Capítulo Vinte e Cinco
Avery Strong
O corpo de Sylvie foi entregue aos seus pais ― os mesmos que a rejeitaram e a exilaram em um internato e quando soubemos que não poderíamos ir ao seu enterro, por não podermos sair da Bloodhouse sem desistir da competição, Cameron acenou e saiu da sala, sem dizer uma palavra.
Se aquele conhecimento, doía em mim que havia convivido com ela por meses, eu não podia imaginas como ele poderia lidar com a perda, após ter passado a maior parte de sua vida com ela.
Tentei lhe dar espaço, mas conforme o sol se punha, comecei a temer que ele tivesse tido uma reação tão imatura, quanto a que eu tive quando Lily foi Picotada e me convenci a ir até seu quarto. Bati na porta e quando ele não respondeu, decidi que já havíamos superado o decoro naquele ponto e entrei.
Ele estava dormindo, encolhido como uma criança, o pote com as pílulas para dormir de Sylvie repousava sobre a mesa de cabeceira. Ele não dava indícios de acordar tão cedo e me aproximei, ignorando a etiqueta e o meu melhor julgamento, tirei minhas sapatilhas e me deitei ao lado dele.
A princípio, queria apenas conforta-lo, mas devo ter pego no sono, pois a próxima coisa que percebi era que já estava escuro, seus braços estavam ao redor da minha cintura e sua aia arrumando a bagunça do quarto, tentava, claramente, manter seus olhos longe de nós, mas eles continuavam nos percorrendo.
Eu me levantei e coloquei meus sapatos de volta antes de encará-la:
― Espero que saiba que nada aconteceu aqui ― eu disse me levantando e usando meu melhor tom formal. ― Ele precisava de conforto e eu apenas fiquei ao seu lado.
― É claro que sim, minha senhora ― respondeu ela mecanicamente. ― Nada aconteceu aqui, meus lábios estão selados.
As palavras dela, tão semelhantes às que eu já tinha dito milhares de vezes nos meus anos de trabalho, me fizeram engasgar e eu saí sem dizer mais nada. Quando eu havia deixado de ser a serva para me tornar a senhora que pedia que fechassem os olhos para as suas atitudes indecorosas?
Tessa estava praticamente desaparecida desde o acontecido e Amberle ― Amberle! ― estava no meu quarto quando entrei tentando passar despercebida.
― Onde você estava? ― perguntou em um tom autoritário e aristocrático, típico dela. Infelizmente, desde que era dela que vinha a minha maior fonte de apoio, eu sabia que ela só queria meu bem mesmo tendo um temperamento mais duro que o do irmão.
― Eu estava verificando o Cameron ― respondi tentando manter o rosto sem indícios de culpa.
― Acho que você não tem noção do tempo que eu estive te esperando voltar ― disse com a sobrancelha loura em pé ― nem do estado que seu cabelo está e nem de que, da última vez que Yussef o verificou, ele estava tendo um sono muito reparador e merecido.
Porque essa era a nossa vida agora. Amberle me vigiava como uma águia enquanto seu gêmeo fazia o mesmo com Cam.
― Eu peguei no sono ― confessei mesmo sabendo que não tinha essa obrigação. Ela também não precisava cuidar de mim, mas cuidava.
Seus lábios se juntaram em uma linha branca e fina, mas não me reprovou, mesmo que minhas ações fossem deploráveis, ela sabia que não era disso que eu precisava.
Uma batida na porta encerrou nossa conversa e eu desejei que fosse Tessa quando disse "entre", mas em seu lugar era Tesla trazendo nosso almoço.
― O que há com Tessa? ― questionei conforme ela colocava nossos pratos na mesa.
― Tessa está adoentada ― ela me olhou por um segundo parecendo tomar uma decisão. ― Eu me ofereci para vir no lugar dela, pois Jamile queria saber se estava tudo bem com vocês, mas estava com vergonha de vir por si mesma.
Aquilo era de fato a cara de Jamile e eu já tinha desistido de entender a relação entre as duas havia muito tempo, então acenei:
― Estamos bem, na medida do possível, está sendo difícil para todos nós.
Nossas aulas foram canceladas naquela semana e por mais que eu agradecesse por não ter que me preocupar com isso, me assustava que o motivo não fosse o da nossa saúde mental e sim o fato de que ainda não tinham descoberto quem havia atirado e matado Sylvie e nem seus cumplices e enquanto isso não acontecesse, todos nós estávamos em perigo.
***
Entrei no alojamento das aias, aquele que Tessa havia dito que eu não podia entrar todos aqueles meses atrás.
Pedi informações com o queixo erguido, como se eu tivesse todo o direito de estar ali, assim como Pierre tinha me ensinado e adentrei o quarto dela, esperando que suas irmãs estivesse ali lhe ajudando, mas encontrei uma Tessa sozinha e chorando.
― Tessa ― chamei me sentando ao lado dela. ― O que aconteceu?
― Senhorita Avery, não deveria estar aqui ― disse tentando se recompor.
― É claro que eu deveria, Tessa, como eu não poderia cuidar de você da mesma forma que você cuidou de mim?
― Está tudo perdido, senhorita Avery, tudo perdido.
― É claro que não, Tessa, você está apenas doente! ― tentei acalmá-la.
― Não estou doente ― exclamou enfiando a cabeça entre as mãos. ― Ela está morta, morta!
Meu sangue gelou:
― Quem está morta, Tessa?
― Minha irmã! ― gritou ela, claramente histérica. ― Ela está morta!
― Como, Tess? ― indaguei preocupada. ― Qual delas? Como isso aconteceu?
― Bem debaixo dos meus olhos ― continuou ela parecendo não me ouvir. ― E eu não pude nem ao menos contar a ela!
― Contar o que? ― questionei suavemente tentando trazê-la para a razão.
― Que ela era minha irmã!
Uma ideia terrível começou a se apoderar da minha mente:
― De quem você está falando, Tessa? ― interroguei, um suor frio descendo minhas espinha.
― De Sylvie ― berrou ela parecendo fora de si. ― Ela era minha irmã!
***
Cameron bateu em minha porta após um bilhete apressado que entreguei para Amberle, que entregou para Yussef, que entregou para ele e eu o permiti entrar depois de olhar para os lados no corredor.
― Nós precisamos conversar ― informei o arrastando.
Suas olheiras haviam diminuído consideravelmente depois de seu descanso forçado, mas ele ainda parecia cansado e me arrependi por lhe dar mais uma preocupação, mas eu sabia que ele precisava saber a verdade
― Bem, sente-se ― pedi apontando para a cama e quando ele me obedeceu, me sentei também. ― Eu descobri algo ― disse tentando reunir coragem. ― Algo sobre Sylvie.
Seu corpo endureceu e ele me olhou com urgência:
― Sobre ― ele pareceu ter que forçar as palavras para fora ― a forma como ela morreu?
Havia isso também, ele era incapaz de pronunciar a palavra assassinato.
― Não ― respondi rapidamente, não querendo lhe dar falsas esperanças. ― Sylvie tinha uma irmã ― sussurrei achando melhor colocar tudo para fora logo. ― Aqui.
― Não. Sylvie não tinha irmã nenhuma, muito menos aqui. Sua mãe morreu quando ela era pequena e ― ele pausou em um engasgo, parecendo a ponto de engolir sua própria língua. ― Quem?
Chocada pela sua mudança de atitude foi como se a palavra fosse arrancada de mim:
― Tessa.
― Como? ― ele perguntou, o vocábulo arranhado, rasgado, de sua garganta.
― Tessa me disse que o pai delas mantinha a mãe dela como amante. Foi assim que ela e as duas irmãs mais novas nasceram. Elas não sabiam que ele tinha outra família, Tessa só descobriu pouco antes de vir para cá. Ele nunca revelou o nome verdadeiro dele para elas, sempre disse que seu nome era Aberne.
― Bastardo maldito! ― Cameron parecia a ponto de explodir. ― Eu sempre odiei aquele homem pela forma como ele tratava Sylvie, mas agora o odeio ainda mais pela forma como ele tratou sua segunda família.
Então ele caiu para trás, o peito subindo e descendo rápido, como se ele tivesse sido esvaziado de tudo que o mantinha de pé e eu percebi que ele estava chorando.
― Oh, Cameron! ― me deitei ao seu lado, o abraçando, tentando passar conforto através daquele gesto tão simples de carinho.
― Até você eu nunca tive outros amigos além de Sylvie ― confidenciou em voz baixa, finalmente mais calmo. ― Quando eu ainda vivia em casa, era tudo sempre silencio, meu pai estava muito ocupado educando Pierce ― ele deu uma risada estrangulada. ― A última vez que soube de meu irmão, logo antes de ser convocado, recebi uma carta informando sobre a gravidez da esposa dele. Nenhum convite para voltar para casa com a linhagem dos Britstein assegurada.
O nome Pierce Britstein acendeu algo dentro de mim e eu levantei a cabeça para encará-lo:
― Seu irmão se chama Pierce?
― Sim ― respondeu sem entender onde eu queria chegar.
― A esposa dele por acaso se chama Tamara?
― Sim...? ― ele continuava confuso.
― Bem, esse é um dia de muitas descobertas, pois nós não somos apenas amigos, Cam, Tamara é minha irmã.
Ele deu uma risada nasalada e seus olhos começaram a se encher de lágrimas novamente.
― Eu sinto que algo deu errado naquela noite, como se eu tivesse entrado em uma porta secreta e caído em um universo alternativo onde tudo é estranho e eu não sei o que fazer ― ele pausou me abraçando de volta e grudou seus olhos nos meus. ― Eu sei que você esteve lá, sei que dormiu ao meu lado, que me deu conforto quando eu precisei.
― Como? ― sussurrei envergonhada.
― Eu senti seu cheiro em meus lençóis quando acordei ― ele tirou uma mecha de cabelo teimosa da frente dos meus olhos. ― Saiba disso agora, Avery, eu nunca vou sair do seu lado, de qualquer forma que seja, guarde meu voto.
E eu guardei.
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Agora o título da história começou a fazer sentido, né? Espero que vocês tenham gostado do capítulo de hoje e estejam preparados para a Avery Holmes que vai dar as caras no próximo capítulo.
Alguma aposta do que está prestes a acontecer e o que ela vai descobrir a seguir?
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