Capítulo Vinte e Sete
Voltar para o quarto, com um Nicholas completamente alegre e talvez um pouco bêbado foi realmente divertido. Após ele dormir, eu ainda me encontrava extremamente desperta ― nem todo o esforço físico que ele havia me causado naquelas duas horas antes de pegar no sono foram capazes de cansar minha mente. Talvez fosse estresse pré-nupcial ou talvez algo muito maior que tudo isso. A gravidez, a entrada para a Seita, o casamento e a batalha por vir ― outra coisa a qual eu ainda não havia conversado com meu noivo ― estavam começando a me deixar histérica.
Acabei decidindo arrumar a bagunça que tínhamos feito já que não era capaz de dormir. Guardei nossas roupas e sapatos e resolvi colocas as novas joias no porta-joias que havia pertencido a minha mãe.
No entanto, ele me parecia ligeiramente diferente agora. Os adornos pareciam ainda mais proeminentes, mas o rubi da tampa, em especial, parecia pulsar clamando pelo meu toque. Quase hipnotizada, encostei nele levemente e o senti afundar sob meu dedo, as linhas entre os relevos queimando em escarlate.
Ao abri-lo, um pequeno objeto metálico no fundo da caixa me chamou a atenção. Uma chave. A peguei com cuidado. Eu a reconhecia. Um flashback rápido passou em minha mente, me lembrava de encontrá-la na casa de meus pais adotivos em Maryland. Então, havia sido ali que Nicholas a havia escondido?
Soltei-a por reflexo e ela bateu no chão com um estalo. No mesmo instante, me abaixei para pegá-la.
Antes que eu percebesse, estava correndo por entre corredores e portas infindáveis. Passei pela cozinha e o cheiro do alimento do café da manhã sendo preparado me deu fome.
Corri, corri, corri, corri por dias e por noites, por invernos e verões e então eu encontrei.
Encontrei a última das salas.
Encontrei o que estava destinada a encontrar desde que havia nascido.
Encontrei o porão da minha mãe.
Josephine chegou logo depois de mim, completamente ofegante.
― Por que diabos ― arfou ― você está ― ela ofegou novamente, as mãos nos joelhos tentando recuperar o fôlego ―correndo como uma louca?
― Por que você está acordada? ― Devolvi no mesmo tom.
Ela corou e me perguntei se tinha algo a ver com Daniel. Balançando a cabeça me concentrei no que era realmente importante. A grande porta de madeira coberta de arabescos metálicos. Ela acompanhou meu olhar com as sobrancelhas franzidas.
― Eu não a conheci, você sabe ― comentou delicadamente. ― Eu e Johanna, diferente de Abigail, não morávamos aqui quando crianças, mas dizem que ela ficava em uma das salas do porão. A sala que não tinha fechadura. ― Ela comprimiu os lábios olhando novamente para o portal que tinha, sim, uma fechadura logo abaixo da maçaneta ― ou pelo menos não deveria ter.
Engoli em seco.
― Eu tenho uma chave ― declarei, mostrando a ela o objeto prateado preso pelos dedos molhados de nervoso.
― Deveríamos entrar, então? ― perguntou receosa, as mãos ossudas puxando o robe azul mais apertado.
― Tecnicamente, tudo que pertencia a ela é minha herança, inclusive esse quarto ― a encarei.
― No entanto, parece errado ― suspirou.
― É como se estivéssemos profanando, invadindo o lugar de alguém que não pode nos impedir.
Ela acenou.
― Não vamos fazer isso durar mais do que o necessário. Apenas abra a porta, Luna. Foi para isso que veio aqui, não é?
E assim eu fiz.
A sala estava limpa e arrumada, como se alguém a visitasse e limpasse com frequência, quando, na verdade, estava abandonada há quase vinte anos.
Dei alguns passos, com cuidado na escuridão, respirando fundo e ficando surpresa por aquele lugar velho ter um cheiro bom, como... Sálvia. Josephine adentrou o quarto de forma estranha e deu um berro quando um bicho pequeno e peludo passou correndo por entre suas pernas. Um gato preto de belos olhos verdes, foi direto para a porta nos deixando ali como um mal presságio.
― Eu sabia! ― berrou estridente. ― Sabia que esse bicho se escondia em algum lugar.
― Josephine ― pedi ― silêncio, por favor.
O lugar era enorme, tinha uma estante alta, cheia de livros ― sem um grão de poeira, notei ― uma mesa no centro cheia de velas e cristais, mais ao canto um divã, uma poltrona e uma pequena mesa de centro com um conjunto de chá completo.
Havia uma escrivaninha debaixo de uma pequena janela com um livro grosso em cima e outros dois menores abertos ao redor, na ponta da mesa uma ampulheta cujo areia caia em fluxo constante, mas faltava pouco para se extinguir. A visão daquilo, em específico, me perturbou mais do que qualquer outro item presente naquele quarto.
― Esse era o grimório dela ― confidenciou Josephine quebrando meu torpor, apontando para o livro grande no centro ― aquele que ela usou como desculpa no dia de sua morte.
Olhei distraidamente os títulos dos outros dois Livro das Sombras e Livro dos Sonhos, mas foi ao tocar o velho livro, que estava quente como se tivesse acabado de ter sido lido, que senti um estalo e o puxei contra o meu peito, decidida a lê-lo e encontrar qualquer ― por menor que fosse ― ligação com aquela mulher de quem todos falavam tão mal.
Josephine deve ter percebido que aquela visita não estava me fazendo bem, pois se pronunciou:
― Vamos embora, Luna. Você tem algo muito importante para fazer logo cedo ― suspirou a loira ainda da porta. ― O quarto não vai fugir, ainda estará aqui depois de amanhã e você terá anos para vir aqui. Tire essa noite para você, vá descansar ― completou, me dando um sorriso terno.
― Você tem razão ― sorri de volta, um sorriso que não atingiu, nem de longe, os olhos. ― É o melhor para nós duas.
Conforme subíamos o corredor, eu segurando o livro grosso apertado junto ao peito, ela que estava com as mãos entrelaçadas, pareceu tomar uma decisão.
― Luna? ― Chamou parecendo nervosa.
― Sim? ― Respondi distraidamente.
― Como você se sente?
A encarei com as sobrancelhas franzidas.
― O que você quer dizer? ― Devolvi.
― Como você se sente a respeito da gravidez, do casamento, de tudo ― soltou de uma só vez.
Inclinei a cabeça, avaliando a pergunta. Josephine era estranha, mas naquele momento parecia ainda mais. Ela estava séria ― algo que não lhe era comum ― e parecia estar guardando um segredo muito importante.
― Josephine ― falei calmamente. ― Aonde você realmente quer chegar?
Ela entrou em conflito por um segundo antes de tomar a decisão e eu quase podia ouvir seu coração disparado.
― Eu estou grávida. De mais tempo que você. E eu estou completamente apavorada ― confessou de uma vez só, os olhos enchendo de lágrimas.
― Mas por quê? ― Questionei. ― Essa é uma notícia feliz!
― Eu não tenho uma amiga real, Luna, para dividir esse fardo comigo. Estou noiva do ex da minha irmã. Não sou capaz de saber se ele está comigo porque gosta de mim ou porque sou fisicamente parecida com ela. Eu estou com medo de ficar feliz com isso, só para ter tudo tirado de mim em minuto ― desatou a chorar e eu parei ao seu lado, tocando levemente em seu ombro.
― Josephine, eu sou sua amiga e garota, eu tenho certeza que o Danny te ama ― confortei. ― Não sei o que aconteceu entre ele e Johanna, nem o que o levou até você, mas eu posso dizer o que vejo cada vez que encontro vocês dois. É amor. Faíscas. É lindo ― sorri para ela que subitamente parou de chorar. ― Você vai contar para ele e fazê-lo o homem mais feliz do mundo. E, minha querida, você vai ter o final feliz que você merece.
Ela sorriu para mim, ainda fungando, mas parecendo mais calma, como se todo o peso houvesse sido tirado de seus ombros.
― Obrigada, Luna. Você me ajudou demais, ― ela pausou por um momento, em dúvida ― minha amiga.
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