Capítulo Vinte e Dois
Nicholas me trouxe o café da manhã no dia seguinte e me deu um sorriso de desculpas.
― A enfermeira achou que era melhor que você permanecesse tranquila por mais um dia.
Eu não havia estado na enfermaria enquanto acordada, mas Eillen, a enfermeira chefe, havia vindo me visitar na tarde do dia anterior e assegurar que estava tudo bem comigo e com o bebê.
― Justo ― respondi tomando um gole de suco.
― Muitas coisas aconteceram nesse tempo em que você esteve doente ― comentou sentando-se no sofá ao lado da cama ― e eu acho justo te contar.
Aquela frase me chocou de maneira inominável. Tantas pessoas me escondiam coisas que o mero pensamento de saber a verdade, depois de tanto tempo, me era estranho.
― Vá em frente, então ― pedi.
― Às vezes é melhor não saber de algumas coisas. As chances de se machucar são bem menores, mas você será minha esposa em breve e eu não quero que existam segredos e mentiras entre nós ― ele respirou fundo. ― Enquanto você queimava, bem, você se lembra de quando se arrastou para o jardim?
― Vagamente ― respondi.
― Se lembra de algo estranho?
Ri levemente.
― Tudo?
Ele franziu as sobrancelhas e passou a mão pelos cabelos sedosos que estavam um pouco longos demais.
― Nada que lhe chamasse muita atenção?
Balancei a cabeça.
― Eu estava delirando, Nicholas, tudo o que aconteceu foi louco, eu vi borboletas queimando, um dragão...
A carranca em seu rosto se tornou mais profunda.
― O dragão ― declarou. Esperei que ele continuasse, mas o mesmo não o fez.
― O que tem o dragão? ― inquiri como incentivo.
― Ele não era apenas um delírio da sua mente febril.
― O que isso significa?
― Você é uma mestiça, Luna, ninguém sabe o que esperar de você ― ele passou a mão pelo cabelo e seus olhos encontraram os meus. ― Lembra daquela história que a Josephine nos contou sobre os Draacon?
Dei de ombros.
― Foi uma boa história.
Ele fechou os olhos.
― Eu odeio ter que ser eu a te contar as coisas, eu nunca fui bom nisso e eu nem mesmo entendo completamente o que está acontecendo, mas é melhor que seja eu a fazer isso porque eu realmente me importo com você.
― O que há com a história dela? ― pedi dando uma mordida na torrada.
― A história dela não era apenas uma história. Continha muita liberdade poética, é claro, afinal foi a Jose que nos contou, mas a essência da história é real. Tua mãe era uma bruxa, seu pai um dragão. Você tem o dragão dentro de si como todos os Draacon, mas você o exterioriza de uma forma diferente dos outros. Eu acho que talvez também tenha a ver com o fato de você ser uma mulher ― ele sorriu. ― Não que eles me deixem dar palpite sobre isso, mas não podem me impedir de criar teorias.
― Apenas diga o que quer dizer, querido, sem enrolação.
― Eles se transformam ― ele balançou a cabeça. ― Essa era a peça do quebra-cabeça que faltava, aparentemente e tenho certeza de que Adam vai ficar orgulhoso de te mostrar como funciona isso a qualquer hora ― ele revirou os olhos. ― No seu caso, é como se você invocasse seu dragão, assim como uma bruxa de verdade faria. Quando Mabel inventou aqueles boatos sobre seus olhos terem íris cheias de faíscas ela não estava mentindo, essa provavelmente foi uma reação do seu corpo ao dragão querendo sair, mas ainda não estando pronto para se manifestar.
Lembrei da situação desconfortável com Julian e a forma como meus olhos queimaram naquela ocasião. Poderia ter sido pela mesma razão? Deixei a comida de lado, piscando rapidamente:
― Isso quer dizer que aquele pequeno dragão era real? ― perguntei com cuidado.
― Sim ― ele sorriu com delicadeza. ― Você gostaria de vê-lo?
Eu dei um sorriso e acenei loucamente com a cabeça fazendo com que ele risse.
Depois que meu café foi levado embora, eu tomei banho e consegui me trocar enquanto Nicholas foi buscar a trupe. Pouco depois, ele voltou com Ezra e Adam logo atrás. Alicia vinha por último com um pequeno embrulho nos braços.
O moreno se sentou ao meu lado e não parecia nem um pouco feliz, se eu pudesse dizer pela forma com que ele enrijeceu assim que Adam se sentou do outro lado.
― Você nos assustou, prima ― comentou ele me abraçando. Ezra me deu um aceno e eu não pude deixar de me perguntar o motivo da carranca da loira.
― Alicia, você voltou ― declarei com a voz ainda rouca.
Ela não respondeu. Caminhou até mim, me entregou o embrulho e ficou parada como se esperasse que eu o devolvesse logo.
Desembrulhei a parte de cima vendo a coisa mais linda que eu já havia visto em toda minha vida. Ele era quase todo preto, mas havia alguns pontos magenta pelas suas escamas. Os seus grandes olhos se abriram ao meu escrutínio e eles eram de um azul celeste. Sua grande boca se abriu em algo que se assemelhava a um sorriso desdentado e Alicia se apressou em arrancá-lo das minhas mãos.
― Ele ainda é um filhotinho, não tem controle do próprio corpo, pode acabar acidentalmente te colocando em chamas ― falou com um meio sorriso para o dragão. ― Você não gostaria de atear fogo na Luna, não é, bebê?
Olhei irritada pela forma como ela estava agindo para Nicholas. Aquele era o meu dragão! Ele me deu um sorriso de desculpas, mas não a colocou no lugar dela como eu queria ― e esperava.
― Não faça brincadeiras desse tipo, Alicia. Além de serem de mau gosto, são também de mau agouro ― exclamou Adam colocando o braço sobre os meus ombros.
― Então é um ''ele''? ― Perguntei ainda querendo meu dragão em meus braços.
― Nós ainda não sabemos ― respondeu meu primo. ― Alicia gosta de tratá-lo como se fosse um garoto, mas só saberemos quando ele for adulto.
― Quanto tempo isso irá demorar?
Ele deu de ombros.
― Quando ele nasceu tinha o tamanho da minha palma ― falou mostrando a mesma para mim. A palma era enorme, mas o bebê dragão havia crescido. Muito.
― Acho que deveríamos dar um nome a ele ― proferi.
― Momento histórico ― falou Alicia de uma forma histérica. ― Preciso chamar Florence e Josephine ― concluiu quase correndo em direção a porta.
― Alicia ― chamou Nicholas em tom de aviso. O sorriso da loira se desfez como se soubesse o que viria em seguida. ― Me dê ele.
Ela hesitou por um segundo antes de entregar o meu dragão ao moreno e sair feito um furacão do quarto.
― Wow ― disse Ezra se pronunciando pela primeira vez, passando a mão pelo cabelo cada vez mais longo que estava se tornando encaracolado. ― Isso foi intenso.
"Intenso" era um eufemismo.
― Por que ela está agindo assim com ele? ― Questionei ainda irritada. ― Ele é meu!
Adam riu levemente e Nicholas esticou os braços para que eu pegasse o meu dragão.
― Ela cuidou dele durante todo o tempo em que você esteve doente, acho que eles criaram um vínculo ― comentou Ezra. ― Acho que os instintos maternais dela afloraram ou algo assim ― finalizou com um dar de ombros.
― Mais estranho de sempre ― murmurou o Draacon olhando para o chão. Ele levantou os olhos e encarou a minha barriga rapidamente antes de desviar os olhos para o meu rosto. ― Eu me esqueci de dar os parabéns ― seu rosto pareceu triste antes de quebrar em um sorriso. ― O que eu serei dessa criança? Primo? Tio? ― Perguntou.
― Primo de segundo grau ― respondi após pensar por um segundo.
― Eu tenho a impressão de que ele não está muito feliz com esse título ― disparou Ezra ainda perto da porta. Franzi as sobrancelhas não entendendo onde ele queria chegar.
― Cale a boca, Darksoul.
Ezra riu, porém, não rebateu meu primo.
Alicia entrou no quarto tão rápido quanto saiu, dessa vez com Florence, Josephine e... Henry?
― Henry! Oi! ― exclamei. ― O que faz por aqui?
― Eu não perderia esse momento por nada, Luna ― disse com um sorriso.
Faltava Max para completar o grupo dos meus amigos próximos, mas Abraham viria junto com ele e por mais que eu não me incomodasse com a presença dele, não era difícil imaginar que ele não se sentiria confortável ali.
Olhei para o pequeno aninhado em meus braços que me olhava de volta com os olhos ávidos e inteligentes.
― Josephine ― chamei. ― Você sabe como se chamava o primeiro Draacon?
Ela franziu as sobrancelhas ligeiramente, parecendo confusa.
― Creio que tenhamos essa informação nos livros de registro, mas...
― Yugblo ― disse Adam sem mais nem menos.
― O que? ― todas as cabeças se viraram em sua direção.
― Esse era seu nome. Yugblo ― respondeu simplesmente.
Contive uma risada.
― Você sabe o nome do nosso primeiro ancestral de cabeça? ― Zombei.
Ele cutucou meu nariz com o indicador.
― Você não cresceu como uma Draacon, priminha, eu sim. Foram horas e horas desperdiçadas estudando sobre os nossos parentes mortos ― revirou os olhos.
― Você não gostaria de dar esse nome ao seu primogênito? ― Questionei mexendo as sobrancelhas.
Ele me olhou com os olhos arregalados, incrédulo antes de desatar em gargalhadas.
― Yugblo? Sério? Por que eu daria essa maldição ao meu descendente? ― deixou escapar ainda rindo. ― Além do mais, Cassidy me disse que eu terei seis meninas antes de um garoto ― revirou os olhos novamente. ― Crown daí me forças, apenas uma prima já é difícil o suficiente.
Rindo levemente das bobagens dele, continuei:
― Sendo assim, o meu dragão irá receber esse nome ― declarei.
Nicholas sorriu para mim e acarinhou os meus cabelos com afeição, amor brilhando em seus olhos.
― Pronto, pessoal ― falou o moreno se levantando. ― Acabou o show, minha noiva precisa descansar.
Henry, Florence e Josephine saíram após me desejarem melhoras.
― Mas eu nem disse a ela o que vim fazer aqui ― reclamou Ezra.
― Ela irá para o Scan amanhã, não se preocupe, você falará com ela ― avisou.
Ezra levantou os ombros como se fosse discutir, mas eles desceram e ele saiu, sendo seguido por Alicia que não me dirigiu um olhar.
Adam me deu um abraço e um beijo na bochecha.
― Você gostaria de sair amanhã, após o Scan? Talvez um picnic? ― chamou sorrindo.
― Eu adoraria, Adam ― explanei emocionada.
Então ele saiu, deixando apenas eu, Nicholas e Yugblo no quarto. Ele pegou o pequeno dragão dos meus braços, o colocando em um belo e elaborado berço de mogno no canto do quarto.
Ele sorriu feliz, voltando para a cama.
― Esse berço será do nosso filho quando nascer, mas por enquanto é do nosso dragão ― falou ainda sorrindo.
― Nick ― choraminguei. ― Estou cansada de ficar deitada aqui sem fazer nada ― reclamei. ― Eu quero sair, nem que seja para andar a esmo pelos corredores.
Ele sorriu como se eu fosse adorável e me deu um pequeno beijo nos lábios.
― Amanhã eu vou te levar para o Scan logo cedo, prometo.
Franzi as sobrancelhas confusa.
― O Scan já começou?
Ele hesitou.
― Sim.
Curiosa pela sua expressão continuei a indagá-lo.
― Por quantos dias eu estive doente?
― Luna ― tentou.
― Quantos?
― Quatro. Quatro dias com febre e mais dois antes de acordar, amanhã é o sétimo dia desde que você adoeceu.
Minha boca se abriu em choque.
― Uma semana? ― questionei incrédula. ― Todo esse tempo?
― Você precisava descansar. O seu corpo precisava. Eu sinto muito por...
O beijei para que ele parasse de se desculpar, ele me puxou contra ele de forma sôfrega, mas fomos interrompidos por uma batida forte e insistente na porta.
― Eu vou matar quem quer que seja ― o moreno disse e eu ri.
Ele caminhou até a porta e abriu, voltando para dentro com uma pilha de toalhas novas. Ele parecia perturbado, como se esperasse que fosse alguém além de uma das aias.
― Está tudo bem, Nicholas, meu amor? ― Chamei assustada pela sua expressão fora do comum.
Ele balançou a cabeça.
― Está tudo bem, minha rainha. Eu prometi ser honesto com você, não foi? ― Isso me fez relaxar instantaneamente. Ele me deu um daqueles sorrisos apaixonantes antes de prosseguir: ― Eu tenho algo para lhe contar e tenho certeza de que vai gostar ― disse antes de fechar a boca e se manter em silêncio.
Arregalei meus olhos já morrendo de curiosidade.
― O que é?
Ele riu descontroladamente da minha expressão.
― Acho que alguém gosta de surpresas ― proferiu pausadamente cutucando a minha barriga e arrancando risadas de mim também.
― Vamos, me conte ― articulei em meio às risadas.
― Eu não sei ― negou com a cabeça, os olhos semicerrados. ― E se você ficar muito eufórica e não conseguir dormir? Você e o nosso bebê precisam de sono ― completou.
― Conte logo! ― Exclamei de forma chorosa.
― Tem certeza de que não quer comer nada antes? ― Perguntou tentando esconder um sorriso.
― Seu grande idiota ― resmunguei dando-lhe um soco no braço.
Ele riu antes de finalmente me contar.
― Seu pai chegou.
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Por que vocês acham que a Alicia agiu assim em relação ao dragão da Luna? E o que vai dar esse reencontro da Luna com o pai, será que dá boa ou muito muito ruim?
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