Parte IV
POV Sebastian - Plástico Bolha
O vento frio que soprava e chicoteava meu focinho era cortante. As temperaturas haviam caído drasticamente desde que anoitecera e se eu fosse um humano normal, não estaria resistindo a essas condições climatéricas. Esse pensamento me preocupou. Em que condições estaria essa tal de Evelyn quando eu a encontrasse?
Se eu a encontrasse...
A preocupação tomou conta de mim e a raiva que antes sentira por essa garota começava se dissipando. Ela era um ser humano como outro qualquer, que nesse momento estava precisando da minha ajuda.
Além do que Cassie tinha razão. Eu não podia culpar Evelyn da dor de minha esposa sem saber os motivos, e nem julgá-la sem conhecê-la primeiro. E esse era um facto. Desde que chegara ainda não a vira. As típicas fotos de família, que deviam de haver pela casa, eram inexistentes e Cassie nunca me havia falado da existência de uma irmã. O que só baralhava mais minha cabeça. Que segredos Cassidy estava escondendo de mim?
Abanei o focinho afastando os pensamentos e perguntas que só ela me poderia responder. Precisava me concentrar ao máximo. Apurei meus sentidos lupinos. Minha visão nada via para além de mato e árvores. Meu olfato só captava o cheiro de pinheiro e eucalipto. E meus ouvidos escutavam o corujar do mocho, o cricri dos grilos e o relinchar de um cavalo.
Cavalo? Pensei. Um cavalo solto por essas bandas só pode indicar que estou perto. Concluí acelerando a corrida, cravando as unhas no solo e fazendo sulcos de terra, grama e pó voarem pelo ar.
Meus olhos tentavam sincronizar com o que eu ouvia, me encaminhando na direção certa. Em menos de cinco minutos estava alcançando o animal. Este se assustou com a minha presença e em um gesto defensivo começou recuando e erguendo as patas dianteiras, para tentar ficar maior que eu. Olhei no fundo dos olhos dele, de forma ameaçadora, mas respeitadora também. Ele tinha de perceber que eu não o iria atacar, mas que também não iria recuar por medo.
Segundos se passaram quando o cavalo parou de erguer as patas e de recuar, se ficando apenas pelos relinchos, que iam diminuindo de volume. Ele estava confiante, mas não gostava de 'dar o braço a torcer', figurativamente falando.
Depois que se acalmou, comecei recuando devagar, até chegar em uns arbustos altos para me destransformar. Senti um fogo percorrer o meu dorso e a sensação de meu corpo se contraindo e diminuindo até a forma humana. Desfiz o nó das roupas que havia feito no tornozelo e vesti rapidamente apenas minhas calças.
Caminhei de volta até o cavalo, lentamente, sempre olhando em seus olhos mel, em contraste com seu pelo escuro. Era o animal mais lindo que alguma vez havia visto. Uma beleza selvagem e fora do normal. O animal relinchou estranhando minha nova forma, mas havia me reconhecido.
-Ei, onde ela está? – Questionei em um quase sussurro.
O cavalo tornou a relinchar e recuou para trás, me dando uma visão privilegiada da lagoa, que só agora me havia apercebido que existia. A princípio não entendera o que ele estava tentando me mostrar, mas quando avistei o pequeno barco a remos entendi de imediato.
Não hesitei em despir as calças jeans em um ápice e me atirar nas águas geladas, nadando apressado. Quando alcancei o barco me empoleirei sobre ele para ver o estado da garota. Esta estava inconsciente e, se não estivesse tremendo de frio, diria que estava morta. Seu rosto pálido, os lábios roxos e o coração mal batia.
Então ela começou se debatendo, como se lutasse contra algo invisível. Talvez sonhando. Estiquei meu braço e toquei em seu ombro a abanando de leve. Ela abriu seus olhos verdes em um fraca fresta, como se ela realmente não me estivesse vendo, e uma enorme vontade de protegê-la e cuidar dela me acometeu.
-Vai ficar tudo bem. – Murmurei acariciando seus longos cabelos ondulados, com mechas mescladas de vários tons de castanho. Desde o mais claro ao mais escuro.
Apesar de estar em um meio-termo entre a consciência e a inconsciência, ela me escutou e se acalmou. Busquei pela corda do barco e o envolvi em uma espiral em torno do meu braço, nadando de volta até o dique. Prendi a corda num dos cabos de madeira do dique e subi na passadeira, retirando Evelyn do barco com todo o cuidado. Ela estava muito sossegada, sossegada demais, e o som de seu coração era fraco, quase como um sopro do vento.
-Eu preciso aquecê-la. – Falei para mim, a pegando no colo e envolvendo seu corpo contra o meu, desnudo.
Aos poucos as tremedeiras diminuíram e o coração começou batendo mais forte, mas ainda não o suficiente. Me ergui do chão a carregando em meu colo e caminhando na direção do cavalo.
-Você pode me ajudar aqui? – Pedi olhando nos olhos dele.
O cavalo, entendendo meu pedido, fez uma curveta, se deitando no chão em seguida, me permitindo colocar Evelyn sobre a sela. Desfiz o nó das rédeas e depois me virei para ele.
-Me espere que eu só vou vestir minhas roupas. – Pedi e ele permaneceu deitado sobre as patas enquanto eu completava a ação.
Em seguida subi na garupa, ajeitando Evelyn em meus braços, e bati com as esporas do estribo no lombo, o fazendo se erguer e começar a trotar. Aconcheguei melhor Evelyn em meus braços, a mantendo quente e incitando o cavalo a galopar quando bati as rédeas em seu dorso.
Em cerca de uma hora de viagem chegamos a casa. Tessa e Cassie correram até nós, me ajudando a descer Evelyn do cavalo.
Depois de desmontar foi tudo muito rápido. Ele fugiu para longe, a galope, sem que eu o pudesse apanhar. Mas por hora não me preocupei com isso. Carreguei Evelyn para dentro, subindo em direção ao quarto de Cassie.
-Precisamos aquecê-la. – Alertei e Cassie se colocou na cama, estendendo os braços, me pedindo a irmã de volta.
O desespero em seu rosto era cortante e quando teve Evelyn em seus braços foi como se estivesse acordando de um pesadelo. Cassie embalava a irmã como se ela fosse um pequeno bebê, frágil e indefeso.
De repente a garota tornou a se debater e começou a chorar.
-Não, não! Cassie não! NÃO! – Gritou abrindo os olhos por fim.
-Calma, shhhhuuu. Foi só um mau sonho. Eu estou aqui. – Minha esposa a acalmou, controlando suas lágrimas e continuando a embalá-la.
Evelyn se abraçou forte à irmã, chorando copiosamente. Aos poucos ia se acalmando e então seus olhos se encontraram com os meus e de novo aquela sensação de proteção para com ela me assaltou. Como se o dever de cuidar dela e de proteger ela fossem maior que tudo o resto.
Tessa surgiu no quarto com um punhado incontável de comprimidos e os deu todos a Cassie.
-Eu não quero! Eu não quero tomar! – Evelyn se recusava.
-Não vamos discutir esse assunto, Eve! – Cassie respingou, estendendo o punhado de comprimidos e o copo com água.
A garota os tomou a contragosto, me olhando de relance uma última vez. Eu me ergui do meu canto e saí do quarto, caminhando até um banheiro.
Precisava de uma ducha quente. Urgentemente!
POV Evelyn - Garota do coração partido
-Agora você devia tomar um banho e depois comer alguma coisa. – Cassie me falava mas eu pouco prestava atenção.
Me focava apenas no anjo que havia saído há pouco mais de um minuto. Ele parecia incomodado com algo...comigo.
O jeito que ele me olhava era um misto de raiva e preocupação que eu não conseguia bem entender. Como se ele tivesse vontade de me desprezar mas algo mais forte o compelisse a se preocupar comigo.Algo inexplicável.
Ou talvez não. Talvez ele sentisse pena de mim e isso o obrigasse, moralmente, a se sentir preocupado. Mas porque razão ele sentiria raiva de mim? Foi alguma coisa que eu fiz? Algo que eu disse? Nós mal nos conhecemos!
Não. Simplesmente sou eu. Eu sou o problema. Essa é a razão de tudo.
-Evelyn! Você está me escutando? – Cassidy me chamou a atenção e eu assenti em silêncio a olhando de relance. – Coma esse prato de guisado que a Tessa acabou de trazer. - Ela suspirou me estendendo um tabuleiro com um apetitoso jantar.
Mas por mais gostoso que me parecesse, eu não tinha vontade alguma de o comer. Meu estômago estava embrulhado. Só que sabendo bem como minha irmã era, preferi comer o prato por minha própria vontade.
Ao fim de umas sete garfadas eu empurrei o prato e fiz uma careta, passando a mão na barriga, insinuando que estava satisfeita.
Cassie não insistiu e saiu em seguida com o tabuleiro, me deixando sozinha no quarto. Olhei em volta e notei um porta-retratos no criado mudo do outro lado da cama. Me deitei sobre ela e estiquei o braço, alcançando o retrato e olhando para ele como se mais nada em minha volta existisse, sentindo uma pontada anormal no peito.
O olhar de ambos era tão apaixonado que chegava a doer. E a felicidade de estarem juntos...não podia ser mais explícita. Era invejável o relacionamento de ambos e eu me sentia uma intrusa perto dos dois.
-Desculpe não ter convidado você. – Cassie lamentou me olhando do batente da porta. Eu apenas lhe sorri.
-Tessa já deve ter preparado meu banho. – Desviei de assunto, pousando o retrato no criado mudo e saindo da cama para voltar para o meu quarto.
Cassie me acompanhou em silêncio. Subimos as escadas para o sótão e entramos em meu quarto, onde a um canto estava uma enorme banheira redonda, feita de madeira, como as da idade média.
Eu tinha um enorme apreço por aquela banheira, que pertencera um dia a uma tatara-tatara avó minha, que havia sido amante de um rei que eu nem decorei o nome.
Sempre que eu tomava banho naquela banheira, Tessa fervia litros de água perfumada com pétalas de rosas, alfazema e eucalipto, e depois me banhava, como se fazia antigamente. Nessas alturas eu me sentia amada, querida...me sentia uma princesa.
Cassie me ajudou a despir minha roupa e a entrar na enorme bacia e se sentou na borda para me banhar. Pegou na jarra de porcelana e a encheu de água, a despejando sobre mim em seguida.
-Lembra quando eu te banhava quando você era pequena? – Ela questionou com um sorriso saudoso.
-Uhum. – Assenti sem vontade alguma de recordar o passado.
-Você só gostava que eu te banhasse. Nem mamãe nem Tessa o podiam fazer. – Riu de suas lembranças me fazendo engolir em seco. – Você odiava esse sótão. Sempre teve medo de subir aqui e agora ele é o seu lugar preferido. – Comentou casualmente, me fazendo apertar os punhos e cravar as unhas na carne das pernas.
-Pare. Por. Favor. - Pedi em um sussurro, comprimindo os olhos por breves segundos e inspirando fundo, sentindo meu peito se corroer pela dor das recordações.
-Me perdoe. Eu sei que ainda lhe custa falar sobre nossos pais... - Ela interrompeu seu discurso, tornando a me banhar depois de ter feito o processo automático de me ensaboar com sabão de aloé vera enquanto tagarelava.
Eu queria gritar, dizer que ela não sabia de nada do que eu sentia. Que ela não estava cá, nem nunca esteve! Que ela não passou tudo o que eu passei! Ela dizia que lamentava, mas ela não sabia o quanto EU lamentava por ela não ter estado cá e sentido na pele o que eu senti.
Respirei fundo afastando esses pensamentos maldosos e desejos que eu não devia de querer nem para o meu pior inimigo.
-Me deixe só. – Pedi, a fazendo parar suas ações.
Cassie hesitou em sair, mas poucos minutos depois se encaminhou para a saída, parando na porta.
-Me perdoe por ser uma má irmã. – Murmurou, quase para si só, e eu fingi nem escutar, esperando apenas que ela saísse de uma vez.
Seus lamentos me eram indiferentes pois ela sempre teria algo bom para recordar em sua vida. Seu passado, seu presente, seu futuro e, principalmente, seu marido. O meu anjo.
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