CAPÍTULO 01
Meus pais mais uma vez estavam me deixando para trás em casa enquanto viviam seus dias de trabalho em Londres.
Papai ainda me perguntou se não era do meu desejo ir com eles mas neguei ao lembrar que eu teria a casa somente para mim se eles se fossem, então como um bom filho, me despedi de ambos sorrindo na entrada e logo que papai acenou fechei a porta.
— Então, o que farei? — perguntei a mim mesmo andando de um lado para o outro.
Passei pelo quarto dos meus pais no corredor e algo curioso me veio à mente. Adentrei o cômodo olhando diretamente para o grande guarda roupa em cor marrom e detalhes floridos talhados cuidadosamente.
Olhei para os lados como se quisesse ter a certeza de que estava sozinho em casa e ao estudar bem o silêncio, atentei-me ao fato de que o único som que se fazia presente era o de minha respiração.
Abri o guarda roupa com extremo cuidado, encontrando os objetos que me intrigavam junto à aqueles acima da penteadeira.
Peguei os vestidos de minha mãe que chamavam minha atenção e escolhi um para o vestir, após, passei também sua maquiagem de forma cuidadosa e detalhada como já havia visto mamãe fazer.
Arrumei os cabelos e coloquei um chapéu daqueles que mamãe adorava usar e me olhei no espelho me encantando comigo mesmo.
Em cima da penteadeira, abri a caixa de jóias e peguei alguns anéis os colocando nos dedos desfilando pelo quarto como uma mulher muito atrativa.
Olhei-me no grande espelho e percebi que faltava algo então abri a sapateira e peguei um dos saltos baixos e retornei para a frente do espelho.
Agora sim me sentia bonito e completo até ouvir um barulho estranho e suspeito vindo do início da casa.
Meio relutante se deveria ou não ir até o local de onde o som havia surgido, tive coragem para pegar uma vassoura e ir lentamente até a cozinha.
Me deparei com alguém de costas em cima do balcão mexendo nos armários enquanto um pote vazio estava caído no chão.
— Quem é você? — perguntei o assustando. — Como conseguiu entrar aqui?
— Ah... — enquanto o garoto descia do móvel seu olhar estava na vassoura em minhas mãos, ela estava o amedrontando e ao perceber isso a deixei de lado vendo-o respirar profundamente. — Eu... pensei que não havia ninguém na casa pois vi quando um carro partiu.
— Eram meus pais, mas ainda sim, como você... — meus olhos pararam na janela aberta da cozinha. Claro, nunca pensei que alguém pudesse entrar por ali, mas agora esse seria um bom ponto de observação e cuidado de minha parte. — O que estava fazendo?
— Eu estava procurando algo pra comer — reparei em seu corpo e forma de se vestir, suas roupas estavam desmazeladas com furos e rasgões, seu rosto sujo era o que mais chamava atenção.
Num suspiro compreensivo, caminhei até próximo a um dos armários e abri o mesmo pegando o pote de biscoitos e coloquei sobre a mesa.
Abri a geladeira pegando o jarro de leite e servi um copo a ele cujo observava cada ação minha relutante com as costas ainda encostadas no balcão de antes.
— Vem, pode comer. Não vou te machucar. Prometo — me sentei na cadeira ao lado observando-o cuidadosamente após retirar o chapéu da cabeça e colocá-lo também sobre a mesa.
Após analisar meu rosto por completo ele sentou-se na cadeira a afastando um pouco mantendo-se distante de mim, acho que por medo que eu fizesse alguma coisa.
Isso me intrigou, pois claramente ele era mais alto e mais forte que eu.
Observei a forma como ele comia apressadamente, saboreando os simples biscoitos enquanto eu não tirava meus olhos dele, achei-o interessante.
Não evitei sorrir ao ver como o garoto limpava a boca com as costas da mão. Mamãe me dizia que isso era falta de educação, mas eu não o repreendi. Queria conquistar sua confiança.
Passados alguns segundos ele me olhou de um jeito esquisito me analisando por completo, depois perguntou:
— Você é um garoto certo? — assenti. — Então por que está vestido como uma garota?
— Hã, eu não sei direito. Apenas gosto de me vestir assim — respondi olhando para meus dedos sobre a mesa.
Por que me sentia nervoso?
— Você queria ser uma garota?
— Bem... Eu não sei direito, acho que sim.
— Mas sabe que não pode, não é?
— Sei. Eu só... — parei para pensar na resposta perfeita mas ao invés disso, questionamentos vieram à minha mente, como por exemplo: por que estou falando sobre meus desejos particulares a um estranho?
— Onde foram os seus pais? — o garoto mudou de assunto ao ver que eu não sabia responder.
— Eles foram trabalhar em Londres.
— Eu moro lá — acenei meio duvidoso.
— O que um garoto da cidade faz aqui?
— Bem...
Sorri e ele franziu o cenho sem entender minha atitude.
— Não sou somente eu que não tem respostas para todas as perguntas do mundo — riu concordando.
— Mas disso você sabe, como é o seu nome?
— Winter. Me chamo Winter.
— Como inverno em inglês? — seu tom de voz soou curioso.
— Isso, e o seu?
— Eu tenho muitos nomes, mas pode me chamar como quiser.
— Acho que... você tem cara de James — assentiu sorrindo de lábios fechados.
— Então eu me chamo James — sorri de forma confortável.
Logo uma curiosidade me despertou.
— E você? Onde estão seus pais?
— Eu não tenho pais.
— Como não? Todo mundo tem pais.
— É, mas eu não tive o prazer de conhecer os meus — ele brincava com um biscoito enquanto falava olhando para o leite no copo. — Seus pais são legais?
— São, sim. Quero dizer, eles são incríveis!
Mesmo sem conhecê-lo, me senti triste quando disse não ter pais. Afinal, são eles quem cuidam de nós quando somos crianças e nos dão nomes também, então não temos que nos preocupar em sempre mudar de nome.
— Você estava rouban... — não. — Querendo comida por quê? Podia simplesmente ter batido na porta e me pedido.
— Nem todo mundo tem uma reação como a sua quando o assunto sou eu.
— Você... — não tive coragem para terminar a frase e perguntar se ele era um saqueador, então pensei em algo rapidamente: — Quer tomar um banho? Também posso te dar algumas roupas e comida.
— Sério? — perguntou entusiasmado, me levantei pegando o copo vazio e o colocando na pia respondendo que sim.
O levei para o banheiro lhe entregando uma toalha.
— Uma pergunta: como se usa aquilo? — apontou para a banheira.
Caminhei até a mesma ligando a água e colocando sabão, após isso fui até ele dizendo que estaria pegando roupas, o mesmo assentiu e o deixei tomar banho.
Fui para meu quarto separando uma das recentes roupas compradas por minha mãe quando fomos à Itália.
As roupas ficavam um pouco grandes em mim então deduzi que ficariam muito bem em... James.
Só me preocupou os sapatos pois meus pés eram pequenos como os de uma garota, o que me fazia gostar bastante deles, mas os pés de James eram evidentemente grandes como os de um garoto.
— Bem — retornei para o quarto dos meus pais e peguei o par de sapatos de menor número do papai.
Pronto.
Fui à cozinha pegar alguns sanduíches que mamãe havia feito e os coloquei numa bolsa para James.
Ao me virar para retornar ao quarto, ele estava parado no vão da porta me analisando com um sorriso singelo nos lábios enquanto a toalha lhe rodeava a cintura.
O tom do cabelo totalmente castanho, diferente do meu preto, agora se encontrava limpo e brilhoso. Estavam meio caídos sobre os olhos. Seu rosto se encontrava totalmente limpo, diferente do garoto sujo de antes.
— E-eu separei roupas para você e as coloquei no meu quarto. Vem, eu te levo lá — juntei nossas mãos o puxando para me seguir.
Após levá-lo, deixei o cômodo permitindo que se trocasse, estranhamente minhas bochechas se encontravam ardendo.
Após algum tempo, o garoto abriu a porta com as roupas que como supus ficaram perfeitas em seu corpo.
Fiquei sem graça por ter ficado analisando-o sentindo que ele fazia o mesmo comigo.
— Hã... vamos para a-a cozinha.
James me seguiu e só então parei para prestar atenção em seu tamanho, que denunciava ser uns cinco centímetros maior que eu.
Enquanto ele comia um dos sanduíches, reparei no verde dos seus olhos, imaginando que com os feixes de luz eles com certeza se tornavam claros.
— Por que está me encarando? — perguntou me tirando do transe de ficar observando-o.
— Ah! Desculpe, eu não percebi — uma curiosidade me veio novamente à mente. — Você disse que mora em Londres, o que está fazendo por aqui?
Me sentei na cadeira à frente da sua apenas para poder olhá-lo por mais tempo.
— Bem, apesar de morar em Londres, eu estou sempre por aqui. Gosto do verde das árvores e do ar puro que tem aqui, a cidade é um lugar sujo.
— Entendo — assenti querendo fazer mais perguntas, porém isso seria falta de educação.
Me levantei indo até a sala olhando as horas, verificando que tinha quase uma hora que ele estava aqui.
— Você consegue ver as horas aí? — seu tom de voz doce e curioso me fez assustar por segundos em meio ao devaneio, mas disfarcei. — Você já foi a cidade?
— Não. Quero dizer, eu já passei por lá, mas não é a mesma coisa — ele assentiu lentamente.
— Há um relógio gigante em um lugar de Londres, e ele é bem bonito. Eu já fui lá algumas vezes, muitas pessoas de fora da cidade vão vê-lo.
— Deve ser mesmo bonito — falei tentando imaginar a cena.
— Bem, eu achava que ele fosse a coisa mais bonita que eu já vi na vida, mas me enganei — tirei a atenção do relógio e fitei seu rosto pronto para perguntar o que seria essa outra coisa. — Tenho que ir — anunciou baixo de cabeça baixa.
Eu queria que ele pudesse ficar, queria perguntar se não podia ficar mas... Eu tinha acabado de conhecê-lo, e ele provavelmente me acharia mais estranho do que já devia aparentar ser por me vestir como uma garota.
— Entendo — forcei um sorriso.
Após o garoto pegar a cesta com comida o levei até a porta lembrando ligeiramente dos sapatos.
— Acabei de me lembrar que esqueci de te entregar os sapatos!
Quando eu estava para me virar a fim de pegá-los, ele me fez olhar em sua direção. Nossos rostos se encontravam bem próximos enquanto suas mãos estavam sobre meus ombros e seu olhar era analítico.
— Me entregue na próxima vez que eu vier aqui — disse baixo novamente como se sentisse envergonhado por me dizer isso, ou talvez, fosse da personalidade dele mesmo.
Não saberia dizer.
— Então você vai voltar? — perguntei quando já estava à alguns metros de distância.
James apenas sorriu assentindo.
Um sorriso feliz se formou em meu rosto.
Acho que fiz uma amizade.
Fechei a porta e passei pelo espelho, mas voltei alguns passos para trás quando me dei conta de que ele refletia uma linda e pequena garota de olhos azuis esmeralda, de lábios naturalmente vermelhos e bochechas rosadas.
O reflexo também me fez lembrar que eu tinha que me trocar antes que meus pais chegassem.
Quando ambos chegaram no fim da tarde eu estava tentando ler um livro que papai havia me dado de presente.
Eles me contaram um pouco de como foi seu dia e questionaram-me sobre o meu a resposta, foi a mais simples que eu poderia dar:
— Legal — sorri olhando para a janela esperando que a volta de James não demorasse muito.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top