Capítulo Vinte e Oito
Luna Canberight
― Luna ― chamou Alicia. Sua voz vinha da grande porta, aquela pela qual eu havia passado, apavorada, tantos meses antes.
Mas eu não estava mais assustada.
Os últimos meses, mesmo que para mim só houvessem passado alguns dias, haviam sido um verdadeiro inferno, me achatando como uma mola. Eu não havia batido de volta ainda e estava ansiosa para tal.
Estava ventando e seus cabelos loiros platinados voavam com a intensidade da brisa, assim como seu vestido branco esvoaçante, parecendo uma noiva fantasma. Ela não se aproximou, nem sequer piscou, ficou parada, nos encarando, como uma estátua de sal.
Despedi-me de meu pai e de meu tio, com quem eu conversava, ansiando e prometendo passar mais tempo com eles em breve, antes de me aproximar dela.
Ela nos guiou para o majestoso campo verde que nos aguardava, sem dizer uma palavra. No meio dele, com as asas plenamente estendidas, se encontrava meu dragão. Ele ainda era preto como a noite e seus olhos tão azuis quanto o céu de primavera.
― Yugblo ― sussurrei contendo o desejo de me aproximar. Havia se passado muitos meses, talvez ele não me reconhecesse, talvez ele me atacasse.
No entanto, ele negou meus devaneios ao arrulhar e bater as asas levemente no seu tronco, como se me reconhecesse. Então, joguei fora as reservas e me aproximei. Toquei levemente seu bico escamoso e ele fechou os olhos brilhantes como se estivesse feliz com o meu toque. Sua pele era surpreendentemente suave e quente contra minha palma.
― Ele é um adulto agora ― me informou a loira parando ao nosso lado como um espectro.
― Então é um ele? ― Questionei.
Ela acenou duramente. Sem nada mais para dizer, me calei. Acabamos sentadas na grama, sentindo o vento e com Yugblo ― grande como ele era ― deitado na nossa frente, com os olhos fechados, mas alerta, como um cão de guarda.
― Se sobrevivemos a guerra, se eu sobreviver, irei embora ― disse ela depois de um tempo em silêncio, balançando a cabeça, as madeixas louras ricocheteando. ― Eu deveria ter ido há muito tempo. Por mais que eu tenha vivido aqui durante toda a minha vida, esse lugar nunca foi minha casa. E eu preciso encontrar a luz que me levará para o meu lar.
― Então por que você ficou? Por que você voltou? ― Perguntei suavemente.
― Eu fui criada aqui ― sussurrou ― sempre pensei que isso era onde eu pertencia, mas então a profecia do Herdeiro surgiu e eu simplesmente não conseguia parar de pensar em como eu não sabia nada sobre as minhas origens. Pedi a Crown uma saída e ele me concedeu, mas eu não podia ficar lá, não quando ainda me sentia presa ao dever para com a Seita. Só que depois disso, depois de vencermos, eu não serei mais necessária. Não vou ter mais nada que me prenda aqui, nada que me dê uma desculpa para ficar. Eu deixei negócios inacabados por lá, promessas que foram interrompidas pela minha volta ― concluiu.
Fiquei quieta por alguns minutos, me perguntando o que ela poderia ter abandonado, até que uma ideia se acendeu na minha cabeça, como uma lâmpada.
― Mas você os encontrou, não foi? Encontrou suas origens? ― Indaguei.
Ela acenou lentamente, as sobrancelhas franzidas, tentando entender aonde eu queria chegar.
― Eles são como você?
― Uma cidade inteira deles, mas nem todos são iguais a mim ― falou com um dar de ombros.
― Mas os que são como você, eles poderiam ajudar na batalha, não é? Aumentar nossas tropas? ― Discorri.
Ela me encarou, as sobrancelhas loiras subindo até a linha do cabelo, os olhos azuis se tornando tempestuosos e cinzentos. O ato me assustou, a ideia de que ela desgostasse ou me mal interpretasse, me enchendo de remorso, mas eu tinha que tentar. Por todos nós.
― Luna ― soltou abruptamente. ― Isso é genial! ― Exclamou. ― Eu preciso mandar uma mensagem, avisar a todos e partir imediatamente ― atropelou-se, levantando-se do chão.
― Alicia ― chamei.
― Tantos preparativos, é uma viagem longa e não temos tempo...
― Alicia! ― Gritei.
Ela me encarou, parecendo liberta do transe no qual se encontrava poucos segundos antes:
― O que foi? ― Perguntou puxando as pontas do cabelo branco.
― Obrigada, por ter cuidado de Yugblo quando eu não pude ― me levantei também e parei na sua frente. Yugblo abriu um olho com o movimento, mas ao não detectar nenhum sinal de perigo voltou a cochilar. ― Ele parece tão bem tratado, tão feliz. Eu nunca vou ser capaz de devolver o bem que você fez a ele ― estremeci, reprimindo a vontade de abraçá-la sem saber como ela reagiria a isso.
― Eu o treinei ― ela declarou. ― Ele está pronto para a batalha.
Eu ri, apesar do clima tenso que havia se instalado:
― Quem não está pronta sou eu ― comentei.
― Mas vai estar ― assegurou com um sorriso, seus dentes brancos contrastando com a pele morena. ― Ele a reconhece como sua criadora e voando nos céus ao seu lado, nós seremos invencíveis.
― Isso foi uma injeção de ânimo, obrigada ― respondi com cortesia.
― É a mais pura verdade, eu realmente acredito que iremos triunfar ― acenou.
― Espero que você esteja certa e consiga encontrar seu destino ― desejei.
― Se depender só de determinação, já conseguimos ― disse rindo de si mesma. Comecei a rir também e antes que aquilo se tornassem lágrimas nervosas, a abracei.
― Espero que possamos ser amigas ― pedi em seu ouvido.
― Eu também ― respondeu me abraçando de volta.
Quando acordei no dia seguinte, eu soube que havia algo profundamente errado.
Nicholas não estava ao meu lado e Hope não estava em seu berço. Uma sensação de déjà vu reverso se apoderou de mim e eu quase sucumbi ao desespero. Desci as escadas às pressas, mais correndo que andando, enquanto amarrava um robe em minha cintura.
O lugar parecia fantasmagoricamente vazio, mas eu ouvia um burburinho vindo do lado de fora e sabia que era para lá que eu tinha que ir. Abri a grande porta e entendi imediatamente o motivo da comoção.
Na grama, marcado em fogo, se lia:
21 de junho
Green Hall
Vinte e um de junho, solstício de verão. Menos de dois meses à frente.
― O que é Green Hall? ― Perguntei em voz alta, acima das outras vozes. Cabeças viraram em minha direção, mas meu olhar se fixou em um rosto em específico.
Nicholas se aproximou de mim, com Hope nos braços. Ele tocou suavemente meu rosto:
― É na Zone 3 ― respondeu de maneira sussurrada. ― Dakota teve uma visão durante a noite, foi ela que queimou essas palavras no jardim.
― O que isso significa? ― Perguntei ainda sem entender.
― Na visão dela, nós lutávamos em uma colina cheia de neve. A Grande Guerra Predestinada. Green Hall. Lá será solstício de inverno ― esclareceu meu marido.
― É quando os feiticeiros estão mais fortes ― se intrometeu Abigail sem desviar o olhar da grama queimada. ― Seu poder se torna quase indescritível ― ela fixou os olhos em mim por um momento. ― É hora de começar a aprender alguns feitiços, Luna.
***
Entre treinar para a batalha com Abraham, tentar aprender como ser uma bruxa com Ezra e cuidar da minha família, o tempo se esvaiu e minha fina camada de sanidade construída após meu retorno, também. Eu sentia, dia após dia, o meu controle ruir.
Eu passava desde o amanhecer até o sol se pôr lutando. Nicholas tentava me ajudar, manejando seu tempo entre cuidar de Hope e treinar comigo, mas ele também tinha suas tarefas e se apenas um de nós pudesse sobreviver, deveria ser ele. Minhas noites eram gastas estudando magia, tentando aprender tanto quanto o possível naquele período. Eu não era tão boa quanto Ezra, mas levando em consideração que ele havia tido anos para aprender, eu era bastante razoável.
Hope passava a maior parte do tempo com Josephine e os gêmeos, assim como ficaria enquanto guerreávamos. Eu achava bom que ela crescesse próxima a eles caso...
Na morte de sua mãe ninguém poderá apaziguá-lo.
Eu não morreria, não podia. Precisava criar Hope, precisava ficar com Nicholas, mas para isso se tornar realidade, precisávamos vencer.
O tempo voou de pressa.
Aprendi a usar lâminas e manter feitiços por mais tempo.
Antes da partida de Alicia, ela me ensinou um pouco como lutar usando Yugblo. Ela era paciente, assim como meu dragão, mas isso não me impedia de ficar frustrada e retraída cada vez que eu falhava. Ao partir para sua terra, ela pediu que eu emprestasse meu Yugblo para a viagem. Se fosse qualquer outra pessoa, eu não seria capaz de confiar-lhes meu primogênito, mas Alicia o havia cuidado desde o nascimento e eu sabia que além de mim, ela era a outra pessoa que mais se importava com ele no mundo.
Assim que ele retornou, tive que treinar o voo com os Draacon. Eles não eram tão bons nisso, não estavam acostumados a voar em dragões e sim, serem dragões e imaginaram que seria como montar cavalos. Não era. Foi necessário um longo conjunto de tentativa e erro para que eu pudesse ficar boa naquilo, mas eles faziam o meu dia mais leve e divertido, com sua dinâmica familiar. Em pouco tempo, eu me sentia parte daquilo. Parte deles. Com nossos treinos, pude também me certificar do pensamento que havia corrido pela minha cabeça tanto tempo atrás. Voar e cair, eram realmente completamente diferentes.
Com a ajuda deles, eu também descobri que possuía um elo quase mental com o meu Yugblo. Se eu o necessitasse, ele viria até mim. Era uma pena que eu não soubesse disso quando estava presa no covil de Sophia, mesmo achando improvável que meu dragão fosse capaz de atravessar o véu que separava os mundos, eu ao menos poderia ter tentado.
Também treinei luta corpo a corpo com meu pai, que tinha dificuldades de se transformar, graças a todos os anos que passou se negando a isso. Conversávamos também. Durante uma tarde preguiçosa no final da primavera, nos sentamos na fonte e ele me contou sobre Sophia:
"Sophia me disse uma vez, que eu sendo um dragão e ela uma bruxa, um possível bebê que tivéssemos poderia invocar, assim como você fez com o seu Yugblo. Eu a chamei de louca e ela disse que talvez conhecesse o futuro, eu ri na época, mas agora, olhando para trás, para tudo o que ela disse, tudo o que ela fez se encaixa como um quebra-cabeça que se perde uma peça. Ela era apenas uma atriz atuando no filme que é a história. Olhe para seu rosto, Luna. Olha para as coisas que ela fez com você, as coisas que ela te disse. Eu passei a vida toda querendo te conhecer, mas sabia que não poderia. Ela conhece a dor de perder um filho, assim como eu. Não sou capaz de entender como ela poderia fazer algo assim com você. Eu não conseguia antes, quando passei todos aqueles anos acreditando que ela havia morrido heroicamente, mas agora? Eu a odeio com todas as minhas forças"
Eu a odiava também, então éramos iguais.
Treinei com Adam, feliz com a ligação que fomos capazes de forjar, calma e tranquila, como se tivéssemos sido criados juntos, como se nos conhecêssemos durante toda nossa vida.
Dakota me olhava com pena sempre que nos encontrávamos e sendo nosso Oraculo isso me assustava. Josephine e Danny marcaram a data do casamento para o mês seguinte, pois queriam estar casados antes de tudo colidir.
Fomos a inúmeras reuniões, tentando decidir a melhor estratégia para lutar. Planejamentos exaustivos e falhos. Até que um compilado de ideias tomasse forma e fizesse sentido.
Quando maio acabou, tínhamos um plano.
Após isso, seguimos os preparativos e enviamos chamados para os Highters que viviam no Complexo Fixo e para a Verhallow buscando toda a ajuda necessária.
Eu apenas esperasse que aquilo fosse suficiente.
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Bem, esse capítulo teve um pouco de tudo, Luna, Alicia, preparativos...
O próximo já é o penúltimo e espero que vocês estejam tão ansiosos quanto eu <3
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