Capítulo Vinte e Seis
Avery Strong
As palavras de Cameron sobre uma porta secreta podiam ser apenas um metáfora em qualquer outro lugar, mas na Bloodhouse, não. Afinal, na noite de nosso primeiro baile, Sylvie havia me ajudado a chegar ao meu quarto através de uma passagem oculta.
Aquilo demorou alguns dias para afundar em minha mente, que estava entorpecida por outras palavras que ele tinha dito naquela noite, mas conforme o tempo passava, a dor da perda de Sylvie deixava de ser carne-viva e continuávamos presos em uma quase quarentena pelo perigo ainda muito real, decidi tomar o assunto em minhas próprias mãos.
Apesar de não querer fazer Cameron reviver todo aquele horror, eu também estava bêbada naquela noite e precisava que outros detalhes borrados se somassem aos meus.
Apesar da minha contrariedade com a sua participação, ele decidiu me ajudar, dizendo que ela era sua melhor amiga e ele devia isso a ela. E foi assim que acabamos de volta ao jardim, local da morte de Sylvie, ignorando todos os avisos de perigo que recebemos.
A grama não estava mais manchada de sangue, percebi, talvez pelas chuvas torrenciais de primavera que haviam se abatido sobre a mansão nos dias depois da noite do crime, mas eu ainda lembrava exatamente do lugar que ela tinha morrido em nossos braços.
Me posicionei ali e apontei para a pequena porta pela qual Sylvie tinha me levado uma vez:
― Existe uma passagem ali, mas o tiro não pode ter vindo de lá, ela estava curvada naquela direção ― apontei para o outro lado ― quando a alcancei, então a bala tem que ter saído dali.
Era uma aposta difícil, mas era a única pista que tínhamos, então esfregamos nossas mãos sobre as pedras do lado de fora da Bloodhouse até que a passagem se abrisse, mofada e poeirenta. Era por ali, pensei, por ali que o assassino de Sylvie havia se esgueirado como um rato. Não me dei tempo de mudar de ideia, entrei e fui brindada com a escuridão; não me importei, precisava chegar ao outro lado.
Havia uma luz no fundo do corredor e com Cameron segurando meu pulso como guia, seguimos. A luz se dividia em duas, uma maldita encruzilhada no meio do caminho.
― Não vamos nos separar ― disse ele como se lesse minha mente. ― Vamos para um lado e depois para o outro. Juntos.
― Juntos ― respondi e fomos para a direita primeiro.
A claridade levava a um conjunto de celas e eu pisquei, tentando dar sentido para o que estava vendo. Na cela próxima a mim, havia um garoto loiro dormindo e duas celas depois, havia uma garota de cabelos pretos e grandes olhos escuros que nos encaravam.
― Ora, ora, quem temos aqui em nossa humilde morada? Concorrentes da Verhallow, que honra! ― pronunciou ela cheia de ironia.
― Quem é você? ― perguntei chocada pela existência daquele lugar que era tão semelhante a masmorra na qual havíamos ficado presos na Floresta Vermelha.
― Sou Edilene e esse é meu namorado, Kristoff ― apontou para a outra cela.
O nome Kristoff faiscou uma lembrança em minha cabeça cheia de pensamentos turvos.
― Você está bem? ― perguntou Cameron se aproximando. ― Precisa de algo?
― Estou presa ― respondeu ela em um tom ríspido. ― Preciso sair daqui.
― Está tudo bem com ele? ― perguntei me aproximando da cela do garoto que não se mexia.
― Não sei ― respondeu ela. ― Não nos deixam chegar perto um do outro desde que fomos colocados aqui.
― E desde quando vocês estão aqui? ― eu podia ver nas sobrancelhas franzidas de Cameron que aquele estava se tornando um enigma que ele queria resolver.
― Desde algumas semanas após o Picote.
Aquilo me fez entender o porquê o nome dele era familiar, mas não funcionou da mesma forma com Cam, que continuou:
― Por quê?
― Porque ele foi Picotado ― ela nos deu um olhar vazio, as bochechas ocas ― e nós fugimos.
― Vocês estão presos por fugirem do Picote?! ― questionou o garoto de bronze, furioso, esticando a coluna a sua altura máxima.
― Cameron ― chamei colocando a mão em seu ombro que agora estava ligeiramente mais alto. ― Viemos aqui para resolver outro problema, lembra?
Ele endureceu como se subitamente todas as terríveis lembranças tivessem sido reiniciadas em seu cérebro.
― Se estão aqui há todo esse tempo, se lembrariam se alguém diferente passasse, não é? ― indaguei.
― Alguém como vocês? ― devolveu. ― Nada além de guardas e desejo de enlouquecer por aqui.
A esperança que eu tinha de que eles soubessem de algo sobre a morte de Sylvie evaporou e eu puxei o pulso de Cam.
― Então quem fez aquilo seguiu pelo outro caminho ― pronunciei e quando ele desviou os olhos de volta para ela: ― Cameron, nós precisamos ir.
Ele acenou, claramente insatisfeito com a situação:
― Tudo bem ― mas em vez de ir em direção a saída, ele voltou para as barras da cela dela. ― Nós vamos voltar, vamos tirar vocês daí.
Ela deu um sorriso um pouco assustador:
― É claro que vão, eu adoraria ver isso acontecer.
Voltamos pelo corredor que entramos e viramos a esquerda, dessa vez. A passagem levava a uma saída. Uma porta e uma janela imunda que deixava poucos raios de sol entrarem, mas eles bastaram para me chamar a atenção para um pedaço de pano no chão.
Eu sabia a quem aquilo pertencia.
― Cameron ― cuspi com a minha voz tremendo. ― Chame Yussef, rápido.
Ele pareceu querer perguntar o motivo, mas percebendo a minha urgência, ele se virou e correu.
Encarei o pedaço de pano azul marinho no chão, as iniciais gravadas não me negando a verdade, mas eu precisava de mais do que aquilo, precisava confirmar minhas lembranças bêbadas daquela noite e Yussef era de longe, o mais sóbrio de nós.
Cameron trouxe mais do que isso, junto de Yussef vinha Amberle e um Swisten furioso por estarmos vagando pela mansão apesar de termos recebido ordens expressas do contrário.
― Esse lugar foi construído há séculos ― ralhou ele. ― Há lugares aqui que nem sequer foram checados ainda desde que tomamos o poder, vocês poderiam se machucar, poderiam...
Mas seu fluxo de palavras cessou ao ver o lenço que eu apontava:
― Yussef ― intitulei ― com quem, além de mim, você viu Samuel Prescott conversando naquela noite?
Ele me encarou, o cabelo loiro arrepiado e os olhos cheios de raiva e disse o mesmo nome que borbulhava em minha cabeça:
― Lia Woodlow.
A Bloodhouse se tornou um inferno depois disso. Samantha Prescott não queria acreditar que seu filho pudesse ter feito algo tão horrível, mesmo que os bilhetes sugestivos que ele havia trocado com Lia provassem o contrário, mas em um gesto de fé, permitiu que ele fosse interrogado.
Ele confessou. Não apenas o assassinato de Sylvie, mas também ter apoiado e proporcionado fundos e informações a grupos rebeldes. Lia também confessou, além de tê-lo ajudado a entrar naquela noite, também tinha sido ela a executar todos os ataques a nós, desde o intoxicante na primeira noite, até a cobra no jardim, todos arquitetados por ele, é claro. Eu achava difícil de acreditar que um garoto rico e mimado como elefosse capaz de planejar crueldades tão elaboradas, mas sem evidências de que quemais alguém estivesse envolvido, a culpa recaiu sobre ele.
Ele queria matar um de nós de forma limpa, logo no início, admitiu, mas após perceber que aquilo não estava indo a lugar nenhum, ele tomou o assunto nas próprias mãos.
Logo, ficou claro, conforme ele ria na sala de interrogatório e nós assistíamos do lado de fora, o motivo de todo o seu interesse em mim.
Ele queria que eu fosse o alvo, o mártir para que parecesse que a Verhallow havia me matado para favorecer os Highters. Sylvie havia sido apenas um erro, uma infeliz coincidência.
Mas a justiça seria feita, senão pelas leis da Verhallow, pelas minhas próprias mãos.
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Espero que tenham ficado surpresos e se isso não foi possível, que pelo menos tenham gostado da resolução do mistério.
O próximo capítulo trará consigo mais algumas lágrimas, mas também um momento que sei que muita gente está aguardando desde o começo. Espero que estejam aproveitando essa reta final de Wosae.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top