Capítulo Vinte e Sete
Avery Strong
Eles foram presos nas celas ao lado das de Kristoff e Edilene e isso estava me comendo viva.
Então, no chá de domingo, onde todos fingiam que estava tudo bem, que o mundo não tinha desabado e que Samantha Prescott não parecia prestes a desmoronar junto com ele a qualquer segundo, eu me levantei.
― Eu gostaria de intervir em nome de Kristoff Orlov e Edilene Alvor.
Laurrant levantou uma sobrancelha:
― Com que razão?
― Não há nenhuma lei que justifique a prisão deles.
― Eles fugiram! ― exclamou Emory.
― E que bem está fazendo mantê-los presos aqui? ― devolvi, presunçosa, sabendo que ia ganhar. ― Mande-os para lá.
― Você acha que não pensamos nisso, garotinha? ― devolveu Aisha. ― Edilene não foi Picotada e eles se recusam a se separar, Kristoff fere qualquer um que chega perto deles.
Fiz um som exasperado:
― Eu não sou nenhuma garotinha. Se a separação é o problema, a envie junto, que mal isso fará? Estive lá pessoalmente e sei que alguém a mais para lutar seria muito bem-vindo.
Aquele argumento era fatal e todos ali sabiam disso.
― Temos assuntos mais importantes para tratar na tarde de hoje que a vida desses pobres diabos ― retrucou Vladimir.
― Achei que a função da Verhallow era cuidar dos seus cidadãos em geral, não sabia que havia níveis de importância para isso ― completei meu blefe com uma sobrancelha em pé.
― Soltem eles ― sussurrou Samantha. ― Deixe-os ir. Eu não aguento mais isso ― ela deu um sorriso quebrado. ― O crime que eles cometeram é incomparável com os outros mantidos naquelas celas.
E se nada mais, aquilo encerrou a discussão.
― Eu consegui ― disse para Swisten quando o encontrei no dia da soltura de Kristoff e Edilene.
― Sempre soube que você seria capaz, senhorita Avery ― respondeu ele com um sorriso orgulhoso.
Aproveitei a oportunidade para perguntar uma coisa que assombrava os meus pensamentos desde a minha chegada a Bloodhouse:
― Senhor Swisten, o que levou vocês a me escolher? Tenho certeza de que havia opções muito melhores e mais bem preparadas.
― Provavelmente sim, mas quando estávamos em busca de concorrentes para a Verhallow queríamos diferentes talentos, diferentes realidades e quando li sua ficha, soube que não poderia deixá-la passar e conforme ela foi passando por peneira atrás de peneira, foi difícil não começar a torcer um pouco por você por você ― ele pigarreou. ― Apesar de oficialmente, eu nunca ter dito isso.
Eu era uma mulher feita de nada. Não tinha nada, não era nada. A única coisa que eu possuía quando cheguei ali além de roupas velhas e um par de agulhas de tricô, era meu potencial e era delicioso saber que alguém tinha enxergado isso em mim muito antes que eu mesma pudesse.
― Mas acho que não fizemos um trabalho tão bom, visto que trouxemos uma conspiradora e cumplice de assassinato para cá ― continuou ele, seus ombros caindo pela culpa.
― Nós convivemos com ela por meses e nunca pensamos que ela fosse nada além de uma garota tímida e calada, você não poderia saber disso olhando apenas para uma ficha com suas informações básicas ― expressei mesmo sabendo que aquilo não seria suficiente para aliviar o peso que ele carregava.
― Racionalmente sei disso, mas isso não impede que eu me sinta responsável por isso, porque de certa forma, eu fui.
O julgamento aconteceu na sexta-feira e eu desci as escadas de braços dados com Cameron, um vestido branco e dourado preparado por Tessa para o próximo baile, um que nunca veio. Eu parecia uma noiva indo ao julgamento de seu prometido e aquele toque de ironia bastava para me manter calma até que a sentença fosse ofertada.
Nos sentamos em meia-lua, assim como tinha sido durante o Picote, mas dessa vez eu não tinha mais Sylvie ao meu lado.
Não precisei depor, eles gravaram a primeira vez que contamos a história e eu nunca amei tanto a tecnologia. Cameron apertou a minha mão e eu sabia que ele estava pensando o mesmo que eu. Ele não conseguiria falar nem se precisasse.
O julgamento não durou muito, com a declaração dele de culpado e a soma de todos os fatos, não sobrou muito para imaginação. A sentença de enforcamento que foi dada aos dois não me parecia suficiente, mas quando Cameron começou a soluçar ao meu lado, eu o abracei, deixando de lado meus pensamentos sobre mortes sanguinárias e lhe dando o que nós dois precisávamos desde a noite fatídica.
A sentença foi cumprida no dia seguinte, para que eles não tivessem tempo de maquinar um plano de fuga. Lia subiu no palanque com um vestido simples e cinza, a corda em seu pescoço não deixava espaço para muitas palavras, mas para ela não importava, não havia falado muito em vida e agora não diria nada em morte.
Em seguida, subiu Samuel, despido das roupas e abotoaduras chiques, vestido como um camponês na hora de sua execução e o fato de não conseguir pensar em nada que ele pudesse odiar mais que essa situação, me causou um certo prazer mórbido que eu me permiti sentir após tudo que ele tinha feito.
Diferente dela, ele se apavorou quando a corda foi colocada em seu pescoço e começou a gritar palavras de ódio para aqueles que assistiam:
― A Verhallow vai cair ― berrou ele ensandecido. ― Uma hora ou outra, senão pelas minhas mãos, pelas mãos da Sabedoria, mas vai cair ― ele nos deu um sorriso macabro. ― Meu único arrependimento é não estar presente para assistir esse momento glorioso.
O carrasco, então, finalmente puxou a alavanca e o corpo dele flutuou, sofrendo espasmos antes de enfim parar de se mexer para sempre.
Eu suspirei aliviada de uma forma terrível e abracei Cameron, que mantinha a cabeça enterrada nas mãos, os ombros tremendo em um choro silencioso.
― Vamos, Cam, isso acabou ― sussurrei.
Mas estava longe de acabar.
Ao invés de um baile, no sábado tivemos uma homenagem para Sylvie, uma grande foto dela na época do internato, seus grandes olhos cinzentos e cabelo ruivo amarrado em tranças, nos cumprimentavam quando entravamos no salão. As cadeiras nos esperavam vazias, apenas um púlpito e a foto, como um velório sem corpo.
Aquele era um lugar seguro, Swisten havia dito, onde poderíamos compartilhar histórias sobre Sylvie e aliviarmos um pouco de nossa dor, mas aquilo não era por nós, imaginei, era para aliviar suas próprias mentes culpadas, pois além de eu e Cameron ― e Tessa, lembrei a mim mesma ― ninguém gostava muito de Sylvie.
Cameron havia preparado um pequeno discurso, mas conforme Jamile falava sobre a bela flor que foi colhida cedo demais, diversas aias enalteciam seu respeito e os gêmeos buscavam razões para elogiá-la, ele se levantou e saiu.
Segui atrás dele, na pressa tropeçando no vestido preto que eu usava. O encontrei no corredor, caído e com dificuldades para respirar.
― Cameron ― chamei segurando seus ombros. ― Puxe o ar, segure-o dentro de seus pulmões e então solte ― instrui tentando acalmá-lo assim como ele tinha feito comigo em uma das vezes que subimos naquela nave monstruosa, antes que toda nossa felicidade de papel houvesse virado cinzas.
― Eu não aguento mais isso, não aguento mais chorar, quero voltar para antes de tudo isso acontecer ― confessou.
― Mas não pode ― respondi me sentando na sua frente, minha saia se amontoando ao nosso redor. ― E eu não acho que chorar fosse a resposta que a deixaria feliz. Você se lembra como ela estava sempre sorrindo e brincando? Acho que isso honraria mais a sua memória. Posso não a ter conhecido por muito tempo ― sussurrei enxugando suas lágrimas que finalmente tinham parado de cair ― mas sei que ela odiaria a visão do melhor amigo dela chorando.
― Você está certa ― ele murmurou beijando meus dedos. ― Você está sempre certa. Você é a certa.
Então, ele avançou em minha direção e me beijou.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top