秋 (Aki) - Flores sob o precipício (parte I)
Presente (08/12/2020 - outono)
A luz fraca emana do neon recém-aceso pelo homem de maior idade, o virar da placa anima um pouco meu espírito debilitado de alguém que mal dormiu durante a noite. Antes de adentrar busco o horizonte tomado pela escuridão de suas nuvens mais intensas, esse tempo é sempre um enigma.
No cruzar da porta sento-me numa das mesas próximas à vitrine, antes que pudesse provar algo sua chegada. Os cabelos desarrumados assim como a blusa social branca ainda aberta em alguns botões, desajeitado e sorridente como gosta de ser visto.
— Era tão importante assim?
— Sim, anunciei que irei parar o casamento por telefone... segui o conselho.
— Isso é bom, aprenda que também deve ser feliz mesmo que seja algo difícil.
— Conseguiu entregar o colar?
— Sim, mal dormi pensando em como eu devo agir agora que ela aceitou... nunca pensei que seria aceita por ela mais uma vez apesar de nossas atuais vidas.
O olhar castanho vaga por minha expressão na busca de algo, fito a ausência de brilho que percorre a extensão deste céu evitando o encontro com seu olhar tão sentimental.
— Parece cansada, tem certeza que deseja seguir nessa escola? Ainda lembro da injustiça e o quanto isso te afetou, apesar de serem diferentes ambas as situações.
— Não tenho tanta certeza, mas desejo seguir com essa decisão.
Deslizo meus dedos sob as pálpebras para enfim vislumbrar as opções no cardápio tendo ideia do que desejo, fazemos os pedidos e logo retorno a buscar o olhar que não deixa de buscar minhas expressões.
— Estou bem, não precisa ficar preocupado.
— Primeiro o agravante da doença, depois o reencontro e agora a escola... difícil não ficar preocupado com tantos eventos.
— Tudo ficará bem, meu maior problema agora é conseguir lidar com minhas emoções.
— Tem certeza? Por mais que eu aceite essa ideia ainda me parece que sofre por algo além de emoções.
— Escutar a história de Murano, conversar com a aluna que tenho observado... tudo isso tem feito minha mente voltar para o momento onde aquela garota sofreu.
Abaixo minha cabeça buscando minha palma fria tão pálida que reluz o verde de minhas veias, aqueles dias foram tristes, ouço o som da chuva que agora cai e assim como a queda lá fora sua mão repousa sob a minha.
— Você fez tudo que podia.
— Poderia ter feito mais, talvez outra abordagem... quem sabe prestar mais atenção nos mínimos detalhes.
— Não havia nada que pudesse fazer ali, tentou seu melhor não se importando com a dificuldade.
— Ela morreu pela minha negligência, se eu tivesse conseguido apoiar ela ao invés de focar em meu trabalho talvez estivesse aqui hoje.
— A culpa não é sua, pare de acreditar no que os velhos acionistas dizem sobre. Todos eles ignoraram seus apelos, suas idas até eles, apenas transferiram a culpa para você.
— Talvez eles tenham razão quanto a isso, não pensa desta forma? Uma garota morreu por meu incentivo, eu disse que ela deveria se levantar e no final ela caiu.
— Naomi... não se sinta culpada por querer o melhor para uma pessoa, tentou e eu sei como tentou.
Inevitável é o formar de suas gotas ao longo de meus olhos, pesadas e semelhante às nuvens que mal podem segurar a chuva permito que escorram por minha face. Mesmo que tudo que ele diga seja o certo eu ainda trouxe dor, abracei Murano levando escuridão para sua vida e logo depois afirmei que uma pobre garota poderia se declarar não importando o gosto causando seu fim.
Causei dor para pessoas tão semelhantes em essência que me assusto a cada segundo, mal fui uma professora assim como tão pouco pude ser observadora com aqueles que me são importantes.
O toque seguido por seu barulho rompe meus pensamentos distantes, o café deixado diante de meu olhar fumega emanando seu perfume familiar pelo ambiente.
Levanto minha face encarando sua expressão mais branda que o comum, às vezes, algo em mim grita e aponta para nosso relacionamento fazendo-me perceber que levo dor ao seu coração por atos tão fracos de minha parte.
— Não fez nada de errado, tire de sua cabeça que tal culpa é sua quando não foi.
— Falhei e nada que diga mudará esse fato.
— isso são seus demônios falando, você não é assim Naomi. Apenas mantenha sua mente calma.
— Como posso quando muitos alegam sofrer após minhas atitudes? São nessas horas que percebo o quanto sou frágil, sou incapaz de conseguir controlar isso.
— Não pense desta forma, é mais que apenas lamentos e dor. Sabe tão bem quanto eu, você é mais forte do que pensa.
Repouso meus olhos na imagem presente no reflexo do café, será que eu sou assim? Após tantas falhas ainda mereço uma oportunidade de acertar ou pelo menos impedir o pior?
— Naomi, — ouço seu suspirar. — apenas pare e respire calmamente antes de decidir algo precipitado... sinto que está se sobrecarregando mais do que deveria.
— Em algum momento vai passar. Eu apenas dormi mal suficiente para lembrar disso.
— Por enquanto foque naquilo que deseja e esqueça o resto.
— Apenas respirar? Poderia ser mais fácil.
— Entendo que não é nada fácil, pelo contrário, mas apenas faça aquilo desejado.
— Sabe que isso apenas me afasta das responsabilidades não é?
— Não ligo muito.
Tomamos café e sua companhia seguiu presente até a entrada da escola, sob meu pescoço deixa o cachecol como um conforto e assim parte deixando-me frente a entrada da escola.
Subo cada um dos degraus chegando ao interior do colégio, ter aceitado ser uma auxiliar nesse meio tempo certamente fora uma decisão questionável.
Caminho até o banheiro para que no abrir da porta seu olhar vazio percorra minha expressão mais branda, diferente de ontem, essa ausência de vida em seu olhar não era como se encontrava ontem.
— Bom dia Katsumi.
— Bom dia professora. — áspera é sua voz, os olhos buscam a visão da água que desce da torneira.
— Não me tornei sua professora, mas obrigado pela consideração. — esfrega suas mãos e logo o vermelho misturasse a água. — Pronta para delatar os agressores?
— Após as avaliações farei isso... — permanece esfregando as mãos. — farei.
Aproximo-me desligando a torneira, seguro sua mão observando o sangue escorrer pelas escoriações. Seus braços marcados por pequenas escoriações roxas, amarelado de mostram as bordas de tais ferimentos... o que houve com você de um dia para o outro.
Seguro seu queixo observando o curativo em sua bochecha, lágrimas se acumulam, ao bater em minha mão desfaz nosso toque abaixando sua cabeça. Eu pensei que estaria tudo bem, que seu problema fosse apenas na escola durante dia... errei em julgar desta forma.
— Foram elas de novo?
— Não é nada que precise se preocupar.
— Acredito que os professores devam fingir não ver para essas atitudes, porém, não o farei caso seja isso que espera.
— Ignore por favor.
— Seu pai sabe sobre isso?
— Não! — seus olhos se perdem em meios aos meus, seu choque é visível. — Está tudo bem, ele não precisa saber.
— Algo me diz que você não está contando toda a verdade dessa história.
— Não é necessário... não foi nada.
— Sinto que eu não deveria perguntar, porém, essas marcas foram feitas por ele?
— Oi?
Desfaz nosso contato buscando distância entre nossas presenças físicas, na que veste roupa seca suas mãos enquanto permanece em silêncio. Por mais que possua inimizades essas marcas não seriam feitas meramente pelas mãos daquelas garotas, não são comuns para adolescentes do ensino médio, são marcas que apenas um adulto faria.
Tomo a barra de sua blusa, o ato de levantar revela mais marcas roxas e estas percorrem seu corpo até altura de seu seio. Cortes no abdômen seguido por talhos menores até a outra extremidade de seu corpo.
Deslizo minha sob o ferimento e ao menor toque a reação de contração do corpo, os joelhos cedem e o chão toca escondendo sua face entre os fios de cabelo.
— Quem fez isso com você?
— Ninguém.
— Ninguém não pode fazer isso, diga a verdade Katsumi ou serei obrigada a conduzir você até a direção.
— Apenas cai das escadas de minha casa.
— Essa desculpa não cola comigo.
O bater do sinal cala minha voz, sua expressão de vazio me fita e sem dizer uma única palavra se levanta empurrando-me para o lado. Lembro de quando descobri marcas como essa em Murano, preciso retornar a sala... após as provas farei com que denuncie.
Não irei errar como quando errei com Murano, esconder essa informação não trará nada de positivo para sua vida... mesmo que tenha sido alguém próximo ela precisa delatar antes que o pior aconteça.
Deixo o banheiro para trás, o corredor vazio e sua presença ausente como imaginei que seria... o toque em meu ombro desperta minha atenção para a presença de Jun. Em seus braços carrega a remessa de folhas brancas, as provas, tomo-as de sua mão.
— Quero que fique na sala dos dois, é um pedido pessoal e de trabalho.
— Conversei um pouco com aquela menina e pela minha imaginação a situação não é nada boa... ela tem sofrido agressões na escola e fora dela, acredito que seja necessária a intervenção dos professores.
— Sua mãe foi alguém com quem estudei por isso prezo por sua filha, entretanto não conheço tanto seu pai para tal e evito uma postura mais incisiva em respeito a ele.
— Aqueles hematomas são algo novo, por mais que não conheça o homem precisa intervir o mais rápido possível. Talvez não seja um simples caso de “bullying”, algo me diz que não, aqueles olhos não mentem.
— Então ela está sofrendo agressões de ambas as esferas, não seria a primeira vez que algo como isso ocorre e certamente não será a última.
— Isso mesmo, apenas seja rápido em resolvê-lo antes que pior aconteça com ela. Estarei na sala de aula, espero que evite o pior Jun.
— Farei meu melhor para tal, por hora esperar a realização das provas finais e após elas tomarei uma posição.
— Espero que perder esse tempo ao invés de adiar as provas mais uma vez valha a pena, não gosto de afirmar certeza. Porém, sinto que as coisas não parecem muito seguras para ela.
— Apenas mais algumas horas e tudo estará resolvido, queria muito ajudar agora, mas o cronograma.
— Eu sei bem, o cronograma não pode parar... ouvi essa frase há tempo e espero que ela vale a pena. Afinal vidas podem se perder por negligenciamos os pensamentos alheios.
Deixando a companhia de Jun vou para dentro da sala de aula sendo recebida pelo levante de cada aluno presente no recinto, chego até minha mesa e ao deixar do material volto minha visão para suas expressões.
— Bom dia professor, seja bem-vinda.
— Bom dia.
Curvo-me um pouco recebendo os cumprimentos dos alunos que de pé permanecem.
— Acredito que saibam que essas serão as últimas três provas antes do recesso de final de inverno, — busco meu relógio, dez minutos ainda. — Como temos tempo gostaria de me apresentar.
Paro diante do quadro e com o giz escrevo meu nome assim como algumas informações sobre mim, deixo o giz no apoio e me volto para turma que se senta.
— Como sabem sou Naomi Minamoto, serei a supervisora de vocês nesta prova devido à ausência de uma das professoras. Quem é o representante?
— Eu. — levanta sua mão e logo deixa a cadeira em que estava. — Me chamo Akechi Mitsuhide, é uma honra para toda a turma estar diante de uma das fundadoras.
— Quanto a representante feminina?
— Sou eu, professora. — um pouco mais distante de Akechi se apresenta. — Meu nome é Shizuka Gozen, é uma honra.
— Por favor venham até aqui para iniciarmos a distribuição de provas.
Ao aproximar-se da mesa entrego as provas, pouco a pouco entrega as folhas deixando-as sob cada carteira até que apenas as suas próprias provas fossem aquelas restantes.
— Terão uma hora e meia para finalizar as três provas, antes de iniciarmos eu gostaria de pedir encarecidamente que um dos dois representantes fosse atrás da aluna restante.
— Está falando da Katsumi? Ela disse que foi até o banheiro e até agora não voltou. — Gozen torna a falar. — Talvez tenha desistido de fazer a prova e fugiu.
— Professora Naomi, como o primeiro representante eu gostaria de ir até ela.
Os olhares se focam nele, murmúrios ecoam pela sala e logo o desconforto torna-se presente em seus olhos de íris tão viva e brilhante quanto âmbar.
— Agradeço a preocupação, o restante poderá fazer a prova e você pode retornar assim como Katsumi quando a encontrar.
Com sua deixa da sala início a prova sem deixar que mais palavras sejam ditas, sento-me próxima da janela tendo a visão de cada aluno. Estar parada me faz lembrar daquela menina, era como Katsumi e infelizmente eu não consegui evitar que o pior ocorresse... meu maior erro desde minha ausência ao lado de Murano.
Passado (10/10/2019 - outono)
— O primeiro arco é o surgimento de seu nome nos campos e cidades, Uwashikamaru como era conhecido antes de descobrir seu verdadeiro nome, este Minamoto no Yoshitsune.
Noto os olhares atentos e por elas a atenção da jovem menina em seus dezesseis anos cheios de jovialidade, gosto de ver esse seu brilho único que destoa com facilidade das caras comuns nesta sala sem expressão.
— Era um jovem que iria ascender como monge budista, mas ele não satisfeito partiu em aventura pelo Japão. Derrotou o maior dos homens, esse sendo Benkei, se aliou ao irmão com o qual juntou forças.
Aproximo-me com facilidade da mesa tomando em mãos alguns papéis, a representante levanta e pouco a pouco espalha pela sala.
— Um dos pontos mais importantes desse lendário samurai fora seu relacionamento com Shizuka Gozen, mulher dita ser capaz de trazer as chuvas através de sua dança.
A vejo deixar o último dos papéis e sem expressão sentar-se em sua mesa, espantoso pensar que ambas gostam desta aula apesar de suas expressões tão diferentes.
— Conforme os escritos, em uma tarde de festival onde o intuito era trazer a chuva para acabar com a estiagem a dançarina da corte encantou a todos e através de sua dança de estilo tradicional shirabyôshi e através dele conquistou o coração do inocente guerreiro que apenas buscava vingança pelo pai.
Retorno a mesa pegando um dos papéis podendo enfim retornar ao quadro.
— Yoshitsune a fez sua concubina e assim ficaram juntos até a revolta contra seu irmão mais velho, Yoritomo, Shizuka em seu ventre portava o filho do guerreiro foragido que a morte encontrará ao final de seu caminho visto por muitos como heroico, por gostar desta história eu diria que fora lendário.
Escrevo os nomes de cada representante no quadro fazendo com que ambas se levantem de suas cadeiras. Uma alegre tão imutável quanto o sol e a outra silenciosa portando sua neutralidade como uma lua.
— Agora que voltamos a essa pauta lembrem-se que para encenar uma peça de mesmo nível será necessário um casal fiel e comprometido, pois já devem saber que diversos olhares estarão em você devido às presenças especiais assim como os futuros alunos desta escola.
Assim seguiu o debate até que apenas o estridente sinal pudesse por um final na conversa entre os membros de cada grupo separado. Enquanto organizam suas bolsas ambas as representantes sorriem sozinhas em seu mundo chamando para si os olhares e sussurros impróprios.
— Antes que deixem a sala preciso reforçar que precisam da ideia da peça até a segunda-feira e você Miwa, — seu olhar recai sobre mim. — me acompanhe até a sala dos professores.
— Sim, professora. — deixa de lado a presença de semblante solitária.
Após todos saírem seguimos em silêncio até o primeiro andar em uma sala mais ao final do corredor sul. No fechar da porta vou até minha mesa e sob ela espalho algumas pastas diversificadas.
— Venha até aqui e explique, compartilhe sua ideia comigo para eu poder ver a lógica.
Tímida se põe a sentar na cadeira retirada de outra mesa, suas unhas se mostram roídas e seus lábios tomados por uma secura. Miwakami Karin, uma primeiranista conhecida entre os professores pelas melhores notas e por uma complicação familiar difícil de lidar.
— Eu me declarei para ela como você disse, fui até ela e disse tudo que estava preso em minha garganta.
— Bom que teve essa coragem, poucas são as pessoas capazes de fazer isso.
— Ela rejeitou meus sentimentos, disse que eu era louca por gostar de outra garota nesta idade e que eu deveria me tratar dessa doença.
— Antes que prossiga saiba que não está doente, gostar de pessoas do mesmo sexo é comum e você não precisa sentir medo por isso.
— Quando eu disse desejar fazer o papel de Yoshitsune ela foi a primeira em me apoiar, quando sofri com meu acidente ela esteve lá... a Sakura é importante, mas depois dessa fala.
— Ei, não fica assim.
— Naomi-san, ela sempre foi meu sol e agora eu estou sem ele em minha vida.
— Vai encontrar um meio para tal, no momento eu admito que estou atarefada por isso não consigo muito tempo para ouvi-la... após a escola vamos sair juntas, tem um lugar especial para qual desejo te levar.
Silêncio foi o que eu ganhei em resposta e assim assenti permanecendo ocupada naquela pilha de trabalhos para revisar, os minutos passaram e eu apenas pensava em qual seria sua reação ao descobrir sobre a biblioteca que Sakura gosta. Principalmente ao saber que a menina que tanto gostava compartilha da mesma visão apesar de ser seu oposto quando se trata de emoção.
Quando dei por conta a tarde havia chegado e no observar da janela notei a figura familiar no alto do prédio. Não pude correr até ela e tão pouco avisar outras pessoas sobre aquele ocorrido, estática fiquei até que o único som possível fosse o de sua queda contra o solo diante de meus olhos.
Inconsciente foi levada ao hospital onde permaneci por horas sem nem mesmo saber o motivo pelo qual havia pulado dali, uma garota tão feliz não poderia fazer isso sem nem mesmo demonstrar estar mal.
— Doutor como ela está? — levanto-me assustada com a chegada do médico.
— Preciso que avise a sua família para vir até o hospital, infelizmente a menina veio a óbito, seu corpo não aguentou o traumatismo devido o choque.
Naquele instante suas palavras ecoaram em meu mundo perdido, sob meus joelhos cai e aceitei aquela nova realidade onde sua vida havia deixado essa terra de forma abrupta por algo que não compreendo... uma pessoa boa jamais faria aquilo, mas estava errada.
Uma semana se passou e lá estava eu em meu estado mais profundo de ser humano, diante de seus pais e do comitê escolar que decidiu por minha suspensão até segunda ordem.
A dor maior foi quando a mãe daquela garota veio e me atingiu no rosto, cuspiu fatos sobre o quanto eu era próxima da menina e como eu deveria ter salvado ela. Apenas abaixei minha cabeça acertando tudo aquilo sem demonstrar reação alguma.
Presente (08/12/2020 - outono)
Paro diante da imagem dos alunos em silêncio, a calmaria se quebra com o tocar do relógio que ecoa pela sala e ao virar-me deparo com a hora atual. Dez minutos se passaram e nada de seu retorno a sala de aula, essa sensação, algo não está certo.
Busco a imagem externa marcada pelo nublar obscuro e seus revoltosos ventos, acima do terraço do outro lado da grade verde sua presença à beira da proteção que lhe impede de cair subitamente. Logo aqueles que se encontram próximos a janelas notam a presença e direcionando seu olhar até minha expressão.
A segunda presença escala a grade tomando o espaço ao lado da garota que tem sua saia alçada aos céus com o soprar do vento.
Deixo a sala percorrendo o corredor que ganha gradualmente a presença dos curiosos que pouco farão para impedir algo como isso.
Entre as janelas observo o movimentar dos pés que no desequilíbrio desce a proteção sendo agora suspensa pelo garoto. O corpo balança e antes que mais um passo pudesse ter sido dado em direção a eles percebo o inclinar do garoto que em seus braços toma a jovem, suas costas ficam contra o solo, a queda livre fora interrompida pelas árvores e por entre elas seus corpos caem no chão junto de alguns galhos.
Empurro cada aluno presente no pátio me aproximo lentamente da entrada da área, alguns professores se unem a mês esforços dispersando a multidão de alunos.
Antes que eu pudesse fazer algo a equipe médica se aproxima, os corpos separam com extremo cuidado levando cada um até uma das macas. Desacordados se mostram, ferimentos percorrem a face de ambos, não consigo acreditar que ela conseguira fazer agora.
Assim que colocados em ambulâncias diferentes adentro o veículo sendo a responsável de Katsumi enquanto Akechi segue com outro professor. Observo seu rosto, lágrimas escorrem dos olhos deixando sua trilha pelo rosto.
Seguro sua mão sentindo o pesar em meu peito, sinto-me um fracasso por não conseguir impedir algo assim novamente. Eu deveria ter tentado mais, regras não deveriam pesar quando o assunto é outra vida e por mais que não a conheça um aluno não deveria passar por tanto sofrimento ao ponto de querer morrer quando ainda possui uma vida pela frente.
Cinco minutos tortuosos, mesmo a proximidade com o hospital não foi capaz de aquetar minha mente acelerada, questões como a razão por trás de seu feito não saem de minha cabeça.
Com o parar do veículo seguimos até sermos separadas pela porta azul, sento-me observando sua partida e tudo que posso fazer é sentir a dor por não ter conseguido mais.
Mesmo que meu corpo não o sinta estou exausta frente a minha incapacidade, sei que não posso controlar vidas e ainda assim não altera a dor que corroê meu coração.
Não sei quanto tempo passou, mas minha mente retorna com a chegada do médico que presente de fez no cessar das luzes vermelhas.
— Como eles estão doutor? — minha voz embarga com a sua chegada.
— A princípio bem, a garota não sofreu sequelas. Foram escoriações e milagrosamente um deslocamento diferente do garoto que teve o braço direito e uma costela quebrada.
— É um alívio, ambos estarem vivos é o bastante.
— Agora sobre a garota existem ressalvas, seu corpo está bem ferido por outras escoriações provavelmente são de uma agressão e não dá queda.
— Algo a mais?
— Temos algo, não é conclusivo ainda, entretanto a garota pelo visto sofreu de abusos recentemente.
— É mais sério do que eu pensei.
— Faremos exames específicos para tal conclusão então levará algum tempo.
— Faça.
— Se desejar visitar ambos ainda terá de esperar, no mais essas são as informações por hora que posso trazer.
A deixa do médico me faz voltar ao lugar de origem, meu celular vibra e pela primeira encaro as horas. Já são dez da manhã, a ligação surge na tela e de imediato atendo.
— Como estão as coisas por aí? — pergunto ao notar sua voz mais branda.
— Estamos indo na medida do possível, infelizmente não pudemos adiar as provas do dia por isso foram finalizadas e com ordem todos liberados.
— Descobriram o que houve?
— Algumas alunas se apresentaram após as provas e disseram que Katsumi parecia distante. Algumas disseram que fora ofendida durante seu retorno a sala de aula.
— Isso foi tudo?
— Fomos até o banheiro e lá encontramos uma lâmina, traços de sangue além de encontrarmos na lata de lixo um celular… encaminhamos para as autoridades certa de modo a evitar um problema maior.
— Ao menos algo bom.
— Assim que terminar aqui vou até você, não se sobrecarregue demais aí.
— Não se preocupe comigo, não fui eu quem se machucou, esses dois precisam dos cuidados especiais agora.
Desligo a chamada buscando a presença que surge agora em minha frente, espanto percorre sua face e pela primeira vez eu sinto que posso realmente desabar sob alguém. Levanto-me e pelo seu abraço sou acolhida, sem pensar muito apenas saímos dali indo para a área externa no terceiro andar... as lágrimas escorrem de meus olhos sem que muito eu possa fazer.
— Estranho ver você desta forma, tão triste.
— Eu falhei novamente.
— Teve um dia difícil não é? — sinto seu toque percorrer minha face, seus dedos cortam minhas lágrimas. — Soube na recepção, conheço o garoto.
— Ele foi corajoso, foi o mais corajoso nesse dia difícil.
— Não sei direito sobre o que ou como ocorreu, porém, fique firme... apenas se mantendo estável poderá ajudar ela.
— Eu quero, mas é difícil, desculpa por você me encontrar nesse estado deplorável de descrença.
— Você viu meu estado deplorável também, não é nada que você não faria por mim Naomi.
— Eu queria ter sido mais rápida, eu não tive tempo para dizer isso, entretanto eu fui afastada do meu trabalho devido a um caso como esse.
— Acontece, você não tem poder para alterar a visão de todos sobre certos assuntos ou até mesmo alterar o curso de uma vida quando ela se recusa.
— Me sinto perdida, não queria reviver isso.
— Terá tempo para corrigir esses problemas, Naomi, você sabe ser forte e capaz de tudo.
— Não sou capaz disso Murano, eu não consigo.
— Você é a melhor pessoa que eu conheço e eu acredito que você conseguirá sair desta situação. Não há pessoa mais resiliente que você.
— Você foi quem passou por tudo, eu apenas era revoltada.
— Ainda assim foi quem me fez aceitar e lutar pelo correto, mesmo que a vida tenha jogado do outro lado da moeda.
Seus braços envolvem meu ombro, em seu abraço sinto o perfume que me traz calma a alma aquietando meus pensamentos.
— Apenas respire fundo e saiba que você é a melhor pessoa para lidar com essa situação e que se não fosse você por você talvez essas pessoas nem mesmo pudessem ser ouvidas.
— Será? Não pude impedir uma aluna de tentar morrer, tudo que fiz foi aconselhar ela algumas poucas vezes.
— Fez seu melhor, acredito nisso. — seu olhar recai sob o meu. — Por mais que possa parecer que não, você evitou algo pior para ela, fez o certo Naomi.
— Obrigado, Murano.
— Não me agradeça Naomi, faço isso, pois gosto de você e me importo com seu coração.
— Ainda assim obrigado.
— Apenas se lembre que quanto mais escuras as noites sejam mais brilhantes serão as estrelas.
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