Capítulo Vinte e Quatro

Na manhã seguinte, duas batidas firmes foram ouvidas na porta do meu quarto. Quarto esse, que em poucos minutos se tornaria de Nicholas também, já que o moreno estava pegando suas coisas. Nada mudaria realmente, já que ele passava mais tempo em meu quarto do que no "dele".

O homem esperando do outro lado era quase idêntico ao da minha visão, possuía algumas rugas na testa e em volta dos olhos, mas ainda era muito jovem, seus cabelos pretos não mostravam nenhuma faísca de prateado ainda.

― Olá, Luna ― pronunciou calmamente ― eu sou... Jonathan.

― Eu sei ― respondi saindo do quarto e fechando a porta atrás de mim, por fim, nos guiei até o divã um pouco abaixo no corredor.

― Devo dizer que fiquei bem surpreso ao receber a carta de Abigail e depois o pedido de Adam ― começou quando nos sentamos. ― Confesso que não esperava que você sentisse o desejo de me conhecer.

Eu nunca tinha pensado em como reagiria quando finalmente encontrasse meu pai. Eu não estava tão furiosa quanto sentia que deveria estar. Ao olhar para ele eu me sentia apenas... Triste.

― Se você não queria, não precisava ter vindo ― declarei devagar, as mãos tocando nervosamente a barra do vestido.

Ele se encolheu e balançou a cabeça.

― Temo ter passado a impressão errada ― disse educadamente.

― Impressão errada com o que? O fato de me abandonar? ― Questionei ficando subitamente irritada com sua delicadeza.

Ele pausou por um segundo antes de falar novamente.

― Sabe por que eu te dei esse nome? ― Perguntou. Neguei e ele continuou. ― A tua avó materna morreu poucos meses após o nascimento da sua mãe e o pai dela a deixou para ser criada por uma velha feiticeira, quando ela tinha oito anos. Ela te chamava de Maressa, que é um belo nome, significa vitória, sim, mas também é o nome da velha que terminou de cria-la ― ele sorriu levemente. ― E ela odiava aquela mulher. Nunca entendi o porquê dela te chamar assim, mas depois que ela morreu eu não queria que você carregasse esse fardo com você. Você era o bebê mais calmo que eu já tinha visto em minha vida. Você não chorava nunca e sorria para todos. Você era branca como porcelana e quando queria algo, conseguia. Você parecia com a Lua ― deu de ombros ― eu era um adolescente estupido.

― E por que Canberight? Por que um nome tão bonito para uma bastarda? ― Indaguei.

Ele fechou os olhos com força como se quisesse responder a todas as minhas perguntas menos aquela.

― Você não é uma bastarda ― começou, mas o interrompi de imediato.

― Sim, eu sou ― sussurrei indignada.

― Não, você não é. Eu te registrei ― falou engrossando a voz como se não quisesse que eu continuasse.

― Como natimorto? Como uma criança que morreu antes de nascer? ― Levantei a voz começando a ficar furiosa.

― Não! ― Elevou o tom. ― Você pode parar de me atingir por um só segundo e me deixar falar?

― E que direito você tem de falar? ― cuspi de volta.

― Se não quer me ouvir por que quis me ver? ― Vacilo e ele continua, se aproveitando do momento de fraqueza. ― Deixe a mágoa de lado apenas para me ouvir. Eu não me orgulho do que fiz, mas tive meus motivos e não me arrependo.

― Eu apenas quero entender o que o levou a me abandonar ― chacoalhei a cabeça, incrédula por estar implorando. ― Por favor, continue.

― Canberight não é um sobrenome de verdade, era um código que um clã costumava usar. O clã que originou a Seita. Se juntaram, pois, sabiam o que estava por vir. Eu não queria que você estivesse marcada para sempre como uma Draacon, rezei para que você nunca fosse picotada e nunca precisasse conhecer todo o horror que está por vir ― ele sorriu sem humor ― mas aqui estamos nós, tão perto do fim de tudo.

Permaneci em silêncio. Eu não tinha nada para dizer. De repente, ele riu.

― Você é tão brava quanto ela ― não precisava ser um gênio para saber que ele estava falando de Sophia. ― Você tem a mesma chama queimando que ela tinha, mas mesmo aqui, eu vejo que você é melhor que ela ― balançou a cabeça em negação. ― Céus, ela teria sido uma mãe horrível!

Franzi as sobrancelhas pela sua estranha reação. Ele era realmente um excêntrico.

― Você não é a primeira pessoa que me diz isso ― contei.

― Pois é a verdade ― ele deu de ombros tranquilamente. ― À primeira vista ela era perfeita. A garota mais linda que eu já tinha visto. Inteligente, charmosa, poderosa, mas só era preciso um pouco de tempo com ela para que as camadas fossem retiradas e fosse possível perceber que o cerne era negro, podre. Eu tentei ignorar, mas depois de um tempo se tornou impossível.

― Por que você ficou com ela mesmo assim? ― Questionei olhando no fundo dos seus olhos pretos.

― Eu a amava ― murmurou embraveado. ― E homens são ainda mais estúpidos quando estão apaixonados. E então, ela ficou grávida ― riu dolorido. ― E contra todas as possibilidades, me largou ― ele tombou a cabeça para me olhar, seus ombros caídos, parecendo frágil. ― Você quer saber por que eu te deixei? ― compôs finalmente.

Acenei lentamente temerosa e com toda a minha força desmoronando aos poucos. Eu queria mesmo saber o que o levou a me abandonar? A resposta era sim. Mesmo que doesse, a verdade ainda era libertadora.

― Eu fui ver um oraculo depois da morte dela e ela me disse:

"Ela terá muita felicidade em sua vida

mas a viverá por um caminho tortuoso.

Morrerá amando um homem

e a ele dará uma descendência.

Ela poderá ser certa

mas sucumbirá por aquele que lhe trouxe a luz.

Luz e escuridão.

Opostos parecidos.

Codependentes.

Para um morrer o outro também precisa.

E assim se extingue a vida."

― Oráculos não são muito claros, mas não é preciso um alto QI para saber que quem lhe trouxe a luz são seus pais. Sophia estava morta então, e você pereceria pelas minhas mãos ― balançou a cabeça esfregando as mãos nos olhos com força como se para apagar as lembranças. ― Eu nunca tive paz após te deixar, vivi trancado na Casa de Vidro, propriedade dos Draacon, como se aquela fosse minha prisão pelo que eu havia feito ― ele enterrou a cabeça entre as mãos ― mas a cada pesadelo que eu tinha, cada vez que eu sonhava que te perdia pelas minhas próprias mãos, eu me reassegurava de que havia feito a escolha certa.

Eu fiquei sem palavras por um momento percebendo que aquele homem tinha sofrido muito mais que eu. Ele não me deixou por vontade própria, não quis se livrar de mim como se eu fosse um erro. Ele havia feito aquilo pelo meu bem e padecido a cada passo do caminho.

― Então como soube que havia acabado? ― perguntei encontrando forças. ― Como soube que podia vir ao meu encontro?

Ele riu de forma dolorida.

― Eu não sei. Acho que ainda sou o mesmo adolescente egoísta de dezessete anos atrás ― ele deu de ombros. ― Estive em toda cerimonia de Picote desde que você teve idade o suficiente para ser convocada e quando ouvi seu nome... eu prometi que não viria correndo para cá, não podia correr esse risco.

― Mas? ― encorajei baixinho.

― Mas quando as cartas chegaram, eu não pude conter esse impulso, precisava te ver, precisava te conhecer, precisava saber que tudo aquilo tinha funcionado.

― E eu te agradeço ― condescendi. ― Eu tive uma vida boa, sinto muito que isso tenha sido a preço de seu sofrimento.

Ele me olhou nos olhos no mesmo momento.

― Jamais me peça desculpas por nada...

Max veio apressado pelo corredor e parou a nossa frente, arfante pelo esforço.

― Olá, senhor Jonathan ― pronunciou em uma reverencia adorável antes de se virar para mim. ― Luna, precisamos ir para o Scan, a fila ficará enorme se não nos apressarmos.

Levantei-me com cuidado dando a mão para Maxwell.

― Podemos terminar essa conversa depois? ― Perguntei para o meu pai, ainda sentado, sem saber ao certo como me despedir em uma saída tão abrupta. ― Ainda há muitas coisas que precisamos conversar.

― Eu estarei aqui até o seu casamento ― hesitou antes de completar ― A propósito, parabéns.

Acenei sem jeito e comecei a andar com Max, mas Jonathan nos impediu.

― Luna ― chamou com a voz fina.

Me virei lentamente e o encarei sem dizer uma palavra.

― Eu te abandonei para te salvar. Te deixei ir para que pudesse sobreviver... mesmo que isso rasgasse meu coração.

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