Capítulo Oito
Nicholas pareceu receoso, mesmo assim fez uma reverencia em minha direção antes de se afastar.
― Eu te reconheço de algum lugar ― estabeleceu o rapaz pegando a minha mão direita e colocando a sua outra em minha cintura. ― Seriam os olhos puxados talvez? ― refletiu.
Dei de ombros não gostando do rumo que a conversa tomava:
― Não são tão raros assim ― retruquei.
Ele pareceu perceber meu desgosto, pois se apressou para mudar de assunto:
― Onde está a minha educação? ― Franziu as sobrancelhas como se estivesse preocupado, mas algo dentro de mim clamava que aquilo era apenas uma cena ― Nem perguntei para dama qual é o nome dela, você poderia me dizer, bela?
― Luna Canberight ― respondi o achando mais que idiota.
― O meu é Adam Draacon ― informou inclinando a cabeça com um sorriso charmoso.
Arregalei os olhos:
― Draacon como na lenda? ― Questionei subitamente interessada.
― Exatamente como na lenda, somos uma família bem antiga e poderosa ― falou presunçoso antes de estreitar os olhos em minha direção. ― Acho que já sei com quem você se parece, pequena dama.
― Com quem? ― Indaguei quase desesperada querendo resolver esse mistério de uma vez por todas.
― Tem uma pintura dela no corredor do meu quarto, posso te levar lá e mostrar-te ― disse com um meio sorriso.
Pisquei surpresa pela sua ousadia.
― Como se atreve? ― Falei elevando a voz.
Suas sobrancelhas subiram.
― Não foi isso que eu quis dizer ― apressou-se em corrigir. ― Eu estava falando sério sobre o quadro, o nome da mulher é Sophia Chan Young... ― minha mente invocou a lembrança da minha visão. A mulher se chamava Sophia, não?
― Luna ― berrou Alicia se aproximando pela esquerda fazendo uma leve reverência para Adam antes de completar: ― Jantar.
― Eu aceito sua oferta ― disse para Adam antes de também repetir a reverência e me afastar.
― Você não deve ficar perto de um Draacon ― avisou ― eles não prestam, malditos bastardos ― ela revirou os olhos, toda altiva e loira. ― Uma família toda de homens, o que esperávamos?
― Uma família toda de homens? ― Perguntei duvidosa.
― A prole deles sempre é masculina, nunca nasceu uma só menina ― garantiu como quem sabe das coisas.
― Como isso é possível?
― Bem, que eu saiba eles sempre se casam com mulheres sem poder para não acontecer miscigenação, assim o poder do dragão se mantém e o sobrenome não se perde ― ela revirou os olhos. ― É idiota, é claro, mas não é incomum entre famílias de Highters.
A conversa sobre poder chamou minha atenção, mas preferi não demonstrar quão pouco conhecimento eu tinha sobre aquele mundo que eu havia acabado de adentrar visto que eu já a tinha soterrado de perguntas mais cedo e seu conhecimento lhe conferia poder, optei por escancarar minha indignação quanto ao que ela tinha dito:
― Como éguas para dar cria? ― Perguntei com as sobrancelhas erguidas. Ela acenou, balançando a cabeça com desgosto obvio.
Ela acenou, balançando a cabeça com desgosto óbvio:
― Sabendo disso você entende o aviso, não é? Qualquer uma que ele coloque os olhos aqui dentro é apenas um passatempo, pois por mais irreverente que ele pareça, jamais teria culhões para ir contra a tradição familiar.
O assunto terminou pois chegamos ao que parecia ser um refeitório com três mesas longas e retangulares dispostas diante de janelas que iam quase do chão ao teto. As mesas de jantar estavam repletas de comida e conforme seus lugares começaram a ser ocupados, as mesmas mulheres e homens uniformizados que eu tinha visto no dia anterior puseram-se a correr ao redor delas para garantir que todos estivessem servidos.
Ao chegamos à mesa de sua escolha, ela sentou ao meu lado para continuar sua história:
― Dizem que o tio de Adam, Jonathan se apaixonou por uma bruxa, e a engravidou, apesar de ela não admitir que o bebê fosse dele ― tomou folego. ― Houve uma grande tragédia, ela morreu e a criança sumiu, ele se afastou da família e assim que o seu prazo aqui acabou, ele se reclusou na vila do complexo fixo e apenas... enlouqueceu.
O nome do homem também não era Jonathan? Aquilo que eu vi tinha realmente acontecido? A mulher ― Sophia ― era uma bruxa? Ele um Draacon?
― Isso é verdade? ― inquiri com a pele arrepiada.
Ela deu de ombros.
― Ninguém sabe ao certo, mas dizem que sim ― ela inclinou a cabeça de forma contemplativa. ― Ele veio aqui algumas vezes, mas Abigail nunca deixou ninguém o ver.
Havia mais naquilo, mas nossos pratos foram servidos e isso encerrou a conversa por ali. Pensei que Abigail fosse dizer algumas palavras, mas isso não aconteceu e um jantar variado foi servido. Alguns dos pratos me eram familiares, mas alguns dos cozidos, assados e vegetais simplesmente pareciam de outro planeta.
Nicholas acabou ficando longe de nós, do outro lado da mesa, e eu lhe lancei um olhar triste. Gostaria de conversar com ele também.
Após o jantar, decidi que era uma boa ideia verificar a minha aparência no banheiro. Eu só tinha um pequeno problema, não tinha ideia se havia um de uso comum ali embaixo e não estava disposta a ir até meu quarto para algo tão estupido.
― A senhora pode me dizer onde fica o banheiro? ― Perguntei a moça que retirava os pratos da mesa.
― Siga aquele corredor, terceira porta a esquerda ― respondeu com os olhos presos em seu trabalho.
― Obrigada ― agradeci me levantando antes de me despedir de Alicia e acenar para Nicholas.
Segui o corredor, mas antes que pudesse entrar uma conversa na porta da frente me chamou a atenção. Como se estivesse enfeitiçada, caminhei até ela e espiei pela frestinha que estava aberta.
Abigail Bayliss e uma das gêmeas Spencer ― a essa distância eu não era capaz de identificar qual das duas ― conversavam em um sofá. Abigail não parecia nem um pouco feliz com o que quer que fosse que a outra estava lhe falando.
― Você passou o dia todo querendo me contar algo, Johanna, agora estamos sozinhas, vá em frente.
A loira apertou as mãos esguias que jaziam em seu colo:
― Aconteceu um pequeno problema, você sabe que diversos ataques rebeldes estouraram nos últimos dias ― declarou rapidamente. ― E, bem, o Picotado que não chegou acabou de ser notificado como morto em um deles.
Meu coração começou a pulsar com tanta força que eu conseguia ouvir o sangue correndo em meus ouvidos. Existiam pessoas descontentes com a forma soberana com a qual a Verhallow governava nosso mundo, pessoas que queriam escolher nossos governantes por si mesmas, mas que bem isso tinha causado ao mundo antigo? Ataques rebeldes não eram tão raros, mas os que tinham vítimas sim.
― Que Crown me ajude! ― proferiu Abigail. ― Onde?
Johanna pareceu temerosa, mas respondeu mesmo assim:
― Tax ― falou baixinho.
― Esse lugar infernal! ― berrou a morena. Respirando fundo para se controlar, ela abaixou a voz. ― Me perdoe pelo meu temperamento, Johanna, a batalha final se aproxima e pesa sobre meus ombros cada vez mais ― suspirou. ― Entretanto, não devemos perder as esperanças, precisamos agir com cautela. Façamos o Guide antes do habitual, como uma cortina de fumaça, não preciso que ninguém aqui dentro se preocupe com o que está acontecendo do lado de fora.
― Parece o melhor a se fazer ― disse a outra parecendo ponderar se continuava ou não ― Mas será uma desonra aos desígnios de Crown, o Scan sempre foi antes ― falou em voz baixa.
Abigail pareceu considerar o que foi dito por Johanna como um insulto e devolveu com a voz mortalmente afiada:
― Eu sempre achei que a tarefa deveria ser feita com o objetivo de destacar os mais honráveis, eles se tornam muito mais esnobes quando tem uma vaga noção do que são capazes.
― Mas... ― a loira parecia perdida ― como dividiremos os grupos sem o auxílio do Scan? Sem saber seus pontes fortes ou fracos? ― indagou por fim.
― Coloquemos os que conhecemos a história e sabemos serem fortes nos grupos que sabemos ter estruturas frágeis. Os maiores heróis devem ser forjados em meio à privação e dificuldades.
― Do Picote desse ano quem você colocaria no grupo cem? ― propôs a loira como se para apaziguar a outra.
― No pior de todos? ― Ela riu suavemente. ― Eles brigam tanto que jamais conseguiram completar a mais simples das tarefas. Luna Canberight, eu acho. Aquela garota... Eu não sei. Há uma faísca em seus olhos que eu só vi em uma única pessoa antes dela. Eu era apenas uma criança, mas jamais me esquecerei de como essa faísca queimou e destruiu a sua dona. Estou garantindo que a história não se repetirá. Ela é diferente da outra e possuirá pessoas confiáveis ao redor dela, além de que, aparentemente não tem o temperamento de cadela mimada que a outra tinha. Mesmo que exista certo parentesco entre as duas...
Ela parou de falar abruptamente e eu caio no chão quando a porta é aberta.
― Luna? ― Perguntou. ― O que faz aqui? ― A sua voz era irônica e percebi que ela sabia que eu estava ouvindo.
Levantei-me rapidamente limpando a saia do vestido.
― Estava procurando o banheiro ― respondi. Não era mentira.
― É a porta da frente ― apontou com o dedo magro de unhas bem-feitas. ― Mas você já sabia disso.
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