Capítulo Doze
Vesti uma blusa rosa de manga comprida, casaco e cachecol já que, apesar de não estar tão frio quanto o dia anterior, eu não queria congelar até a morte aonde quer que nós fossemos.
Nicholas e eu descemos de mãos dadas. Apesar de passarmos cada minuto livre juntos e ele ainda não havia feito nenhum movimento... Onde estava a minha cabeça? Nos conhecíamos há pouco mais de uma semana! Então por que eu sentia como se fosse muito mais?
Quando nos viu, Alicia balançou as sobrancelhas para cima e para baixo e sorriu como se aquela fosse à maior fonte de diversão dela em anos.
Cutuquei Nicholas que olhou para mim, apontei o queixo em direção à loira, ele olhou para ela, sorriu e pegou minha mão. Fiquei tão estupefata que ele teve que me arrastar para a fileira dos novatos.
― O que foi isso? ― Perguntei aos sussurros.
― Quantas negativas você já deu a ela, Luna?
― Inúmeras ― respondi.
― Adiantou?
― Não.
― Demos a ela o que ela quer, então.
Ele deu de ombros e eu o encarei boquiaberta por alguns segundos antes de desviar o olhar para as pessoas espalhadas a nossa frente.
Os veteranos estavam divididos em muitos grupos a nossa frente. Eu tentei contá-los, mas perdi a conta ao chegar a 89, já que eles não paravam de se mexer nem por um segundo.
― 502 ― declarou de repente Maxwell Aberthany ao meu lado. Eu me lembrava dele, pois ele era o garoto que o rapaz assustador encarava.
― Como você conseguiu contar?
― Noventa e sete Grupos com cinco, dois com seis e um com quatro.
― É um exército ― eu disse.
― Não chega nem perto de um exército, no mundo antigo, um exército se constituía por cerca de cem mil soldados comandados por um general e... ― Começou, mas Nicholas o cortou.
― Relaxa cara, ela não estava falando ao pé da letra, era apenas uma comparação.
Maxwell fez uma careta de desgosto, fofa no seu pequeno rosto moldado por cachos ruivos, mas não respondeu.
― Você é inteligente ― falei, minha admiração clara naquelas palavras.
Ele deu de ombros e eu percebi que seus olhos estavam tristes.
― Meu irmão mais velho é muito mais inteligente que eu ― murmurou virando para frente e nos ignorando.
Calei-me. Era uma pena que mesmo estando ali, ele ainda não havia percebido que era especial. Era ele que havia sido escolhido, não seu irmão.
Abigail entrou no recinto com um vestido cinza, majestosa como sempre. Ela carregava um papel nas mãos e uma sensação horrível se apoderou de mim ― a mesma que eu senti durante os Anúncios.
Senti um mal súbito e me apoiei em Nicholas. Ele me puxou pela cintura e me abraçou com força o suficiente para deixar marcas. Eu não me importei. Seus lábios estavam em meu cabelo e eu nunca me senti tão segura em toda a minha vida.
Abigail fechou os olhos com força e então começou.
― Abraham Constantin, grupo 93.
O garoto com aparência morta que me dava arrepios se arrastou, literalmente, até o que devia ser o grupo 93. A garota negra de belos cabelos vermelhos lisos que eu tinha visto levando Eliott para a enfermaria ontem empurrou o mais alto para o grupo do lado sem a menor cerimônia.
Após esse erro, os pequenos grupos começaram a fazer uma verdadeira fuzarca, gritando e gesticulando para que soubéssemos para qual grupo deveríamos ir.
― Amélia Pound, grupo 3 ― me questionei se os grupos com menor número eram os melhores. Se fossem seguindo a conversa que eu escutei, eu estava muito ferrada.
― Bellamy Clarke, grupo 25.
O garoto lindo de cabelos crespos e bagunçados sorriu, como se aquilo fosse o epítome de diversão.
― Dakota Skyline, grupo 87.
Ela caminhou até a metade do caminho e deu uma voltinha antes de terminá-lo.
― Ezra Darksoul, grupo 1.
Os seus cabelos pretos quase azuis brilhavam. Seus punhos fortemente fechados soltavam muitas faíscas.
Fiz uma força descomunal para fechar a minha boca. Seguindo a analogia, o melhor grupo era o primeiro, então o que ele era para ser colocado nele?
― Hunter York, grupo 96.
Ele sorriu, passando a mão em seu cabelo loiro raspado e colocando os óculos escuros, arrastou sua mochila até o seu grupo.
― Jackeline Zaccadelli, grupo 49.
A loira caminhou elegantemente, o que era fácil quando se tinha pernas quilométricas. Exibida.
― Jacob Rosati, grupo 53. Jenna Daniels, grupo 23.
Quando a morena chegou a seu grupo, olhou para nós pobres mortais que ainda não havíamos sido designados para nenhum grupo e fez sinal de positivo com os dedos polegares esticados na nossa direção.
― Luna Canberight, grupo 100.
Alicia, Henry, Florence e uma garota de cabelos pretos e pele tão branca que era quase transparente, quase que idêntica à garota que havia dado um escândalo ontem, eram os únicos lá.
"Quem colocaria no grupo cem?"
"No pior de todos? Eles brigam tanto que jamais conseguiram completar a mais simples das tarefas. Luna Canberight, eu acho."
É, parece que eu nasci em um signo ruim.
Nicholas não queria me soltar. Dei um beijo em sua bochecha, peguei minha mochila de suas costas e caminhei até o meu grupo ― o último ― sem olhar para trás. Alicia acariciou meus braços e murmurou um 'sinto muito' que quase não foi registrado pela batida pulsante do meu sangue em meus ouvidos.
― Maxwell Aberthany, grupo 3. Meredith Grace, grupo 21. Nicholas Sumnit, grupo 4.
― Você arranjou um namorado que é bom para alguma coisa ― disse Florence com a sua voz doce. Eu não desmenti, apenas não valia à pena.
Nicholas balançou a cabeça tristemente e eu dei de ombros.
― Skylar Thompson, grupo 16. Tate Jones, grupo 84.
O garoto caminhou lentamente até seu grupo derrubando a mochila no meio do caminho uma vez.
― Cada grupo receberá um carro e um kit de primeiros socorros, então sejam sábios. Os ônibus os esperam lá fora. Os grupos não devem se separar sob nenhuma circunstância ― demandou. ― Se algum grupo perder seu novato, vou transformá-los no grupo cem e pouco me importa em que posição do ranking estão agora ― falou olhando com advertência obvia para os primeiros grupos.
***
Não sei de que forma, mas Nicholas havia convencido seu grupo a dividir o ônibus com o meu e passou toda a viagem até o aeroporto abraçado a mim, o que provavelmente teria me irritado em qualquer outro momento, mas não naquele.
Quando o veículo parou, meu coração ficou pesado como não havia acontecido nem quando deixei Julian e eu o veria novamente em poucos dias!
― Temos que descer ― declarou.
― Eu sei ― respondi.
Nenhum de nós se mexeu, porém.
― Eu posso...? ― tentou parecendo temeroso, mas não dei tempo para que ele envergonhasse a si mesmo, eu também queria aquilo.
― Pode.
Ele me beijou quando éramos os últimos ali dentro. Ele tomou seu tempo, segurando meu rosto em ambas as mãos com delicadeza. Após o beijo, seu polegar acariciou meu lábio inferior e eu o beijei. Ele sorriu antes de puxar entre os dentes o lugar aonde seu dedo havia passado.
Ele me deu mais um beijo e ao encerrar com um selinho, pegamos nossas mochilas e descemos.
Mais tarde, depois do voo e já dentro do carro, a garota de cabelo preto que eu ainda não sabia o nome berrou ensandecida.
― Zone 3?! ― A exclamação delas não gerou respostas de nenhum dos outros e eu também me calei.
Eu estava sentada na janela direita e Florence estava sentada no meio enrolada no meu braço e no de Alicia. Henry pilotava e a morena estava no banco do passageiro.
― Qual é o nome dela? ― Perguntei aos sussurros para Alicia.
― Meg ― ela suspirou. ― Ela vai enlouquecer na Zone 3 ― declarou misteriosamente não parecendo se importar muito.
― Por quê? ― Indaguei curiosa.
― Ela vai ouvi-los ― soltou exasperada e eu me irritei. Como ela deseja contar algo apenas jogando informações no ar assim? Será que todos fariam a mesma coisa?
― Ouvir quem? ― Inquiri perdendo a paciência.
― Não quem, o que. Os mortos. Muita gente morreu lá. É arriscado. O que os mortos querem, eles conseguem ― balançou a cabeça. ― E que Crown me perdoe, mas estamos levando uma mediadora para lá! Onde Abigail estava com a cabeça?
Eu não disse que aquilo era loucura, sabia no âmago do meu ser que não era, afinal, eu havia visto Daniel mudar de forma bem na frente dos meus olhos.
― O que nós iremos fazer na Zone 3? ― Perguntei mais alto chamando a atenção dos outros.
― Eu não faço à menor ideia, Henry é o líder da missão.
― Não que eu esteja satisfeito com essa posição ― ele tirou um papel do bolso com a mão esquerda sem tirar os olhos da sua frente e o entregou para a Alicia. ― Lish? Leia por favor, você sabe o quanto eu odeio dirigir.
― Bem ― começou a loira. ― Temos que encontrar um colar.
― Puta merda ― exclamou Meg. ― Puta merda. Puta merda. Ela quer que encontremos um colar em uma subseção? ― Urrou.
― Não é na subseção, ― respondeu Henry. Ele hesitou antes de continuar ― É no antigo Complexo Intermediário.
A morena puxou os joelhos para o peito e começou a chorar murmurando:
― Eu vou morrer. Eu vou morrer. Eu vou morrer.
― Por que todo esse desespero? ― Inquiri confusa. Eu entendia que ela ouvisse os mortos, mas para uma reação naquela escala? Quantos poderíamos encontrar?
― Essa história de explosão de usina nuclear é pura mentira. Lá ficava o antigo Complexo Intermediário ― respondeu Florence me surpreendendo. ― Houve um ataque e quase todos morreram. Muitos civis, inclusive. O complexo de lá era muito maior do que o que temos hoje e vai ser como procurar uma agulha no palheiro tentar achar algo tão pequeno quanto um colar. Temos cinco dias para completar a missão, vamos dormir nesse carro e ter que aguentar a festa e as piadas quando voltarmos como todos os anos ― balançou a cabeça suspirando.
― Pensem pelo lado bom ― disse Henry. ― Nós não vamos cair de posição no ranking. ― A tentativa de piada foi falha, o humor no carro estava muito denso para ser aliviado
Quando descemos do carro, Meg começou a tremer como se uma mera brisa fosse capaz de derrubá-la.
O lugar era decrépito, todo ruínas. Era completamente diferente de onde vivíamos hoje. Havia torres do lado de fora como se fosse uma fortaleza, fontes que um dia deveriam ter sido belas, mas estavam cobertas de mato e limo.
Aquilo era uma fotografia muito desbotada do que um dia havia sido um lugar lindo e eu quase podia enxergar toda a majestade que havia se perdido com o tempo.
O lugar parecia um cemitério abandonado e o vento forte que sussurrava por entre as construções destruídas dava a impressão de vozes.
Aquilo era assustador e eu não via hora de ir embora.
― Temos que sair do Complexo antes do Anoitecer, o que nos dá quatro horas ― falou Florence.
― Por quê? ― Questionei.
Ao contrário do que imaginei foi à própria Meg que respondeu.
― Além da óbvia falta de luz, eles ficam mais fortes à noite. Quanto de suprimentos nós temos? ― Perguntou se voltando para Henry.
― Três cobertores, dois galões de água, inúmeros sanduíches e barrinhas de cereal, e é ― concluiu batendo o capô ― isso é tudo.
― Que incrível, iremos morrer de fome ainda por cima ― murmurou a morena mal-humorada.
― Vamos lá, pessoal ― nos encorajou. Ele foi à frente, entrando pelo que costumava ser a porta da frente, agora completamente destruída.
***
Retirado do diário de Luna Victoria Canberight
Zone 3. É onde estamos eu, Henry, Florence, Alicia e Meg. Precisamos encontrar um colar dentro do antigo complexo Intermediário. Aparentemente uma missão impossível.
A princípio, apenas andamos pelos corredores a esmo e depois começamos a vasculhar um a um os quartos. Tínhamos vasculhado todo o quinto andar quando começou a escurecer.
Trancamo-nos no carro, comemos e bebemos um pouco de água. Estava um frio horrível, o que fez com que eu, Alicia e Florence nos enrolássemos em um cobertor.
Henry e Meg sentados na frente suavam apesar do ar congelante. Meg não dormiu.
Começamos bem cedo na manhã seguinte. A morena estava silenciosa e andava pelos cômodos como se fosse aquilo que ela dizia ver e ouvir.
Em certo momento, ela chorou.
Encerramos o dia na metade do terceiro andar.
Está escuro, muito frio. Eu estou escrevendo com a luz da lanterna que não parece incomodar nenhum dos outros. As corujas piam sons assustadores capazes de causar calafrios e não consigo dormir, pois cada vez que fecho os olhos, as janelas de madeira do Antigo Complexo batem, com o que eu espero que seja apenas o vento.
O tempo passa de forma diferente aqui, parece escurecer mais cedo e eu não acredito que essas florestas sejam completamente vazias. Nos meus poucos momentos de sono tive certeza de ter olhos me encarando e essa sensação, por si só, foi perturbadora o suficiente para me manter acordada.
Só espero que esse martírio acabe logo, temo que se ficar aqui por mais tempo eu vá enlouquecer, assim como parece estar acontecendo com Meg. Desejoque ela fique bem, mas desejo muitas outras coisas em um lugar onde tantosdesejos e sonhos foram destruídos.
***
Era quinta-feira e só tínhamos o hall e o porão para checar. Era um tanto quanto triste. Deus, eu sentia tanta falta de um banho.
― Terminaremos isso hoje e poderemos ir para casa amanhã bem cedo ― declarou Florence quando só nos faltava o porão.
― Pelo menos nenhum deles encostou-se a mim ― disse a morena com um sorriso.
Assim que Henry destruiu a porta empenada com o ombro, seu sorriso desapareceu e ela estancou.
― Eu acho melhor esperar no carro ― disse antes de sair correndo.
― Okay, isso vai demorar um pouco mais do que o esperado ― declarou Alicia.
Assim que entramos naquele porão empoeirado, meu coração se apertou dolorosamente e eu caí de joelhos.
Henry me ajudou a levantar, mas meus pés já estavam em movimento e me levaram em direção a nossa vitória. É incrível como uma pequena caixinha de joias pode significar tanto. Ela estava sob uma tabua solta do chão de madeira e quando o garoto viu riu alto.
― Nós ganhamos! ― Exclamou. ― Você encontrou o colar de Sophia Chan Young!
Ele abraçou a nós três enquanto riamos.
Eu não abri a caixa, apenas não fazia sentido para eu abri-la naquele lugar abandonado, eu sentia como se ela devesse ser aberta em um lugar que a merecesse. Aquele pensamento não fazia o menor sentido e eu sabia disso mesmo quando o pensava.
Corremos para fora do Antigo Complexo Intermediário como se o inferno estivesse nos perseguindo, e de certa forma, estava.
Quando nos viu entrando no carro Meg ergueu as sobrancelhas.
― Já acabaram? Tão rápido? ― Perguntou incrédula.
― Nós ganhamos ― berrou Florence.
― O que? ― Questionou.
― Ganhamos, Luna encontrou ― urrou Henry.
Ao contrário do esperado, Henry ligou o carro. Não eram nem quatro da tarde ainda, as seis chegamos ao aeroporto e as sete estávamos dentro de um avião indo pra... Casa.
Era estranho pensar no Complexo assim, mas era isso que havia se tornado para mim, casa. E para a minha casa ficar completa eu só precisava estar com alguém. Certo garoto de cabelos pretos e olhos castanhos que me fazia rir como nunca. O garoto por quem aos poucos eu estava caindo.
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