Capítulo Vinte e Oito

Não me deixaram ver Nicholas durante o dia inteiro.

Era uma superstição antiga, de que se o noivo visse a noiva antes da cerimônia, o matrimônio seria curto e infeliz para ambos os lados. Eu achava apenas estúpido, mas conhecia Nicholas o suficiente para saber que ele provavelmente acreditaria naquilo.

Pelo que Dakota ― minha maquiadora ― me disse, ele estava tão nervoso que tremia. Já Josephine ― responsável pelo meu belo vestido ― riu ao me contar que era Danny que estava cuidando dele. E pelo olhar que ela me deu, o conselho que eu havia lhe dado na noite anterior havia atingido seu exato proposito.

Minha roupa era simples, eu não quis nada muito extravagante. O vestido era de um branco pálido e tinha uma fita azul brilhante marcando a cintura. E então... Botas. Elas haviam sido escolhidas por Nicholas e apesar de serem um pouco chamativas demais para o meu gosto, eu estava mais do que feliz em usá-las se isso fosse agradá-lo. No fim das contas, acabei cedendo ao pedido de Max e entrando com uma nova coroa de flores feita por ele.

A decoração do casamento também foi básica, toda em tons de azul e branco. Alicia havia ajudado a separar as pessoas entre as mesas, pois era a que mais havia passado tempo ali e conhecia quase todo mundo, Jackeline havia recepcionado os convidados com seu sorriso meigo e Florence havia colhido lindas flores e as espalhou por toda parte em belos arranjos que as três fizeram. Eu não precisei fazer nada além de aproveitar tudo.

Entrei ao som da 14° sonata de Beethoven, al chiaro di Luna, tocada com maestria pelo garoto que eu havia visto tocando, com um eco sentado na cauda do piano, no meu primeiro baile. Dakota ― que junto a Josephine, havia cuidado da cerimônia em si ― quis dar um tom irônico a tudo e eu não esperava menos dela.

Acabamos escolhendo Maxwell para levar nossas alianças e Abraham ― que não tirou os olhos dele, num misto de adoração e medo que ele tropeçasse, o que, conhecendo Max, não era realmente difícil de acontecer ― ministrou a cerimônia calmamente.

Na verdade, tudo que Abraham precisou fazer foi pedir para que nós segurássemos as mãos um do outro e colocar as dele em nossas cabeças, o resto foi trabalho de Crown. Ele aceitou nosso casamento de bom grado e Nicholas suspirou aliviado, apesar de eu não ter gostado do tom sábio que ele usou ao dizer as palavras, como se soubesse de algo que ninguém mais sabia e não tivesse a menor vontade de dividir esse pedaço de informação conosco, seus filhos.

Após isso, Abraham nos deixou fazer nossos votos e eu entrei em pânico, pois não havia ao menos pensado nisso com tudo o que aconteceu nos últimos dias.

Nicholas sorriu daquele jeito tão ele e pegou as minhas mãos entre as próprias que tremiam.

― Luna ― respirou fundo como se tomasse coragem ― quando eu pus meus olhos em você pela primeira vez, ― ele sorriu ― eu fui tomado. Sem chance de retorno. Você me mostrou as minhas fraquezas e me ensinou como me fortalecer. Quando eu soube que você carregava uma parte tanto minha, quanto sua, a única coisa que eu conseguia pensar era em como eu sou sortudo. Eu amo você e essa pequena criaturinha. Eu sei, ― pausou ― que se um dia você me amar, com apenas um terço, do amor que você tem pelo nosso bebê, eu serei o homem mais feliz do mundo. E eu sei também, que a vida não é um conto de fadas e que finais felizes são raros, mas eu lutarei como ninguém jamais lutou para te dar o 'feliz para sempre' que você merece ― concluiu em um folego só.

Eu ri, sentindo meus olhos molhados, mas não deixei que isso importasse. Beijei as suas duas mãos enormes que engoliam as minhas, antes de começar a falar as palavras que vinham diretamente do fundo do meu coração.

― Nicholas, quando eu te vi pela primeira vez, pensei que você era um idiota ― ele riu de maneira estrangulada. ― E eu ainda penso, toda vez que você me faz rir, mas isso ― respirei tentando conter fortemente as lágrimas que insistiam em cair ― é uma das coisas mais adoráveis sobre você. Você sempre esteve lá por mim e eu confio de todo o coração que você fará o mesmo pelo nosso bebê ― minha voz morreu conforme a emoção me sufocava. Eu sentia algo muito forte naquele momento. Não sabia se aquilo era amor, mas o que eu sentia era tão brilhante, tão bonito, que eu desejei que aquilo nunca se desvanecesse. ― Eu sei, que o resto dos meus dias ― respirei e engoli a emoção ― que com sorte passarei ao seu lado, serão os mais felizes e divertidos. ― Sorri para ele tentando expressar o que eu sentia através daquele gesto. ― E pode não ser fácil, o tempo todo, mas ao seu lado, eu sei que não vou temer nada ― terminei.

Ele deu um sorriso tão radiante e eu soube naquele momento que faria qualquer coisa para mantê-lo ali, pois ele também se espelhava no meu rosto.

Então, ele me puxou e me beijou e aquilo valia tudo.

A festa que veio em seguida foi ótima, havia todo o tipo de comida que eu não sabia pronunciar o nome e todo o tipo de pessoas, também.

Melhor que isso.

Meu pai estava ali.

O pai que eu não sabia que existia. O pai que eu nunca pensei em conhecer.

Ele mal me deixava valsar com o meu marido, disse que queria me manter aquela noite em seus braços, já que eu passaria todas as outras com Nicholas.

Nicholas.

O garoto por quem eu comecei a me apaixonar. O garoto que agora era meu marido. O garoto que eu estava vendo se transformar em um homem.

Josephine estava dançando com Daniel também, ela parecia tão feliz com aquilo e eu fiquei feliz com ela.

Todos pareciam felizes. Menos Abigail.

Nicholas apareceu e me pegou nos braços fazendo o meu pai rir. Ele me rodopiou pelo salão, como havia feito da primeira vez que dançamos juntos, eu estava feliz, como nunca havia estado antes. Até que um cheiro forte de sálvia encheu o recinto e ela apareceu. 

Sophia.

Minha mãe. No meio do salão, como se não fosse nada demais. Lançando um sorriso sádico para a Abigail.

Eu fiquei estática enquanto ela ria melodicamente. Um vestido preto e longo, como se estivesse de luto. Um burburinho chocado encheu o salão como não poderia deixar de ser com aquela volta dos mortos.

― Abigail! ― Ela gritou ainda com o sorriso diabólico torcendo suas belas feições.

Olhei para a dita cuja, que já caminhava na direção da mulher que havia me dado à luz.

― O que faz aqui, Sophia? ― indagou ela com a voz linear.

― Vim reivindicar o que é meu por direito, minha querida ― respondeu ironicamente.

Abigail torceu as mãos parando no meio do caminho, nem perto nem longe de Sophia.

― E o que isso seria? ― Perguntou tensa.

― Minha criança ― pronunciou delicadamente com um sorriso cruel nos lábios.

― Luna ― murmurou Abigail, o que naquele silêncio, pareceu um berro.

Todos ali pareciam olhar para mim, o que fazia com que a minha pele formigasse. Sophia também fixou os orbes em mim e seus lábios se torceram em uma careta de desgosto antes de mirar a minha barriga.

― Não ― Retrucou. ― Não ela, o bebê. Eu posso ter lhe dado a vida, mas ela não é minha filha.

― Está louca, Sophia? ― Exclamou a mulher no meio do caminho. ― A criança é tua neta, não tua filha!

― Minha cria foi tirada de mim e agora eu vou reavê-la ― falou de forma fria e assustadora.

Procurei meu pai pelo salão, apenas para encontrá-lo com a boca escancarada, encarando a mulher que ele tinha amado por toda sua vida. Meu coração se apertou e eu tive certeza de que foi possível ouvir por todo salão o som dele se partindo. A boca dele se moveu, mas não saiu nenhum som, não que precisasse, pois Sophia o descobriu e lhe ofereceu um sorriso de escárnio.

― Ah ― suspirou ― que saudade que senti de meu peão preferido ― declarou sonhadoramente. ― Você não mudou nada, Jonathan, nem por dentro, nem por fora. Continua o mesmo tolo que sempre foi.

― O que você faz aqui? ― inquiriu meu pai e ao contrário do que esperei, sua voz não tremeu.

― Você sabe, não é? ― provocou ela. ― Sabe que nunca te amei? Que eu te escolhi justamente pela sua incapacidade de reconhecer a verdade? Que você foi apenas um peão no meu jogo de xadrez, um jogo no qual sou incapaz de perder? Me arrependo de não ter escolhido alguém com um pouco mais que dois neurônios para me satisfazer.

― Por que está fazendo isso, Sophia? ― Questionou Abigail cortando o jogo de dor, enquanto dava um passo mais próximo da outra.

O rosto de Sophia se virou em sua direção e ela deu mais um daqueles sorrisos assustadores.

― Vim tomar o que é meu por direito, querida ― repetiu.

― Ela ainda está no começo da gestação ― argumentou, mas ao não ver nenhum traço de recuo da outra, mudou de estratégia. ― E mesmo quando a criança nascer, você não a terá. ― Garantiu.

― E quem irá me impedir? ― Riu parecendo estar tendo o momento da sua vida, a cabeça jogada para trás, o musculo do pescoço se retorcendo. ― Você com toda a sua arrogância? O fraco do Jonathan? Seu exército de adolescentes? Ou a Amazona das Estrelas? ― Ela fez um bico em uma falsa tristeza. ― Eu voltarei em breve e terei o que quero.

― Por que está fazendo isso, Sophia? ― tentou novamente meu pai, com a voz fria como o gelo, seu tom capaz de causar uma nevasca. ― O seu verdadeiro motivo? Você nunca deu ponto sem nó.

― Eu me juntei ao lado vencedor da batalha muito antes de tudo isso começar, querido Jonathan.

― E por quê? Você poderia ter tudo aqui ― declarou Abigail.

― Tudo? ― Ela riu mais uma vez. ― O seu tudo não é nada perto do que eu tenho.

― Eu realmente não consigo entender ― murmurou a morena parecendo, pela primeira vez desde que a conheci, perder a pose.

― A culpa é dele, o homem que você tanto idolatra, Tan Chan Young ― declamou parecendo perdida em memórias. ― Ele me abandonou quando eu tinha oito anos, em uma vila perdida no meio do nada, com uma velha cega que me tratava como uma empregada. Eu caí em um poço aos onze, onde eu passei três dias dentro antes que eles me salvassem ― falou com o tom de voz controlado ― eles me tiraram de lá e me deram um propósito, uma missão. Eu faria tudo por eles ― sorriu. ― Voltei para a vila, matei a velha e aguardei ano após ano até que fosse chamada por Crown. Eu gerei a escolhida, a Amazona das Estrelas e em troca me seria dado uma cria, minha cria.

Assustada, olhei em seus olhos procurando o brilho de loucura que era de se esperar, visto as suas palavras, mas eles estavam límpidos, tão sãos quanto os meus. Ela acreditava em cada palavra que dizia.

― Mas ― Abigail franziu as sobrancelhas tentando juntar as peças ― e o ataque? E os soldados inimigos que você matou?

― Hologramas, meras distrações ― fez um gesto de desinteresse com a mão. ― Você não acredita em nada que eu digo, não é mesmo, Abigail? ― Sorriu mais uma vez. ― Ou eu deveria dizer... irmã?

Foi aí, que, finalmente, Abigail quebrou.

― Que loucura é essa, Sophia? Você está fora de si?

― Você nunca soube do caso entre meu pai e sua mãe, não é? ― Fez um bico em tristeza fingida ― Por isso ele me abandonou em primeiro lugar, querida. Como poderia ter uma vida feliz ao lado de sua concubina e suas filhas bastardas quando tinha uma filha legitima para criar? E pode ter certeza, de que antes de ser escolhida pelo seu deus falso, eu dei um fim nele, cortei sua garganta e deixei que ele sangrasse aos meus pés. E a vagabunda da sua mãe e suas duas bastardinhas ficaram sem nada porque ele nunca sequer se casou com ela para início de conversa.Abigail grunhiu e avançou até ela, deferindo-lhe um golpe em sua face, mas sua mão atravessou a imagem.

― Isso não é real, querida, apenas mais um holograma, e você apenas caiu nessa novamente ― riu feliz, demonstrando loucura pela primeira vez ― estou na nossa fortaleza, muito bem protegida, mas infelizmente, essa sua ceninha acabou com o nosso tempo, a imagem se apagará em poucos segundos. ― Ela olhou para mim com aquela expressão assustadora e faminta novamente. ― Eu voltarei por você, querida, mais cedo do que imagina.

Dito isso sua imagem se apagou.

Não é preciso dizer que festa acabou após aquele incidente. Abigail e os Highters, juntamente com o meu pai, se trancaram no escritório e todos os outros se refugiaram nos seus quartos como fugitivos.

Nicholas e eu pegamos a garrafa de vinho, com a qual uma pixie que nunca havíamos visto antes nos presenteou, nos felicitando por nosso matrimonio logo no início da festa, antes que tudo virasse um inferno. Aquele vinho tinha um gosto delicioso, uma pena que Nicholas só me deixou tomar um gole por causa do bebê, antes que aproveitássemos a nossa lua de mel como um casal normal deixando para pensar no que havia acontecido e nas implicações daquilo na manhã seguinte.

Uma pena que a manhã seguinte não chegou. Pelo menos, não para mim.

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