Capítulo Cinco
Uma garota, com a pele tão branca que chegava a ser esverdeada e longos cabelos ruivos que desciam pelas suas costas pálidas, abraçava apaixonadamente uma árvore.
― Florence ― berrou uma voz feminina atrás de nós. Eu e Nicholas olhamos discretamente, os ombros se tocando. A garota tinha cabelos lisos e brancos, a pele bronzeada destoando de seus fios. Usava óculos escuros apesar de ser quase noite. ― Largue essa árvore imediatamente ― rosnou.
A menina ruiva, levantando a barra de seu vestido que era ― oh que grande surpresa ― verde, se afastou. Estava descalça, eu notei, e usava uma tornozeleira de prata. Ela começou a andar em nossa direção parecendo cantarolar, mas antes que eu pudesse entrar em pânico, mãos fortes agarraram a minha cintura e me puxaram contra algo solido, que se assemelhava a uma parede. Fechei os olhos com o impacto e escutei um grito que, talvez, viesse de mim mesma.
Agora eu estava em pânico.
― Mas que balburdia é essa? ― Gritou Abigail que pareceu surgir de lugar nenhum. ― Eu mandei vocês ficarem lá em cima!
― Srta. Bayliss ― rosnou o homem que me segurava.
― Alicia! ― Berrou a mais velha. ― Eu te dei uma ordem clara para mantê-los lá em cima. O que diabos vocês três estão fazendo aqui?
A garota de cabelo branco engoliu em seco:
― Florence desceu pelas trepadeiras da janela e eu ― gaguejou ― levei muito a sério o que me pediu Abigail. Eu achei que era uma boa ideia trazer Henry comigo...
― Você por acaso acha isso uma boa ideia agora? ― Perguntou aos com uma voz mortal fazendo a garota estremecer. Por um momento senti pena dela, mas com a tênue sensação dos braços do homem que ela havia trazido consigo ao meu redor, o sentimento passou muito rápido.
― Não ― respondeu em voz baixa, os olhos nos pés.
― Saiba que não terá a mesma oportunidade ano que vem ― ameaçou antes que seus olhos escuros se voltassem para o homem atrás de mim.
― Henry! Eu vou dizer uma única vez antes que eu perca a paciência: solte-a imediatamente!
― Mas Bayliss ela tem uma aura incandescente e...
― Solte-a ou eu farei com que você seja banido para o Complexo Fixo tão rápido que sua cabeça vai girar!
Os braços dele se afrouxaram e eu chutei sua canela antes que seus braços me empurraram de leve para longe.
― Ai! ― exclamou ele, indignado e eu não pude deixar de ficar satisfeita.
Deixei que meus olhos percorressem o rapaz que havia me segurado com tanta brutalidade, sem razão aparente. Dava para perceber que ele era musculoso mesmo vestido, seus pés estavam descalços assim como os da garota ruiva, mas diferente dela provavelmente estava sim por não esperar precisar descer. Sua pele era marrom, seus cabelos pretos estavam arrepiados e ele tinha marcas de expressão ao redor dos olhos, como se sorrisse muito, situação oposta à que eu havia presenciado.
― Desculpe-me ― falou tentando ser educado, mas não parecia que ele realmente queria dizer isso e sim evitar o destino que Abigail prometeu. Acenei com a cabeça, ainda assustada demais para responder e ele deu um sorriso, exibindo os dentes branquíssimos.
― Agora os três subam, já causaram comoção suficiente para uma noite ― ordenou apontando o dedo. ― Florence, não pense que não será punida e vocês dois também não vão escapar ― declarou e sem obter uma reação se empertigou novamente. ― O que estão esperando? Subam!
Os três fizeram uma reverência sincronizada e desapareceram em uma corrida através das portas de vidro.
― Me desculpem por este pequeno imprevisto ― disse com a voz tranquila, toda aquela raiva que presenciamos segundos antes, tendo desaparecido. ― Eu sei que todos vocês estão assustados, os novatos sempre estão e por isso quero lhes esclarecer uma das dúvidas mais frequentes: nenhum mal será feito a vocês. Pelo contrário, serão tratados como príncipes e princesas ― respirou fundo calmamente e juntou as mãos em frente ao corpo. ― Formem um círculo ― vendo nossa hesitação ela completou: ― Se apressem, não temos a noite toda.
Como se fosse combinado, assim que as palavras saíram de sua boca holofotes luminosos se acenderam, nos tirando daquela horrível penumbra. Lentamente nós formamos o círculo que ela havia pedido.
― Ótimo. Agora respirem fundo, fechem os olhos e deem as mãos ― ordenou.
Dei a minha mão esquerda para Nicholas e a direita para uma garota loira de cabelo cacheado e vestido vermelho xadrez. Senti uma corrente elétrica percorrer todo o meu corpo, desde o meu cabelo até a ponta dos dedos do pé. Eu tentei me soltar, mas meus membros simplesmente não obedeciam.
É isso, pensei, vão me matar eletrocutada.
Tentei abrir meus olhos, mas esses também se recusaram a funcionar.
― Vejam! ― exclamou Abigail com a voz cem vezes amplificada. E, então, como uma fechadura sendo destrancada pela chave certa, imagens fluíram pela minha mente feito um turbilhão.
Um homem de cabelos pretos revoltos me encarava com os olhos azuis escuros arregalados. Abri a boca, mas tudo o que saiu foram ruídos típicos de um bebê. Quando levantei as mãos para expressar alguma coisa, qualquer coisa, as mãos que se levantaram no lugar eram minúsculas. Era como se eu estivesse em um corpo alheio, pequeno demais para o meu ser real.
― Por Crown ― exclamou com um sussurro. ― Você é minha, mesmo. Eu nunca tive dúvidas, sabia disso bebê? ― Perguntou aninhando meu corpo pequenino em seus longos braços. ― Mas sua mãe é tão teimosa, tão orgulhosa! Foi tudo um mal-entendido, mas ela não me dá ouvidos. Eu juro, bebê, que eu vou convencê-la a me aceitar de volta. Eu já te amo tanto pequenina e mais ainda a ela. ― Ele sorriu para mim e senti meu eu mais jovem rir de volta. Ele me embalava lentamente. ― Teus olhos são tão lindos. A mistura perfeita entre sua mãe e eu. Calmaria e tempestade.
A porta se abriu com um estrondo e uma mulher de cabelos castanhos ondulados e rebeldes e olhos puxados assim como os meus, entrou.
― O que você pensa que está fazendo aqui, Jonathan? ― Questionou com a voz mortalmente baixa. Seus olhos castanhos se fixaram em mim e se arregalaram instantaneamente. ― Com a minha filha? ― Sua voz subiu.
― Sophia, eu... ― ele suspirou pesadamente e balançou a cabeça. ― Você nunca vai me perdoar?
― Depois do que você fez? ― Riu. ― Eu tenho todo o direito de guardar rancor.
― Eu só tenho dezoito anos e eu estava assustado e... E você tem também sua parcela de culpa, você me levou a entender que...
― Eu admito que uma parte da culpa seja minha, mas eu também tenho dezoito anos, eu também estava assustada e não disse que o bebê não era meu.
Ele franziu as sobrancelhas grossas percebendo assim como eu a falta de sentido naquela frase.
― Por que você não pode me perdoar, Sophia? ― Questionou triste. ― O que eu preciso fazer?
― Agora eu tenho uma filha, Jonathan ― disse exasperada. ― Prioridades delas antes das minhas.
― Ela é minha filha também, Sophia! ― exclamou ele, frustrado.
― Não, não é ― cuspiu ela.
― Não importa o que eu faça, não é? Você já se decidiu ― declarou subitamente sem a luta que havia antes nele. Ele parecia... Derrotado.
Ela acenou com a cabeça e ele lhe entregou o meu eu em miniatura. Ele beijou a minha testa e também a da mulher.
― Eu amo você ― disse. ― Eu amo vocês duas.
Terminando a frase ele se retirou.
De repente a visão ― eu não tinha nenhum outro nome para aquilo ― se modificou.
A mesma mulher ― Sophia, a mãe do bebê ― me segurava em seus braços, a expressão aflita não escondendo que havia algo definitivamente errado. Involuntariamente, o bebê, cujo qual o corpo eu ocupava, começou a chorar.
― Shhh, vai ficar tudo bem ― sussurrou antes de começar a caminhar com passos rápidos, estancando quando viu alguma coisa. ― Camélia ― chamou. ― Leve ela, por favor?
― Você não vem? ― Perguntou à mulher que eu não conseguia ver, sua voz me lembrava a de alguém, mas eu não poderia dizer com certeza, quem.
― Claro que sim, eu só preciso pegar meu grimório e algumas coisas para a Maressa.
A mulher hesitou, parecendo em dúvida por alguns segundos:
― Vamos, me dê ela ― pediu, desistindo. ― Mas não demore demais, Sophia, falo sério. As portas serão trancadas se você estiver do lado de dentro ou não.
Eu fui entregue devagar pela garota e pude ver brevemente seu rosto sem expressão antes da visão mudar novamente.
Mais uma vez, eu estava nos braços do garoto de cabelos negros. Chovia levemente e ele corria me segurando com cuidado, tentando me manter seca com seu sobretudo. O sacolejar parou quando chegamos ao lugar de destino e ele bateu insistentemente na porta até que ela se abriu e uma mulher de cabelos castanhos sair.
O baque do reconhecimento me atingiu e senti meu coração diminuto acelerar.
― É ela? ― Perguntou a morena.
Ele acenou tristemente:
― Já tem nome? ― continuou ela como se não enxergasse sua dor ou não se importasse.
― Sim. Luna. Luna Canberight.
― O sobrenome não será mantido, você sabe ― comentou esticando os braços para me pegar. ― Ela terá que ter o nosso sobrenome.
Ao ouvir isso, o rapaz me puxou para longe:
― Não me importa o que mais você e Preston quiserem mudar, seja o signo, a idade, o nome do meio, não importa, mas o sobrenome, ― declamou perdendo a paciência. ― Tem que ser mantido.
― Tudo bem ― concordou a mulher exasperada ― manteremos esse nome ridículo ― ela tentou me pegar novamente, mas ele não deixou.
― Jure ― demandou ainda duvidoso.
― Céus, Jonathan, você não pode ser mais dramático? ― Ela revirou os olhos, mas cedeu: ― Eu prometo que manterei o nome. Eu juro. Pelo meu sangue. Pela minha família. Pela minha honra. Pelos meus ancestrais. Pela minha vida.
Ela me pegou calidamente nos braços e notei uma lagrima solitária escorrendo pelo rosto do rapaz.
Minha vista escureceu quando a visão terminou.
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