Capítulo Vinte

Na manhã seguinte, algo dentro de mim fez com que eu tirasse o colar. O guardei dentro da caixinha de joias na qual ele costumava estar e me senti imediatamente mais bem-disposta. Nicholas sorria para mim sem parar e eu tinha certeza de que se ele abrisse um sorriso maior suas bochechas rasgariam. No café da manhã, Abigail avisou que iniciaríamos o Scan dentro de três dias.

― O que é isso? ― Questionou um garoto de cabelos pretos que havia sido picotado comigo. Brent? Bell?

― Testes ― a morena respondeu evasiva.

O garoto de cabelos pretos com sombras azuis a minha frente revirou os olhos com diversão.

― Testes de sangue, tomografias, em algum momento todo o nosso corpo será escaneado, dai Scan ― Ezra Darksoul falou com escárnio. Eu me lembrava dele por causa das faíscas infindáveis que saiam das pontas de seus dedos o tempo todo.

― Para que? ― Perguntei intrometida na direção dele, a mesa era longa e se eu tivesse sorte Abigail não me ouviria.

― Para descobrirem o que somos e nos catalogarem como animais ― revirou os olhos novamente. ― Pelo menos eu sei do que sou capaz ― mal as palavras saíram de sua boca e ele tinha uma esfera de chamas azuis em sua mão esquerda. Eu gritei e Nicholas se levantou derrubando a cadeira e se colocando a minha frente.

Abigail se levantou e bateu com a mão na mesa com força pedindo ordem.

― Ezra, você sabe que demonstrações como essa não são permitidas em frente à Iniciandos que ainda não passaram pela cerimônia do Aceito. Mesmo que você não tenha passado ainda, a sua família é toda da Seita, você conhecesse as regras.

Ele me lançou um olhar irônico.

― Mas a Luna é igual a mim, mesmo que ela tenha essa aura incandescente que me dá náuseas ― Dei a ele um olhar questionador e ele sorriu com o que me pareceu felicidade verdadeira. ― Você ainda não vê auras, vê? ― Perguntou quase para que si mesmo. Neguei com a cabeça e ele continuou ― Talvez você nunca veja. Cada um de nós é diferente. Além de que, você é uma mestiça, seu sangue não é puro. ― Ele riu fracamente. ― Caso você queira saber, a minha aura é roxa, assim como a de todo puro sangue. ― Completou divertido.

― Silêncio, Ezra ― chamou novamente ― não pense que só por causa da minha amizade com a sua família, eu vou deixar você fazer o que quer.

― Eu jamais pensaria isso, Abigail ― disse com falsa inocência que lhe era desmentida pelo sorriso. Ele abaixou a voz e disse apenas para que eu pudesse ouvir: ― Quando quiser saber de algo que certa morena não irá lhe dizer, me procure. Eu posso te ensinar muito mais sobre você mesma do que qualquer um aqui.

***

Depois da estranha conversa com Ezra, me despedi de Nicholas e fui me encontrar com Adam. Ele não havia descido para o café da manhã e eu me questionei se ele ao menos havia acordado. Tão perdida nos meus pensamentos trombei com Maxwell e Abraham conversando aos sussurros. Desculpei-me e continuei andando. Tinha como essa manhã ficar mais estranha?

Ao contrário do que pensei, encontrei Adam sentado no corredor de meu quarto parecendo agitado.

― Finalmente ― exclamou se levantando. ― Achei que ia me dar o cano.

Espantada perguntei:

― Por que eu faria isso?

― Às vezes é melhor não conhecer o passado e bem, talvez seja mais esclarecedor para você se conversar com o nosso oráculo ― disse contemplativo, bem diferente do estado de espírito brincalhão que costumava ter.

― Oráculo? ― Perguntei enrugando o nariz em confusão, já havia ouvido a respeito, mas ainda não sabia do que se tratava.

― A antiga se chamava Cassidy, a nova é Dakota, eu acho ― Aquela história de novo... Dakota era um oráculo? ― Oráculos veem o passado, o presente e o futuro e em momentos de eminência de guerra como esse, oráculos são mais que importantes.

― Eu sei o que é um oráculo ― retorqui sorrindo. Eu não era tão despreparada assim ― Mas o que você quis dizer com guerra?

― Não uma guerra qualquer ― começou. ― A guerra. A última. A guerra predestinada que está nos livros proféticos.

― Uma guerra predestinada? E o que isso tem a ver comigo? ― Perguntei.

― Abigail te mostrou as profecias? ― indagou e eu anui. ― Então você sabe do que estou falando ― olhando para mim ele prosseguiu. ― Haverá um dragão... ― deixou a frase no ar se levantando do chão e limpando a poeira das calças.

― Esperam que eu seja o dragão? ― Suspirei seguindo a linha de raciocínio.

― Você é uma Draacon ― falou estendendo-me a mão. Peguei-a cautelosa e ele me puxou um pouco mais abaixo pelo corredor. ― Essa é sua mãe, Luna ― apontou quando paramos em frente ao quadro.

Levantei meus olhos procurando alguma semelhança entre mim e ela, mas a única coisa que eu encontrei foi às sobrancelhas e os olhos puxados. Mais nada. Cor de cabelos, dos olhos, postura, era tudo completamente diferente. Seu semblante era tão sério e seus olhos castanhos dela eram tão frios, que eu senti um arrepio ao olhar para eles.

― O que você sabe sobre ela? ― Perguntei a Adam.

― Não muito ― deu de ombros. ― Não foi uma história boa para a nossa família. Meu pai é dois anos mais velho que o seu. Ele se casou aos dezessete e foi picotado aos dezoito, quando voltou para casa tinha um filho de quase três anos. Seu pai foi picotado aos dezessete e quando sua mãe engravidou, eles tinham dezoito ― ouvi ávida enquanto Adam falava sobre minha família. Nossa família. ― Meu pai me contou naquela carta, que ele foi um dos motivos pelos quais os seus pais brigaram. Aparentemente, sua mãe e meu pai eram muito amigos e sempre que os seus pais brigavam, ela ia passar um tempo com o meu pai, segundo ele, e eu acredito nele, ― garantiu ― eles nunca fizeram nada demais, mas quando sua mãe ficou grávida, seu pai fez uma piada infame sobre o bebê não ser dele, ele sabia que era, mas nós Draacons somos realmente bons em sermos babacas ― comentou. ― Eles não tinham um relacionamento assumido e ela se recusou a falar com ele ou dizer de quem o bebê era depois disso.

― Eu sabia disso, vi isso acontecer ― meus dedos tocaram a moldura dourada quase como se eu não tivesse controle das minhas mãos. Ela era tão bonita.

― Na sua chegada aqui? ― indagou. Acenei mesmo que não fosse verdade. Meus caminhos eram tortuosos e eu não estava certa de que os dividir com outra pessoa era uma boa escolha.

― Conte-me mais, por favor? ― pedi com um fio de voz.

Ele pigarreou, mas obedeceu:

― Apesar da cadela mimada que ela sempre foi, ela morreu como heroína e blá, blá, blá ― ele me olhou de soslaio e deu meio sorriso. ― Eu sinto muito, ela é sua mãe, afinal, eu não deveria estar sendo tão insensível ― ele me abraçou por trás, mas não havia nenhum carinho romântico no ato, era um carinho diferente, parental. ― Teu pai, e saiba eu tenho vergonha de dizer isso, não teve coragem de ficar com você. Foi-lhe dada à oportunidade, mas por algum motivo ele não quis. Ele nunca falou sobre isso. Nunca se casou ou teve outros filhos. Você é a única, em muitos aspectos, e eu tenho certeza que ele adoraria te conhecer. Você gostaria de conhecê-lo?

Eu pisquei. Um. Dois. Três.

Onde você está?

O que está fazendo, criança?

Pare de brincar.

Cresça!

― Sim ― respondi sem hesitar. ― Abigail disse que irá chamá-lo.

Ele acenou.

― Eu mandarei uma carta formal mesmo assim, certo? ― Concordei, minha cabeça doía tanto que parecia que explodiria a qualquer momento. Ele me virou pelos ombros e sorriu. ― Eu estava pensando, o que você acha de um passeio pelos jardins? Eu posso te contar mais sobre a nossa família desgraçada e assim você não fica tão animada apenas com a ideia da herança ― a frase tinha intenção de fazer rir e eu dei uma risadinha, mas meus pensamentos estavam bem longe dali.

― Um passeio seria ótimo ― garanti ― mas não hoje. Hoje eu preciso organizar meus pensamentos.

― Claro, prima. Quando precisar de mim é só bater na porta do meu quarto ou então, é claro, perguntar as meninas ― ele balançou as sobrancelhas sugestivamente e eu balancei a cabeça em negação.

― Você não tem jeito, Adam Draacon.

Ele deu de ombros com um sorriso sagaz e uma expressão orgulhosa.

― Ter jeito não tem graça, tampouco é do meu feitio. Até mais, Luna ― falou se retirando com uma mesura.

― Até mais, Adam.

Dakota me encontrou no corredor quando eu voltava para o meu quarto, ela parecia verdadeiramente triste e me abraçou. Pessoas malucas. Passei o resto do dia deitada na cama, apenas digerindo todas aquelas informações. Nicholas não apareceu pelo resto do dia. Eu estava tão entorpecida que não me importei.

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