Capítulo Quinze

Minhas mãos tremiam quando eu apertei a campainha.

― Já vai ― gritou Kelsey.

Nicholas me deu um beijo. Apenas um encostar de lábios, mas eu sabia que aquilo significava que ele estava comigo agora e se dependesse dele estaria para sempre.

Uma Kelsey com uniforme escolar, cabelo bagunçado e um copo de leite abriu a porta. O copo foi o primeiro a cair.

― Oh meu Deus. Oh meu Deus. Oh meu Deus. Charlotte! Charlotte! ― Berrou antes de me abraçar com a força ― tanto física quanto emocional ― da qual eu me lembrava perfeitamente.

― O que está acontecendo? ― Perguntou à morena entrando na sala e estancando ao me ver. ― Luna?

― Olá, Lottie ― respondi.

― Vamos! Entre minha querida! Eu tinha certeza que nos veríamos novamente! ― Exclamou.

Eu e Nicholas entramos e assim como ele, eu me senti estranha por estar ali, não sentindo, nem de longe, a familiaridade que eu esperei sentir. Passei a mão no meu colar e respirei fundo sentindo que algo importante estava por vir.

― As crianças estão tomando café antes da escola, vamos lá, comam um pouco.

Na mesa, havia um casal sentado de costas para nós, o rapaz virado para ela, os dedos entrelaçados, mas bastou um olhar para o cabelo preto encaracolado que eu sabia exatamente quem era.

― Traidor ― murmurou Kelsey se sentando ao seu lado.

― Crianças, nós temos visitas! ― anunciou Charlotte indicando que deveríamos nos sentar.

― Luna? ― disse o rapaz com a voz rouca, a pele negra pálida como se tivesse visto um fantasma.

― Olá, Julian ― respondi sorrindo.

Me aproximei para abraçá-lo, mesmo que surpresa pela clara evolução da sua relação com Ashley, a posição desconfortável por eu estar em pé e ele sentado, mas aquilo não importava porque eu estava junto do meu melhor amigo novamente.

Ele me abraçou com tanta força que eu senti o meu coração ser esmagado contra a caixa torácica e tive que engolir as lágrimas de alegria:

― Eu achei que nunca mais te veria, pequena ― engoliu em seco. ― Vamos lá para cima conversar?

Acenei, tentando engolir a emoção de reencontrá-lo.

― Escola em meia-hora, Julian, não se atrase! ― mandou Lottie ainda agindo como a general que eu me lembrava. ― E Kelsey vá limpar o copo que você derrubou.

― Eu já volto, Nicholas ― falei no ouvido do moreno. ― Coma enquanto isso, eu sei o quanto você deve estar faminto.

Quando nós chegamos ao Quarto Grande, encontrei alguns dos meus garotos favoritos no mundo. David e Kyle me abraçaram apertado, felizes por me ver, mas Scott quase saiu da própria pele, me agarrando e rodopiando no ar. Scott sempre foi meu preferido, ele tinha um parafuso a menos, mas era tão doce que tornava difícil não gostar dele e mesmo com os olhos vesgos ele era bonito do seu próprio jeito.

― Vocês podem nos deixar sozinhos? ― pediu Julian tentando se manter paciente.

Os garotos, no entanto, o ignoraram completamente:

― Luna, o que você está fazendo aqui? Você fugiu? ― indagou David animado.

― Não ― me apressei em garantir. ― Estar aqui é um completo golpe de sorte, logo precisarei voltar.

― Quanto tempo você pode ficar? ― perguntou Kyle em uma corrida.

Balancei a cabeça para um lado e para o outro não querendo lhes dar falsas esperanças:

― O tempo é incerto ― expliquei esfregando os cabelos de Scott que ainda estava. ― Tenho duas tarefas que preciso executar.

― E que tarefas são essas? ― inquiriu David de braços cruzados.

― A primeira era ver vocês e a segunda é ir à casa de meus pais ― respondi suspirando. Eu havia me esquecido como eles poderiam ser abelhudos.

― Tem certeza de que isso não vai te fazer mal? ― questionou Kyle franzindo as sobrancelhas.

― É algo que preciso fazer, quer eu goste ou não ― tentei explicar.

Eu precisava voltar à casa de meus pais para finalmente encerrar aquele ciclo da minha vida, mas não achava que eles entenderiam isso, não quando eles tinham tanto medo do Picote quanto eu tinha antes de ser escolhida.

― Vocês podem por favor nos deixar sozinhos? ― Julian quase implorou, mas não recebeu nem um olhar.

David tomou minha mão e puxou meu olhar para o seu:

― Você vai estar aqui quando voltarmos da escola? ― perguntou parecendo vulnerável, suas sobrancelhas escuras caídas sobre os olhos pretos.

Em breve ele faria dezoito anos, me lembrei, e mesmo que eu conseguisse voltar, por um milagre, mais uma vez, ele não estaria mais ali. Ainda assim, hesitei em responder, não queria fazer promessas que não seria capaz de cumprir nunca mais.

Parecendo perceber minha relutância, Scott me puxou para os seus braços de novo:

― Por favor, esteja,Luna, ninguém aqui é tão bom quanto você no jogo de Ursa Mais Velha!

O nome do jogo era Ursa Maior, mas eu não iria corrigi-lo:

― Vou tentar ― era tudo que eu podia assegurar.

Os três me abraçaram mais uma vez antes de saírem e fecharem a porta. Eu gostaria de falar com Amy e Peter, minha dupla inseparável preferida, mas não podia perder a chance de me acertar com Julian primeiro, ele ainda era uma das minhas maiores prioridades.

Eu me sentei na cama que costumava ser minha, me perguntando por um segundo, se alguém novo a havia ocupado da mesma forma que Ashley havia ocupado meu lugar na vida de Julian. O moreno se sentou na minha frente e decidi começar a nossa conversa por esse ponto:

― Fico feliz por você e Ashley ― ofereci, minhas palavras cheias de verdade porque era assim que eu me sentia. Eu queria que ele fosse feliz. ― Mas como isso aconteceu? ― provoquei porque ele ainda era meu melhor amigo e eu não podia perder a oportunidade. ― Da última vez que os vi, vocês não se davam muito bem.

Ele riu, coçando o cabelo crespo curto:

― Não sei dizer, só aconteceu, sabe? Aparentemente ela é bem legal quando não está se engalfinhando com Kelsey ― seus olhos se suavizaram ― e eu realmente gosto dela, não pensei que isso fosse possível ... depois, mas gosto.

― Julian Ryder apaixonado. Como é fácil a queda dos mais altos! ― brinquei, mas seus olhos verdes já tinham se tornado sérios.

― Então, como vamos fazer isso?

Minha mente correu por alguns segundos, sem entender ao que ele se referia:

― Como vamos fazer o que?

― Fugir, não acredito que você pensou que eu não iria com você ― ele cruzou os braços, um sorriso fácil iluminando seu rosto.

― Julian, eu não vou fugir ― anunciei, as sobrancelhas franzidas, preocupada com sua reação.

― Claro, você precisa ir até a casa dos seus pais, mas depois disso, não é possível que você queira voltar sabe se lá para onde ― ele colocou os cotovelos nos joelhos. ― Aliás, eu quero saber cada detalhe, para onde você foi, o que aconteceu, como você voltou...

Meu coração começou a bater acelerado, em pânico, sem saber o que dizer para o meu melhor amigo, sem saber como desapontá-lo com gentileza:

― Julian... ― iniciei, mas eu não fui capaz de terminar a frase, pois Amy entrou no quarto Grande.

― Luna! ― gritou, mais vida dentro dela naquele único berro, do que eu havia visto em anos morando com ela. ― Peter, venha!

― Olá, loirinha ― respondi me afastando do moreno e indo em sua direção.

Ela me abraçou como se não nos víssemos durante uma vida inteira, e de certa forma se parecia com isso. Logo Peter estava junto dela, como sempre havia sido, e eu o cumprimentei também, minha mente buscando uma resposta lógica para oferecer a Julian.

Charlotte entrou no Quarto Grande às pressas, suas faces rosadas pelo esforço:

― Não fui informada de que a presença de Luna afetava o horário da escola ― demandou, as mãos na cintura. ― Vamos logo!

Julian me deu um olhar significativo:

― Mais tarde ― murmurou ao passar por mim.

Eu não pretendia estar aqui quando ele voltasse, então acenei. Segui junto com eles para o andar de baixo e Nicholas me encontrou no umbral da cozinha, um bolinho em suas mãos, a boca mastigando nervosamente:

― Tudo bem? ― indagou tocando meu ombro conforme eu me direcionei para a mesa para pegar um bolinho igual ao dele, sem fome, mas sabendo que precisava forrar o estômago para me preparar para o que viria a seguir.

Balancei a cabeça em concordância, mordendo o bolinho para não ter que dizer a verdade, que eu ainda não sabia como partir o coração do meu melhor amigo.

Após terminarmos, espanei os farelos caídos e coloquei nossos copos na pia:

― Pronto?

― Quando se trata de te ajudar, sempre ― ele me deu o braço e eu o tomei.

Encarei a casa amarela por alguns minutos sem me mexer. Ela havia sido reconstruída pelo governo após a morte deles, para que eu a recebesse quando completasse a maioridade.

Tantos sonhos e esperanças depositados naquela singela casa amarela. Charlotte sempre disse que eu era muito teimosa e que, às vezes, era o mesmo que eu pegasse um touro pelos chifres e perguntasse: "E agora? O que vai ser? Eu ou você?" Eu sempre pensei que isso fosse uma coisa boa, que demonstrava toda a minha coragem. É uma pena, que eu tenha levado tanto tempo para perceber que aquilo demonstrava, na verdade, minha fraqueza. Mas eu não sou mais fraca. Nunca mais.

Entramos. A casa só tinha o essencial, um sofá, um fogão, uma geladeira e uma cama. Parecia uma casa fantasma, e se levássemos em consideração o que aconteceu com os meus pais ali, era.

Eu havia planejado durante tanto tempo morar ali com Julian quando me tornasse maior de idade e dona do meu próprio nariz, mas agora, com o corpo ali dentro e a consciência parecendo tão distante, aqueles devaneios pareciam distantes, quase como um sonho.

Quando entramos no último cômodo da casa que ainda não havíamos investigado, o quarto de meus pais, aconteceu o mesmo que na Zone 3. Meu coração se afundou e eu caí de joelhos. Eu me arrastei até uma tábua solta no chão e Nicholas a arrancou. Perdida no meio de toda aquela poeira existia uma pequena chave que eu peguei com delicadeza. No minuto que aquilo tocou meus dedos, eu senti um súbito mal-estar e perdi os sentidos.

A mulher das outras visões Sophia estava no mesmo lugar que eu e Nicholas. Ela se encontrava ajoelhada no chão, usava um vestido preto e uma barriga já proeminente. Ao arrancar a tábua ela escondeu a pequena chave.

― Me dê isso, Luna, só vai te fazer mal ― escutei Nicholas pronunciando. Quando ele tomou a chave das minhas mãos eu despertei.

Voltamos para o orfanato pouco antes de eles chegarem da escola. Eu queria ir embora direto, mas encontrar aquilo me enfraqueceu de forma inominável e Lottie, vendo como eu estava abalada, nos serviu o almoço para que eu pudesse cochilar. Eu me deitei na minha antiga cama e dormi até o anoitecer.

A primeira coisa que vi quando abri os olhos, foi Julian sentado como uma assombração na cama dele, que ficava ao lado da minha.

― Acordou ― declarou com um pigarreio.

― Obrigada por essa informação, senhor óbvio ― brinquei com dificuldade de fazer as palavras passarem pelo deserto que era minha garganta.

― O que aconteceu para te deixar nesse estado? ― perguntou com preocupação escorrendo de seus olhos, a mão indo em direção a minha testa para verificar minha temperatura.

Fazendo um esforço para puxar meu corpo para cima consegui me sentar apesar dos músculos doloridos:

― Acho que exigi mais do meu corpo do que ele estava disposto a dar.

― Ainda bem que essa é a última vez que isso acontece, porque nós vamos embora ― ele comentou como se não fosse nada demais.

Senti meu sangue congelar porque havia me esquecido completamente desse problema e desviei o olhar implorando para que ele não tivesse me visto empalidecer:

― Sim, claro, você tem algum plano em mente? ― lhe ofereci um sorriso amarelo.

― Acho que poderíamos ir em direção às margens do continente, você sabe que eu nunca vi o mar, só nossos PDCS, uma mochila e uma nova vida.

Eu não tinha o meu PDC comigo e isso era só mais um item na longa lista de defeitos no plano ilusório dele, mas não podia dizer isso, não podia partir o coração do meu melhor amigo dessa forma.

― E Ashley? ― tentei.

Seus olhos ficaram tristes, mas não tive tempo para comemorar o fato de eu ter atingido um nervo.

― Eu voltarei quando ela se tornar maior de idade, até lá já teremos dado um rumo em nossas vidas, tenho certeza.

― Claro ― pronunciei lentamente. ― O que acha de partirmos ao amanhecer? Antes que todos acordem?

Ele sorriu:

― Combinado. Você claramente precisa descansar mais de qualquer forma, está parecendo uma porcaria.

Soquei o braço dele:

― Idiota.

Em seguida, nós jantamos e eu tentei aproveitar a bagunça dos meus antigos amigos, evitando pensar em como precisaria abandoná-los mais uma vez em poucas horas. Nicholas se misturou bem, rindo de piadas e oferecendo ajuda a Charlotte como o cavalheiro bem educado que era. Quando ele começou a levar os pratos para cozinha, eu o segui:

― Precisamos partir antes do amanhecer, assim que todos eles tiverem adormecido.

O moreno me deu um olhar curioso, como se quisesse saber o motivo daquela exigência, mas apenas acenou:

― Voltamos para a minha casa ou vamos direto? ― Seus olhos não estavam em mim e eu hesitei sem saber o que responder.

― Você quer voltar para casa?

Sua boca se tornou uma linha sem cor e ele balançou a cabeça:

― Se não for necessário...

Acenei, não sabia ao certo a fonte da má relação de Nicholas com sua família, mas não o forçaria a passar por isso se ele não queria:

― Vamos direto, então.

Na praça do relógio, em frente à prefeitura, a mesma na qual havíamos aterrissado, clamei por Crown. Eu não sabia em que momento, entre começar a ouvir todos falando sobre ele e agora, eu havia começado a realmente acreditar que ele fosse uma verdadeira divindade. Talvez quando ele, não apenas falou dentro da minha cabeça, avisando-me sobre uma descoberta amarga, mas também atendeu o meu desejo. O que importava era que, naquele instante, eu implorei para que ele nos levasse para casa, preocupada por um segundo que não houvesse pensado até então, em uma maneira de ir embora dali, mas ele não nos decepcionou e assim que conclui o pensamento estávamos no Complexo.

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