Capítulo Nove
Na manhã seguinte, tomei café com os outros, desesperada para voltar para o meu quarto e escrever no meu "diário". Mas quando me sentei na escrivaninha para escrever, Josephine entrou.
― Bom dia, Luna! ― Disse em seu estado de animação habitual.
― Dia ― respondi desanimada pela interrupção.
― Eu só vim para avisar que essa tarde haverá bazar, já que só teremos nós meninas. Os garotos vão se perder na floresta com a desculpa de caçar ― ela revirou os olhos. ― Henry deveria parar de enganar os novatos, nenhum deles vai ser melhor que ele ou sua alcateia, tendo um faro de lobo como ele tem. ― ela sorriu como se aquela fosse uma piada secreta, mordi a língua para não gritar que eu não havia entendido. ― Samantha deixou alguma coisa que você não vá aproveitar?
Ela falava como se Henry fosse um lobo e depois de todas as bizarrices que eu tinha visto desde que havia chegado ali, decidi partir do princípio de que aquilo era literal.
― Tem um par de sapatos pequenos ― eu disse a levando de volta a conversa original.
― Leve-os. Tem vários vestidos bonitos e outras coisas também, que se parecem com você, como calças e tênis ― falou com as sobrancelhas franzidas. Contive uma risada, ela era adorável de uma forma infantil. ― Eu tenho que ir, ― ela foi em direção à porta, mas antes de sair se virou para mim. ― Te aconselho a usar vestidos enquanto estiver na Seita. O bazar é um ótimo lugar para conseguir alguns.
― Eu não tenho nenhum dinheiro ― avisei.
Ela me recusou com um gesto de mão.
― Não é por dinheiro, vá lá e pegue o que quiser, sem medo.
― Mas porque fazer isso? ― questionei curiosa. ― Ainda mais de graça?
― Nem todo mundo aqui vem do alto, Luna. Alguns trazem tudo o que tem e alguns acham que vão morrer e não trazem mais que a roupa do corpo ― ela deu de ombros parecendo amolecer por um segundo. ― Nós só queremos fazer todos se sentirem confortáveis com suas novas vidas ― e voltando ao seu normal: ― E sempre temos roupas sobrando com tantos vem e vais, não seria legal sermos egoístas.
E antes que eu pudesse responder ela já havia saído. O que eu esperava? Era com Josephine que eu estava falando.
Revirei os olhos e comecei a escrever:
Ontem foi meu Firsting. Eu ouvi uma conversa muito estranha entre Abigail Bayliss e Johanna Spencer. Elas falavam sobre ataques rebeldes em Maryland e depois mudaram drasticamente de assunto. Abigail falou sobre uma batalha que se aproxima, e sobre uma mulher que possui algum tipo de parentesco comigo. Foram mencionadas duas palavras que eu não conheço: Guide e Scan. Pelo que eu entendi, Guide é uma tarefa dividida em grupos que temos que executar, Abigail disse que me colocaria no pior de todos. Ela também disse que conheceu uma mulher que tinha a mesma faísca que eu tenho nos olhos e essa mulher não teve o melhor dos fins.
Errei as duas últimas letras graças a uma batida em minha porta.
― Luna ― chamou.
Levantei-me e abri a porta apenas para encontrar Nicholas vestido com jeans e camiseta. Revirei os olhos para o seu sorriso.
― Por que você pode andar por aí vestido assim e Josephine quer que eu use vestido? ― Questionei ao universo.
― Talvez porque as suas pernas duram dias ― respondeu. Minha boca se escancarou pela sua cara de pau.
― Ganha pontos pela honestidade ― ponderei. ― E pela língua, mas perde alguns pela mentira.
Ele revirou os olhos e deu de ombros.
― Com quantos pontos estou no total?
― São tantos concorrentes ― suspirei falsamente ― posso levar algum tempo para contabilizar tudo. Mas, ― olhei para os lados como se fosse dizer um segredo. ― Você está em primeiro. Isso não é bom?
― Depende. O que eu ganho?
Girei em meus pés.
― O que acha disso? ― Indaguei bobamente.
― Perfeito ― sorriu.
Ele se jogou na minha cama como se fosse a dele, enquanto eu ria e o encarava.
― O que você veio fazer aqui?
― Eu e os garotos vamos caçar ― declarou como se isso explicasse tudo.
― Caçar?
― Sim, Henry disse que se os novatos pegarem qualquer animal, independentemente do tamanho, ganharemos um prêmio. Qualquer coisa que quisermos.
― E daí? ― Perguntei sem saber aonde ele queria chegar.
― Vou pedir para ele nos ensinar como nos guiarmos através do labirinto.
― Você e os novatos?
― Eu e você ― disse como se explicasse tudo.
Fiquei surpresa por sua mente ter ido pelo mesmo caminho que a minha e naquele momento decidi dividir com ele tudo que eu tinha descoberto até ali:
― Tenho uma coisa para te mostrar ― anunciei pegando o diário improvisado e o caderno de desenhos de cima da escrivaninha antes de me aproximar e lhe entregar os dois.
― Que susto! Por um segundo pensei que iria tirar a blusa... ― brincou.
Corei e dei um tapa em seu braço.
― Veja isso, idiota ― demandei antes de mostrar o esboço que eu tinha feito do labirinto.
Ele acompanhou as linhas com o dedo indicador, parecendo fascinado pelos traços:
― Você estava mapeando ― murmurando.
― Parece que pensamos na mesma coisa ― concordei. ― Como se fossemos um time.
― Time de Maryland ― seu sorriso era tão brilhante que tive que desviar os olhos.
― Agora leia isso aqui ― indiquei o bloco.
Ele o abriu e encarou as duas fotos que eu tinha colado. Bateu-me então que eu tinha escrito sobre o meu beijo com Julian e por algum motivo não queria que ele lesse aquilo. Tomei o bloco de suas mãos e coloquei na página que havia escrito hoje.
Ele leu e ficou em silencio por um tempo.
― Ao menos espero que fiquemos no mesmo grupo ― declarou com a voz rouca.
Estreitei os olhos por um segundo.
― De tudo o que escrevi está é tua única consideração?
Ele fechou os olhos com força.
― Eu não tenho resposta para nada mais.
Ele me abraçou desajeitadamente na posição que estávamos e beijou meu cabelo repetidas vezes.
― Eu te prometo ― começou ― que não importa o que tenha acontecido com a mulher não vai acontecer contigo. Eu juro. Pelo meu sangue. Pela minha família. Pela minha honra. Pelos meus...
― Nicholas, não! ― Rosnei alarmada. Tapei sua boca com força quando percebi o que estava fazendo. Um juramento de sangue. ― Você não pode fazer algo assim por mim, mal nos conhecemos. Você não pode prometer algo, não esse tipo de promessa, quando não tem controle de todos os fatos.
― Está tudo bem ― ele passou as costas da mão levemente no meu rosto me deixando arrepiada e sorriu. ― Eu pararia de ser tão medroso por você.
Nicholas havia ficado no meu quarto até uma das criadas bater na porta para avisar sobre o almoço. Ele havia caído da cama com o susto. Eu ri e o mandei se divertir na Caçada e ele me deu um beijo na testa antes de ir.
Desci as escadas pulando de dois em dois degraus com os sapatos nas mãos.
― Coloque os sapatos ali, Luna ― berrou Josephine.
Fiz o que ela indicou e me sentei em uma das poltronas para assistir aquela bagunça guiado. Não demorou muito, para tudo ficar pronto.
Alicia veio até mim, um sorriso no rosto angular, e me arrastou para o turbilhão de garotas antes de fazer uma reverencia:
― Gostaria de te fazer companhia, mas Jose me recrutou como ajuda gratuita e tenho que ir para onde ela manda ― completou com um revirar de olhos antes de ir atrás da mais velha.
Olhando ao redor, notei uma das loiras que estava próxima de mim na noite de apresentação:
― Jackeline ― chamei me aproximando.
― Hey, Luna ― ela pareceu surpresa e ajeitou os óculos. ― Não pensei que fosse lembrar meu nome.
― Acredite, acho que me lembro de cada detalhe daquela noite ― confessei.
― É ― ela concordou. ― Foi assustador.
― Sim, muito ― aparentemente eu era péssima em conversação, mas como não queria deixar o assunto morrer, corri para o básico. ― Como você está?
― Estou tentando entender tudo, eu acho. Você tem sorte de ter alguém para te ajudar.
Franzi as sobrancelhas tentando entender o seu comentário.
― Nicholas ― esclareceu.
Por que todos achavam que eu e Nicholas tínhamos algo?
― Eu e ele não estamos juntos.
Ela deu de ombros como se não acreditasse nem um pouco.
― Luna ― disse uma voz enjoativa atrás de mim.
― Hey ― respondi me virando para ver Dakota Skyline que usava uma roupa capaz de mostra ainda mais pele do que a última.
― Podemos conversar por um segundo? ― Pediu.
― Sim ― respondi temerosa. O que diabos ela quer comigo?
― O que você tem com o Nicholas? ― Perguntou sem rodeios.
Wow. Ela é bem direta.
― Eu e ele não temos nada ― respondi. Porque afinal era verdade. Não era?
Ela riu.
― Não me leve a mal, mas ele parece bem interessado em você.
― Nós nos conhecemos há quatro dias ― declarei com as sobrancelhas arqueadas sem saber onde ela realmente queria chegar. Ela estava interessada nele?
― E que diferença isso faz? Não estou falando de amor. Estou falando de atração física e ela é instantânea. O amor vem com o tempo e nem é tão importante assim. Eu quase posso ver as ondas de desejo indo a sua direção ― ela fez uma careta como se odiasse esse pensamento. ― Além de mais, ele é bom de olhar. Aqueles olhos são lindos e você já viu o volume em suas calças?
Arregalei os olhos para isso e ela riu.
― Ora, não seja tão puritana! Como minha mãe já dizia: olhar não é pecado! ― Ao falar da mãe seus olhos ficaram tristes. ― Eu sinto muita saudade dela.
― Vocês eram muito próximas? ― Perguntei mudando de assunto antes que pudesse me parar.
― Quase como irmãs ― engoliu. ― Eu nunca tive amigas, as garotas da escola me odiavam, puxavam meu cabelo e rasgavam meus desenhos quando éramos pequenas e quando crescemos começaram a espalhar boatos maldosos. Minha mãe sempre disse que aquelas vadias magrelas tinham inveja das minhas curvas.
Eu ri.
― Provavelmente era verdade.
Ela sorriu tristemente.
― Hoje eu vejo isso.
― O que vocês estão fazendo? ― Perguntou Josephine se aproximando. ― Escolham algumas coisas ― ordenou.
― O que é aquilo? ― Investiguei apontando para a arara de panos coloridos e brilhantes.
― Sáris. Johanna trouxa uma mala inteira deles quando visitou o lado oriental da subseção Samuel ― respondeu a loura.
― Ela não quer mais? ― Indagou Jackeline que aparentemente tinha ficado ali o tempo todo.
― Johanna não é do tipo que mantêm as coisas para ela por muito tempo. Em um minuto ela quer e no minuto seguinte não quer mais ― ela cuspiu e pareceu que ela estava falando sobre algo mais e isso foi confirmado logo em seguida: ― Exatamente como ela fez com Danny ― balançou a cabeça, enojada. ― Escolham algo meninas, não sejam tão acanhadas ― com isso ela saiu andando.
― Wow ― declarou Dakota. ― Quem é Danny?
― O noivo dela ― respondi também um pouco chocada.
― Caramba! Ela pegou o noivo descartado da irmã? ― Falou alto demais.
Encolhi-me interiormente, odiando o rumo que aquela conversa estava tomando e comecei a escolher algumas coisas que me pareciam viáveis. As meninas mais novas pareciam mais interessadas em conversar entre si do que realmente escolher algo, então tínhamos muitas opções. Conversei mais um pouco com Jackeline e Dakota, mas apenas amenidades, nenhuma de nós tocou no grande ponto de interrogação que era a Seita. No final, eu tinha vestidos suficientes para a vida toda, o que acabou me fazendo precisar de quatro viagens até levar tudo para o quarto e pedir ajuda para Dakota.
No fim da noite, após o jantar Nicholas se aboletou em meu quarto parecendo não ter a menor pretensão de sair.
― Tenho uma coisa para te contar ― declarou.
― E o que seria? ― Retruquei ainda tentando guardar tudo no armário.
― Eu consegui. Pegar um animal, quero dizer. Bem, eu e outros quatro, mas eu consegui e é isso que importa, não é?
― Claro ― respondi meio desinteressada.
― Henry disse: "Apesar de eu ter certeza que Josephine irá nos matar, estejam aqui as seis da manhã".
― Josephine irá nos matar ― eu disse ― que pensamento mais agradável.
Ele sorriu como se aquele pensamento fosse realmente agradável.
― Eu venho te buscar amanhã ― disse quando o levei até a porta.
― Eu te espero ― respondi. Ele não parecia com vontade nenhuma de ir embora e eu não tinha vontade nenhuma de fechar a porta também.
― Bem, eu acho que é isso ― sussurrou. ― Te vejo amanhã, Luna ― concluiu antes de começar a descer o corredor.
Fechei a porta e fiquei alguns segundos encostada nela. O que diabos era aquilo?
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