Capítulo Sete

Tomei um banho rápido, tomando cuidado para não molhar o cabelo já que eu não tinha como secá-lo. Coloquei o vestido tomara que caia delicadamente para não rasgar o seu lado. Fiz um coque elegante imitando os que Charlotte costumava sempre usar e coloquei o prendedor de pedras rosa para enfeitar. Por fim os brincos e ajeitei o colar de Julian.

Queria parecer impecável, mas não tinha maquiagem, então borrifei o perfume frutal duas vezes , obrigada Samantha por ter deixado ele para trás, e olhei para o relógio na parede me sentindo impaciente, só para morrer de frustração ao ver que ainda eram 18h30min.

Após guardar tudo no seu devido lugar, fechei a mala antes de colocá-la embaixo da cama e desistindo de esperar o relógio tiquetaquear ao meu favor, sai do quarto só para perceber que não me lembrava exatamente como chegar ao corredor das escadarias que tínhamos subido já que tudo parecia diferente depois de uma noite dormida sobre a apreensão anterior.

Andei a esmo por alguns minutos, notando quadros na parede com rostos que não me eram familiares, mas que além do nome na parte debaixo, continham o título de heróis da Verhallow. Não tardou para que as pessoas mais estranhas do mundo começassem a descer o corredor em minha direção. A variedade de cores de cabelo, roupas e feições me fizeram sorrir. As meninas riam e esfregavam as mãos nos braços umas das outras como um gesto de boa sorte. Os garotos davam socos de brincadeira da mesma forma.

Vi a garota de cabelos brancos, Alicia, em um majestoso vestido azul mar. Ela sorriu para mim enquanto alisava os braços nus de Florence, a ruiva que eu tinha visto abraçar a arvore na noite anterior. Henry vinha logo atrás delas com um grupo de garotos o seguindo como se fossem uma alcateia. Ele ria puxando os cabelos da ruiva em provocação. A loira deu um tapa em sua mão e apontou para mim. Ele me lançou um sorriso largo:

― Ei, novata! Venha! ― chamou notavelmente animado.

Levantei-me, mas antes que pudesse segui-los alguém trombou comigo me derrubando no chão.

― Droga ― murmurei.

― Desculpe-me, Luna ― exclamou Nicholas alarmado. Olhei para o meu pé esquerdo e depois para o direito, por sorte, os saltos não haviam quebrado. ― Você está bem?

Acenei com a cabeça em concordância e ele se levantou me esticando a mão que eu aceitei sem hesitar. Quando em pé ele deixou as mãos descansando em meu quadril, enquanto eu mantinha a esquerda na parte baixa de sua nuca e a direita eu usava para arrumar a saia do vestido. Quando levantei os olhos para agradecê-lo percebi que nossos rostos estavam próximos. Inimaginavelmente próximos. Ele exalou com os olhos entreabertos e os olhos fixos nos meus.

― Obrigada, Nicholas ― falei. Baixo demais. Apenas um sussurro. Seus olhos pareceram se desviar para os meus lábios antes que eu empurrasse levemente seus ombros.

― Você está realmente muito bonita ― ofereceu ficando vermelho. Passei os olhos por seu terno bonito e bem colocado antes de responder.

― Você também não está nada mal. Vamos descer? ― Perguntei para acabar com aquele constrangimento.

― Vamos ― respondeu com a voz rouca e desapontada.

― Seus delinquentes ― berrou Josephine do topo das escadas que só agora percebi ficarem em direção ao lado esquerdo. Nicholas soltou os meus quadris e pegou o meu braço delicadamente ― Vocês sempre descem cedo demais!

― Se acalme, Jose ― disse um garoto de cabelos verdes e jaqueta de couro. ― Deixe as crianças se divertirem ― completou antes de beijá-la.

― Daniel, seu idiota! Eu odeio quando você aparece assim! ― Falou dando um tapa em seu braço.

Daniel? O garoto se transmutou diante de nossos olhos voltando a ter os cabelos loiros curtos de Daniel. Eu estava perplexa, mas todos a nossa volta pareciam achar aquilo perfeitamente normal.

― Loucura ― murmurei fazendo Nicholas sorrir.

― Tudo aqui é ― respondeu.

Descemos seguindo o fluxo de pessoas e nos acomodamos nas poltronas dispostas no lado esquerdo do salão.

― Estou um pouco assustado com tudo isso, para ser sincero ― confidenciou.

― Não é tão ruim assim ― devolvi, pois desde que chegamos meus nervos, antes a flor da pele, pareciam estar cada vez mais calmos.

Alicia se aproximou de nós, arrastando Florence consigo:

― Nicholas ― chamou parando em nossa frente. ― Infelizmente ainda somos um pouco antiquados e esse é o lado das meninas, os garotos ficam do outro lado ― apontou com o polegar para a outra ponta, majoritariamente vazia.

Ele suspirou e se levantou me dando um beijo na bochecha.

― Eu não vou desgrudar os olhos de você, okay? Não precisa ficar nervosa ― garantiu me fazendo revirar os olhos.

― Quem está nervoso aqui é você ― acusei.

Ele sorriu.

― Touché.

Após a saída dos dois, Alicia me deu um olhar confidente.

― Vocês estão juntos? ― Perguntou à loira.

― Nós mal nos conhecemos ― respondi lentamente.

Ela deu de ombros.

― Nunca se sabe.

― Há quanto tempo está aqui? ― Questionei mudando de assunto e cruzando as pernas.

Ela me encarou por alguns segundos antes de responder:

― Eu não sou a pessoa mais adequada para lhe responder isso, pois minha história é diferente. Em média, vocês costumam passar cinco anos aqui. No mínimo três e no máximo oito. Florence está aqui há quatro, não é querida? ― Indagou virando o rosto para a esquerda para olhar para sua amiga ruiva.

― Quatro anos e alguns meses ― ela confirmou antes de distrair novamente olhando o salão.

― É possível ser dispensado antes, é claro ― continuou a platinada. ― Mas isso é uma grande desonra que ninguém quer carregar.

― Quanto tempo eu vou ficar? ― inquiri apressadamente com medo de que ela fuja das minhas perguntas assim como Josephine fez.

― Quantos anos têm?

― Dezesseis ― sussurrei como se a menor exaltação pudesse espantá-la.

― Cinco ― respondeu sem nem hesitar. ― E então você se tornara uma Highter, uma verdadeira portadora da palavra de Crown.

Eu já havia entendido que Crown era a divindade que eles acreditavam, mas era isso que Highter significava?

― Até os vinte e um ― completei. Cinco anos era muito tempo. Onde Julian estaria em cinco anos?

― Exato.

― Fazendo o que? ― Questionei um tanto quanto exasperada.

Ela passou a língua nos dentes antes de sorrir.

― Isso você vai ter que descobrir por conta própria.

Meus pensamentos se derivaram para a única garota picotada que eu tinha conhecido. Ela tinha dezessete anos na época, aos dezenove ainda estaria ali.

― Alicia, você conhece alguma Lauren? Picotada há uns dois anos?

Alicia me olhou de soslaio e estalou a língua:

― Nenhuma de nós se chama Lauren ― disse sucintamente. ― Mas eu não poderia saber o nome de todos aqui, não é?

Então onde ela estava?

― Mas se ela veio, ela deveria estar aqui...

Os primeiros acordes de um violino soaram fazendo com que Alicia e todo o salão se levantassem. Fiz o mesmo.

Um piano se juntou ao instrumento de corda e eu identifiquei o som vindo da parte de trás da escada. O garoto de cabelo prateado tocava como se a sua alma fossem aquelas notas. O piano era maltratado da mesma forma pelos dedos longos de um garoto loiro. Na cauda do piano havia uma garota ruiva que olhava hipnotizada para os músicos.

― Quem é essa garota? ― Perguntei aos cochichos para Alicia. Ela seguiu o meu olhar e balançou a cabeça.

― Não tem ninguém ali.

― Como não? ― Questionei incrédula. ― Há uma garota ruiva na cauda do piano.

Ela sorriu, mas este não alcançou seus olhos.

― Pare de olhar, é apenas um eco.

Franzi as sobrancelhas.

― Eco?

― Fantasma de memória ― explicou. ― Aparece quando alguém para quem o eco foi importante invoca sua memória fortemente.

― Ela está morta? ― Perguntei alto demais fazendo algumas pessoas ao nosso redor nos olharem.

― Perto dele? ― Fez um som na garganta. ― Definitivamente está.

― Mas... ― tentei.

― Shhh, ouça Abigail ― pediu.

Olhei para a morena que se encontrava no centro do salão, berrando para ser escutada. Eu terei tempo para averiguar essa situação mais tarde assegurei para mim mesma.

― Nós vamos mudar tudo essa noite, eu posso senti-lo em meus ossos. Abracem a efervescência que se inicia nos seus pulmões. Aproveitem essa noite como se fosse a última. Aproveitem todas como se fossem, porque um dia será. Hoje se inicia mais um ano Lunar. Os Iniciandos conhecerão essa noite o que é uma festa de verdade. Comam, bebam, dancem e aproveitem.

― Arranje um par ― murmurou Alicia em minha direção.

― O que?

Casais começaram a se formar a nossa volta e a música que havia sido interrompida quando Abigail começou a falar, reiniciou.

― Aproveitem a noite, Iniciandos e residentes.

Nicholas se aproximou, vindo de lugar nenhum, aparentemente.

― Quer dançar? ― Perguntou.

Olhei em volta disposta a negar apenas para perceber que todos dançavam.

― Eu nunca dancei ― revelei envergonhada.

― Pode pisar nos meus pés.

Sorri para ele estranhando.

― Estou falando sério ― disse retribuindo meu sorriso. ― Suba no meu pé e vamos valsar ― exclamou animado. Mesmo receosa fiz o que me pediu.

― Está doendo? ― Perguntei bobamente.

― Não me importa ― deu de ombros ― eu vou valsar com você de qualquer jeito ― disse enquanto rodopiávamos pelo salão. Mesmo o meu vestido, que não era tão fluido como o das outras garotas, esvoaçava com os passos malucos de Nicholas e em um segundo estávamos do outro lado do salão.

― Como foi seu dia? ― indagou e assim como tinha sido em nossa viagem de ônibus, percebi que o silencio o incomodava profundamente, então apenas segui seu fluxo interminável de palavras.

― Bastante chato e o seu? ― Joguei de volta.

― Um tanto... apreensivo.

― Você é tão... ― estreitei os olhos tentando encontrar uma palavra que se encaixasse nele.

― Medroso? ― Indagou sorrindo. ― Lindo? As duas se encaixam perfeitamente em mim. O que acha?

― Uma mistura das duas, sim ― ponderei.

Sua risada escapou espontaneamente, daquelas que se inicia no fundo da barriga:

― Qual é sua coisa favorita no mundo? ― Perguntou mudando novamente de assunto. Ele fazia muito isso e em outro momento eu provavelmente o teria detestado, mas ali, naquele lugar, ele era uma distração e eu gostava dele.

Pensei na resposta para a sua pergunta por um segundo:

― Desenhar ― respondi finalmente.

― Sério? ― Ele franziu as sobrancelhas escuras. ― Não sabia que você era uma artista.

― Por quê? ― Ri abaixando os olhos. ― Eu não sou delicada o suficiente?

― Longe disso ― garantiu. ― Nem sei ao certo o que pensei, só sei que nunca te imaginaria desenhando sem que você me dissesse. Você pinta também? ― propôs.

― Sim, mas prefiro desenhar. A sensação do lápis entre meus dedos. Esfumaçar deixando a poeira na mão. Não há nada melhor.

Subi meus olhos para encontrar os seus, apenas para vê-lo sorrindo. Ele abriu a boca, mas antes que pudesse falar, fomos interrompidos.

― A dama me daria à honra dessa dança?

Virei-me para ver a cópia fiel do rapaz da minha visão.

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