. Ela é um reflexo de Garrett, pálida, olhos injetados e veias saltando. O coração de Sebastian bombeia tão forte em sua caixa torácica que ele pode escutá-lo em seus ouvidos.
Estática envolve sua mente, ele parece entorpecido pela cena, sem saber como reagir. Sua boca está seca, Sebastian não sente mais nada, há não ser um vazio crescente que o devora. Ele encara aquela mulher no quarto e se pergunta quem ela é, pois nada se parece com a irmã que viu nascer e crescer. O ser que o observa não o vê como irmão e parte o coração de Reeves fechar aquela porta para bloquear a passagem dela.
Cleo avançou contra a porta, tentando a todo custo chegar até ele. Enfurecida, incontrolável, ela bate contra madeira, arranha a superfície com as unhas e rosna como um animal do outro lado. Sebastian sente seus olhos úmidos, mas não derrama nenhuma lágrima. Ele mantém sua mão contra a maçaneta, permanece a impedindo de sair, escorado contra a porta e sentindo as batidas dela retumbando em seu corpo conforme se sente cada vez mais oco.
Ele não vai conseguir atirar nela como fez com Garret, ele sabe que não vai ser capaz. Por isso, arrasta a mesa do corredor para fique na frente da porta, sendo um empecilho no caminho apenas para o caso dela conseguir abrir. Nesse meio tempo, Birdia voltou a chorar em seu quarto. Ela havia parado por um tempo porém, quando o avião passou pela janela, a deixou agitada novamente.
Sebastian caminha letárgico até o quarto dela, sentindo o suor começando a escorrer pelo seu rosto. Abre e porta do quarto da menina, encontrando o lugar da mesma forma de antes. O berço no canto esquerdo, o armário no lado oposto, a cômodo e os ursinhos nas prateleiras. Rosa era a cor que adornava a maior parte do lugar, principalmente nas pinturas de flores feitas sobre a parede de cor salmão. Sebastian se recordava do vídeo que Cleo, ainda gravida, havia lhe enviado de Garrett lhe ajudando a pintar aquele quarto.
Ele estava em uma missão na Europa naquele dia, preso em uma casa segura quando tudo deu errado e sua equipe fora pega em uma armadilha. A extração só chegaria na manhã seguinte e ele tinha um homem necessitado de apoio médico dormindo no último quarto vago, enquanto um que não conseguiram salvar permanecia morto na mesa da cozinha. Aquela missão estava levando a melhor sobre ele, deixando sua mente envolta em trevas, sufocando pelas sensações de insuficiência. Sebastian culpava a si mesmo.
Foi justamente no seu pior momento que aquele vídeo chegou no celular que usava apenas para momentos de suma importância. Em meio ao aperto em seu peito, ele sorriu. Apenas ver Cleo feliz era o suficiente para ele, era o que precisava para lutar mais um pouco.
Fechando a porta daquele quarto que guardava tantas lembranças, Reeves caminhou até o berço de madeira onde estava sua sobrinha. Birdie vestia um macacão rosa de botões que cobria todo o seu corpo, menos suas mãos gordinhas que balançavam enquanto ela chorava. Quando seus grandes olhos escuros encontraram os de seu tio, seu choro diminuiu um pouco.
Ao encara-la na penumbra, o homem sentiu um aperto em seu peito. Ele guardou a arma que carregava em suas costas, presa pelos cós de suas calças e o cinto que usava.
Ele nunca havia a segurado em seus braços antes. Sebastian evitou sempre que Cleo tentou fazer com que ele segurasse a sobrinha. Algo dentro dele o impedia, o fazia se sentir indigno de segurar algo tão puro e dócil. Birdie era como um pequeno pássaro indefeso e Sebastian era um homem manchado pelas garras da violência. Ele tinha sangue em suas mãos. O sangue dos amigos que deixou morrer, o sangue dos inimigos que matou, o sangue da família que não proteger. Ele tinha o sangue do pai dela em suas mãos agora.
Sebastian não achava que merecia segurá-la, não achava que ela deveria estar envolta em seus braços que tantas vezes foram usados para a esvair a vida do corpo de outras pessoas. Mas, quando ele a retirou daquele berço e o choro de Birdie cessou, foi como se pedaços quebrados dele começassem a se juntar novamente.
Os olhos dela, tão inocentes e brilhantes, observavam ele com tanta admiração. Sua mãozinha se estendendo na direção do rosto de Sebastian, tentando segurar a bochecha dele. Reeves fechou os olhos, derramando algumas lágrimas enquanto deixava que Birdie alcançasse seu seu rosto.
Ele a embalou, a manteve perto, abracando-a como se fosse tudo que restava ── e ela realmente era. Seu corpo tremeu, suas mãos a mantiveram mais perto, mas também a seguraram com cuidado, com medo de machuca-lá.
Naquele momento, Sebastian fez uma promessa para si mesmo. Ele a protegeria, ele a manteria segura. Não importava como, não importava o que isso lhe custasse. Não estava disposto a perder mais ninguém que amava. Na penumbra daquele quarto, com o cheiro da morte permeando por aquela casa que um dia havia sido um lar, Sebastian Reeves fez aquela promessa para sua sobrinha.
Enquanto do lado de fora, os céus pareciam cair. O caos tomava toda a vida que encontrava e os bombardeios chegavam aos campos. Era de se imaginar que nada mais seria como antes, o mundo que conhecia foi desfeito naquele dia onde perdeu aqueles que amava e deu a si mesmo um dever para cumprir. Por Birdie, ele continuaria lutando.
"Há esperança, só não para nós."
── Franz Kafka.
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