Uma tortura


Amanheceu um dia bonito. Estava ensolarado, com um clima um tanto quente e aconchegante. Todos os cidadãos estavam felizes com aquele belo tempo. Afinal, é como muitos já diziam: após a tempestade, sempre vem o sol.

Já o príncipe não queria sair da cama. Estava exausto. Não fisicamente, mas sim mentalmente. Pensou no Jimin até pegar no sono e quando acordou foi nele a primeira coisa em que pensou. Era apaixonado pelo outro e o dia anterior o afetou de maneiras que nem era capaz de descrever. Ele só queria entender o que o outro estava passando. Por que ele havia ficado daquela forma? O que ele tinha? Não saber o magoava, e o loiro ter recusado a contar o machucou de uma maneira que nem era possível pôr em palavras.

Escutou batidas na porta. É, era o momento em que seu dia começava. Deveres, obrigações, acordos. Teria que voltar para a realidade.

— Príncipe? — Uma jovem serviçal chamou baixo. — Bom dia. Já está na hora de levantar.

— Bom dia. — Resmungou, com a cara enfiada em meu cobertor. Será que poderia pular o café da manhã e ficar mais tempo na cama?

— Alteza, o senhor precisa levantar. — Insistiu — Precisa se alimentar logo, o cardeal irá fazer um pronunciamento em público, na praça da vila. Ele conta com a presença de todos.

Aquilo deu um estalo na cabeça de Jeongguk, fazendo com que ele acordasse rapidamente. Estava tão absorto no assunto "Jimin" que acabou se esquecendo do cardeal. Ainda precisava descobrir o que ele tramava, mas aparentemente já era tarde demais.

Levantou, pondo as vestes adequadas, rumando em direção à sala de jantar, onde estava sendo servido o café. Já previa a merda colossal que deveria estar acontecendo, contudo já não tinha nada o que fazer para modificar. Restava apenas assistir.

— Bom dia — Sua voz rouca ecoou pelo ambiente.

Sentou de frente para sua mãe na mesa, estando ambos ao lado de seu pai, que estava na ponta. A mesa grande estava farta de comidas, porém Jeongguk apenas pegou um bolo. Não estava com fome, e se pensasse no dia anterior seu estômago se embrulharia.

— Vocês sabem sobre o que o cardeal vai falar hoje? — Puxou assunto com seus pais. Acima de tudo eles eram os reis, se tinha alguém que sabia dos planos daquele velho homem da igreja, eram eles.

— Não tenho certeza de nada, meu filho. Mas creio que tem a ver com a tempestade. — Falou o rei, para logo em seguida levar a xícara de café a boca, tomando uma longa golada.

— Ontem ele estava falando sobre ter pego o causador da tempestade. Talvez seja sobre isso — comentou sua mãe, dando pouca importância.

— Mãe, você realmente acredita que a tempestade foi causada por conta de um pecado de uma pessoa?

— Oras, se não foi por isso, por que Deus ficaria tão irritado conosco e nos puniria de maneira tão severa?

Surpreso, era assim que o Jeon mais novo estava. Não conseguia aceitar que sua mãe, uma mulher tão inteligente, acreditava naquela conversa da igreja. Apenas negou com a cabeça, voltando a comer em silêncio.

Dentre todas as coisas, essa era a que mais admirava em Jimin. Ele não acreditava na igreja. Ele sempre buscava a verdade, sempre perguntando o "por que", questionando tudo e procurando provas. Aquilo era encantador, e foi uma das características em que mais se apaixonou.

Pensar nele agora acabava o remetendo a imagem dele chorando de dor no sofá, contorcendo-se. Doía lembrar da cena. Doía pensar na briga. Ele apenas queria um voto de confiança. Apenas isto. Por que o loiro se recusava tanto a contar?

Já estava ficando irritado de tanto pensar no assunto, então resolveu apenas deixá-lo de lado momentaneamente. Não valia a pena se estressar agora, enquanto ainda teria um dia cheio pela frente.

Assim que terminaram de comer, foram em direção a carruagem. Seu caminho até a praça era curto e rápido, mas estava tão ansioso que para si mesmo até demorou mais tempo. Permaneceu quieto o trajeto inteiro, enquanto seus pais conversavam sobre banalidades.

Ele não conseguia ser assim. Tinha medo das ações do cardeal. Ele era um homem sem escrúpulos, almejando o poder e usando como desculpa a fé. O fato dele ter descoberto que alguém pecava — isto dentro dos ideais dele de pecado — e o fato de ter convocado a vila inteira para a maior praça, em sua mente só poderia significar uma coisa: execução.

Recusava-se a acreditar que aquela era a realidade, mas sua mente insistia em dizer que era aquilo.

Suspirou. O dia mal começou e apenas queria que ele acabasse logo.

Assim que chegaram no local, repararam que ele já estava lotado. O barulho estava alto, com várias vozes se mesclando, todas se perguntando o que aconteceria ali.

Lá continha dois "palcos". Um onde ficaria a família real — era possível perceber isso graças aos tronos — e o outro era em formato circular, bem no meio da praça.

Aquilo não trazia um bom pressentimento a Jeongguk, que tentava ignorar o sentimento angustiante que assolava seu peito.

Ao descerem da carruagem, o barulho cessou. Todos os olhos voltaram-se para eles, encarando e julgando. Era possível escutar sussurros, mas era tão baixo que nem dava para entender o que falavam. Até mesmo se desse, o príncipe não se daria ao trabalho de prestar atenção.

Caminharam com tranquilidade até o local onde estavam os tronos. Todos abriam caminho para que passassem, e grande maioria até mesmo se curvava.

Todo aquele respeito era apenas pela coroa que carregava na cabeça, disto ele tinha certeza. Já teve contato suficiente com seus cidadãos para saber o quão mal educados a maioria era.

Sentou em seu trono, que ficava ao lado de sua mãe. Dali era possível enxergar quase todos, e acabou não se controlando, buscando Jimin com os olhos.

Procurava apenas pelo cabelo loiro. Naquela multidão de cabelos castanhos, os fios claros se destacariam. E ele estava completamente certo. O achou não muito distante do palco principal, conversando com um jovem que estava ao seu lado.

Mesmo que negasse, a verdade era que sentiu ciúmes. Queria poder chegar no loiro, o abraçar pela cintura e apresentar-se para o outro como seu namorado. Contudo não podia. Dois homens eram estritamente proibidos pela igreja, sem falar no fato dele ser o futuro rei. Não poderia se envolver com seus súditos. Apertou os lábios, tentando descontar sua frustração de alguma forma.

Aqueles pensamentos o fazia querer chorar. Era tão triste ver todos sendo felizes, e ele mesmo não poder fazer nada por sua alegria.

Sua atenção foi atraída pelo barulho de uma outra carruagem chegando. Era o cardeal. O "espetáculo" iria começar, e não se sentia nem um pouco ansioso.

Logo o velho homem subiu no palco, se preparando para explicar o porquê daquilo tudo.

— Bom dia. — Começou, e Jeongguk já queria sair correndo — Todos vocês puderam presenciar a ira de Deus ontem. Casas inundadas, árvores derrubadas, vegetações devastadas. Deus estava furioso conosco! — todo aquele discurso o fazia revirar os olhos. Tantas bobagens sendo ditas. Inacreditável.

Olhou para Jimin, o encontrando fazendo uma careta de extremo desgosto. Sentiu-se orgulhoso pela inteligência de seu namorado — ele ainda podia chama-lo assim?

— Tudo isso foi causado por apenas uma única pessoa! — continuou a berrar, e o moreno somente não conseguia entender como um idoso conseguia ter tanto fôlego — Uma pessoa desrespeitou as regras de Deus, uma pessoa foi negligente com o nosso bondoso Senhor! — a população começava a ficar revolta. Começavam a concordar, falando xingamentos — Essa pessoa entregou-se a Lúcifer. Cultuava coisas proibidas por Deus! Fazia poções, feitiços! E não foi somente isso. Ele também deitava-se com homens! — foi possível escutar ovações vindo população.

Naquele momento, o jovem Jeon apenas conseguiu olhar desesperado para Jimin. Será que haviam o descoberto? Era impossível — pelo menos gostava de pensar assim. Contudo a descrição batia com o loirinho. Quando achou o outro, viu que o outro também lhe encarava com olhos arregalados. Era possível ver o desespero em seu olhar, e mesmo que o príncipe também estivesse igualmente desesperado, tentou transmitir calma e segurança para o outro.

— Ele estava pecando no meio de nós este tempo todo! — Sua atenção voltou-se ao velho que ainda falava — E aqui está ele. Guardas, tragam-o!

Nesse momento o coração do príncipe falhou uma batida. Procurou desesperadamente Jimin, querendo ver se alguém tinha o pego, e não havia palavras para descrever o alívio que preencheu seu corpo quando o achou.

Porém esse alívio não durou muito.

Um jovem homem era arrastado para o palco. Suas roupas estavam rasgadas, com algumas manchas de sangue em alguns locais. Demorou um tempo até que reconhecesse quem era, mas quando conseguiu quis não ter o feito. Era um funcionário do castelo, um amigo seu.

Ele se encarregava de cozinhar, e era uma das pessoas mais doces que algum dia já pode conhecer. Seokjin era um dos únicos que se preocupava de verdade consigo, um dos únicos amigos verdadeiros. Queria chorar, berrar que havia algum engano, mas não podia. Tanto pelo fato de o cardeal realmente ter mais poder que si, quanto pelo fato de estar paralisado, em choque. Qualquer ação que tomasse, todos os cidadãos virariam-se contra si, e no final ele apenas faria companhia ao amigo.

Ele foi jogado no palco como se fosse lixo. Para os outros, ele era de verdade um lixo.

— Foi graças a ele que Deus ficou furioso conosco!

Era possível escutar xingamentos sendo berrados, enquanto lágrimas escorriam pela face de Jin.

Pouco tempo depois, uma figura de vestes pretas subiu no palco. Até mesmo seu rosto estava coberto, não deixando identificar a pessoa. Assim que Jeongguk percebeu quem era, quis berrar, levantar dali e tirar o amigo do palco.

— Fique quieto, meu filho — sussurrou sua mãe para si, ao perceber o quão inquieto estava — eu também odeio essas execuções públicas, mas não podemos fazer nada quanto a isso.

Execução? Aquela palavra refletia em sua cabeça, o deixando momentaneamente tonto. Eles não iriam executar Seokjin, iriam? Céus, não podiam fazer isso!

Paralisou no trono, mal sabia mais como se respira. Apenas tinha seus olhos focados no palco, vendo a figura encapuzada amarrar seu amigo em um poste de madeira, isso após tirar sua camisa, deixando suas costas expostas para todos.

Assistiu o ser de preto tirar de dentro de suas vestes um chicote. E assim iniciou-se a tortura.

Parecia que cada golpe era em si. Cada berro de Jin parecia ser seu. Observava o sangue escorrer de cada ferida, e sentia como se estivesse morrendo por dentro.

Aquilo permaneceu por um tempo incontável. Talvez tenha sido rápido, talvez tenha durado longas horas. Mas aquele foi o momento mais doloroso de toda a vida de Jeongguk.

Somente cessou quando o cardeal levantou o braço, em um sinal para parar.

— Isto é o que acontece com aqueles que descumprem a ordem de Deus. Eu fui misericordioso! Era para ele estar ardendo em chamas agora, mas meu bondoso coração não deixou que isso ocorresse — Fez uma pausa, e foi possível escutar pessoas berrando diversas coisas, e entre elas estavam "queima ele" ou "o cardeal é um homem bom". Até mesmo coisas como "ele não merece misericórdia".

Aquilo abismou o moreno. Como aquelas pessoas podiam dizer serem seguidoras de Deus, alguém que apenas falava sobre amor. Como podiam usar o nome de Deus para fazer tantas maldades e desejar a morte de alguém? Em nenhuma perspectiva aquilo fazia sentido. Porém, ao observar ao redor, viu que era somente uma parcela da população que pensava assim. Muitas pessoas tinham lágrimas nos olhos, ou observavam tudo com desgosto e tristeza.

— Da próxima vez que alguém fizer a ira de Deus voltar-se para nós, nem o melhor dos corações será capaz de impedir a execução.

Após aquilo, o cardeal desceu do palco, voltando a sua carruagem. Desamarram Seokjin, deixando seu corpo cair duramente. Muito provavelmente ele já estava desmaiado. Guardas pegaram o seu corpo como se ele tivesse cometido o pior dos crimes, o carregando para fora dali, com um destino que Jeongguk nem imaginava.

A população começou a de dispersar, porém o moreno ainda não era capaz de se mexer. Estava em choque, não conseguia acreditar que tudo aquilo havia ocorrido.

Desesperado, procurou os olhos do Jimin. Somente ele era capaz de o acalmar e dar o conforto que precisava. E assim que achou os lindos olhos do outro, seu coração conseguiu acalmar — pelo menos um pouco.

E ali, naquela simples troca de olhares, conseguiram transmitir uma mensagem.

Precisamos conversar.

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