Capítulo Dezoito
Minhas mãos tremiam. Era hora de finalmente obter as respostas que eu procurava. Abigail iria me dar o que eu queria?
Bati na porta impaciente sendo recebida por um suspiro irritado dela vindo do outro lado.
― Entre ― chamou.
― Com licença ― pedi abrindo a porta e colocando a cabeça para dentro. Ela fez menção para que eu me sentasse no sofá rosa bebê sem sequer me olhar.
― Chá? ― Perguntou.
― Por favor ― sussurrei com a voz trêmula.
Ela se levantou da escrivaninha e serviu-nos o chá com o bule que se encontrava na mesinha de centro. Parando em minha frente me entregou a xícara vermelha que continha entalhes dourados com o líquido lilás que exalava um cheiro maravilhoso dentro. Sorvi seu conteúdo tentando me preparar para o que vinha pela frente.
Ela deixou sua própria xicara intacta e caminhou até a estante de livros e em busca de algo. Pegou um livro de capa verde e caminhou até mim me entregando antes de se sentar ao meu lado. A capa era desbotada e havia três passagens marcadas em partes distintas do volume.
― Eu tenho muito que fazer, então sejamos breves ― disse sucinta. ― Leia as marcações para que possamos finalmente seguir em frente a partir desse assunto.
E assim eu fiz.
Amazona das Estrelas
Aquela que cavalga e
Domina os céus junto a um dragão
Com a força de um rio celestial que deságua em seus olhos
Respirei fundo sabendo que não gostaria de onde aquilo me levaria e li o próximo:
Haverá um dragão.
Ele será tão grande quanto o maior dos impérios.
Voará e por onde passar levará esperança.
Ele será negro como a mais escura e aterradora das noites.
Seus olhos serão azuis como o céu de primavera.
Nascerá filho do único que pode ser certo.
Sua linhagem não será pura.
Na morte de sua mãe ninguém poderá apaziguá-lo.
Sua única esperança é o sangue,
Sua única salvação será sua irmã.
Dragão. Dragão. Dragão.
― Já tem nome?
― Sim. Luna. Luna Canberight.
― O sobrenome não será mantido, você sabe ― falou esticando os braços para me pegar. Ele me puxou para longe.
― Tem que ser ― respondeu perdendo a paciência.
― Tudo bem, manteremos esse nome ridículo ― ela tentou me pegar novamente, mas ele não deixou.
― Jure.
Ela revirou os olhos.
― Eu prometo que manterei o nome. Eu juro. Pelo meu sangue. Pela minha família. Pela minha honra. Pelos meus ancestrais. Pela minha vida.
Canberight.
Can be right.
Pode ser certo.
Quando a escuridão se tornar luz
A alma do Herdeiro se revela
A queima da vela
Com o mal se contenta
Pois ele ostenta um sorriso triunfal
O contrário se torna certo
E será entendido apenas no final
― São sobre mim, não é?
Ela revirou os olhos.
― A da Amazona das Estrelas e do Dragão sim, a do Herdeiro não. Ela surgiu no livro sagrado no dia em que você e os Iniciandos chegaram. Ela é sobre um de vocês, mas infelizmente não tinha ninguém aqui para sabermos com exatidão quem. Dakota tem dificuldade de ver coisas relacionadas a profecias.
Dakota?
― Mas isso não vem ao caso. Você precisa tomar muito cuidado daqui em diante, Luna. Diferentemente do futuro, que sempre muda, profecias não podem ser alteradas. Precisamos estudar e analisar cada palavra. Sua vida precisa ser um livro aberto para mim ― ela suspirou e tomou o volume das minhas mãos. ― Eu sei que é muito para assimilar, mas você não terá um fim como o de sua mãe, eu não irei permitir.
― Minha mãe? ― Perguntei franzindo as sobrancelhas. Aquele era o ponto, não era? Aquela era a real verdade a ser descoberta.
― Você não conseguiu juntar as peças? Realmente? Pensei que fosse mais esperta que isso, principalmentedepois de eu mexer os pauzinhos para que fosse seu grupo a buscar o colar de SophiaChan Young..
Ignorei o insulto, muito preocupada em ouvir o que ela me escondia. Era importante que todas as palavras fossem ditas, nenhuma poderia ser deixada de fora.
― Do que está falando, Abigail? ― retruquei impaciente.
― Josephine não bateu com a língua nos dentes? Ou então Alicia, aquela ingrata? ― Inquiriu, suas feições fortes torcidas.
― Fragmentos, mas nada concreto. Vamos, me diga! ― Exigi.
Os olhos dela brilharam quando ela rosnou:
― Eu não gosto desse brilho em seus olhos, mestiça, você sabe disso. Conto-te o que eu quiser te contar ― ela deu um sorriso maldoso antes de continuar. ― Você não é filha de Preston ― disse sem nenhuma inflexão e sentimento na voz. É claro que eu tinha pensado nisso, com todas as peças apontando justamente para essa imagem foi impossível não pensar, mas tinha uma grande ruptura naquela teia de segredos. ― Seus verdadeiros pais são Jonathan Draacon e Sophia Chan Young. Seu verdadeiro nome é Maressa Yagsog Chan Young
Yagsog?
― Mas ― tentei, ainda em negação ― a criança seria mais velha que eu, teria dezessete anos, não dezesseis.
Ele me olhou com os olhos semicerrados e uma expressão de incredulidade no rosto duro.
― Sério? Ao saber disso, esse é seu primeiro pensamento? Não sei porque Preston e Camille decidiram te fazer um ano mais jovem, mas com exceção do ano, o resto da data bate perfeitamente ― ela bateu os indicadores e prosseguiu: ― Eu era só uma criança na época, tinha apenas nove anos quando ela morreu, mas me lembro de sua mãe. Ela era uma mulher muito bonita e uma bruxa muito poderosa, a segunda mais poderosa de sua família, perdia apenas para seu avô, pois ele sim era fantástico, uma pena que tenha morrido tão jovem, eu mesma nunca o conheci, ouvi apenas sobre os poderes incríveis que ele possuía.
Ela pareceu um tanto quanto perdida em seus pensamentos antes de recobrar o prumo:
― O erro de sua mãe foi cair de amores por um dragão ― torceu a boca em desgosto. ― Eu nunca gostei da faísca em seus olhos ― ela repetiu ― e isso sempre fez com que eu não confiasse nela e no final eu estava certa, não é? Ela enganou a todos para não se esconder.
Meu temperamento queimou e mesmo que eu não conhecesse aquela mulher, me senti no dever de defendê-la, ela era minha mãe, afinal.
― Não fale dela como se ela tivesse feito isso por algo ruim, Abigail, Josephine me disse que ela foi uma heroína!
Ela deu de ombros como se não desse a mínima para minha inflamação pela minha recém-descoberta mãe.
― Existem aquelas pequenas mentiras necessárias para salvar seu orgulho e as grandes mentiras necessárias para salvar sua alma ― citou. ― Você teve sorte de não a conhecer, se estamos sendo sinceras aqui. Ela seria uma mãe horrível, seu temperamento era reprovável e ela só pensava em si mesma ― me encarou parecendo dez anos mais velha do que seus vinte e oito anos. Eu sabia que ela era fria, mas o gelo com o qual ela estava vestida era assustador. ― O que fez naquela noite não foi por boa vontade e amor no coração, acredito eu, ela tinha um motivo muito maior por trás.
Apesar de todos os insultos a mim e a minha família essa frase em especial me irritou.
― E o que você fez, Abigail? ― Levantei a voz. ― Por que se esconderam todos como covardes?
― Não estávamos preparados para a batalha naquela época ― me deu um olhar incisivo. ― Assim como não estamos agora, mas agora ela é inevitável. Além do mais, não sei o porquê de toda essa revolta, você foi criada por pais maravilhosos.
― Até os quatro anos ― disse entre dentes.
Mexeu a cabeça.
― Você não tem nada para reclamar, eu me assegurei de que Charlotte cuidasse muito bem de você.
Aquilo me confundiu. Não poderia ser. Não poderia ser. Não poderia ser.
― Como sabe quem é Charlotte? ― requeri com os dedos torcendo a beira da poltrona, eu estava prestes a morrer ― Vocês se conhecem?
― Charlotte Bayliss, hoje em dia conhecida como Mayway, é minha irmã mais velha. ― Meu queixo caiu, minha expressão demonstrando o choque que eu sentia. ― Tire esse olhar do rosto. Ela não te traiu ou alguma outra bobagem que vocês que não pertencem a Seita tem mania de se apegar ― me descartou com um movimento entediado de mão. ― Não confie em ninguém. Não importa se essa pessoa dorme ao seu lado, ela pode te esfaquear nas costas na primeira oportunidade. ― Engoli a sua obvia menção a Nicholas e esperei que ela continuasse a atirar suas facas-palavras contra mim. ― Ela não sabia nada sobre seus pais, nossa mãe pediu que ela cuidasse de você e assim ela o fez até Crown te chamar. Isso é tudo o que você precisa saber por enquanto. Você ainda não passou pela cerimônia do Aceito, ainda não pertence à Seita, teu corpo pode estar aqui, mas seu coração, não. Quando tiver passado, eu responderei suas possíveis perguntas restantes ― disse com a voz fria, sem emoção.
― Por que vocês sempre parecem empurrar as minhas perguntas para longe como se elas não importassem? ― Gritei ― Como se eu saber do meu próprio passado, minha própria história, não fosse importante?
Ela me deu um olhar de desprezo.
― Em primeiro lugar, abaixe o tom de voz ― declarou sem levantar a dela. ― Eu sou sua superiora e você me deve respeito. Em segundo lugar, achei que tivesse me feito clara há pouco. Você. Não. É. Confiável.
― Vá em frente e não me conte, eu arranjarei alguém que o faça ― ameacei colocando o chá na mesa de centro e caminhei em passos decididos até a porta.
― Ótimo, faça isso ― sorriu diabolicamente tomando um gole de chá antes de continuar: ― Assim eu não precisarei desperdiçar o meu precioso tempo chamando Jonathan Draacon.
Eu parei a menção do homem que havia me gerado. Meu pai, pensei testando o som disso.
― Chame-o ― falei abaixando o tom de voz. ― Por favor ― completei com relutância.
Ela me deu um sorriso sem humor.
― Já que insiste.
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