Capítulo Trinta
Avery Strong
Quando acordei, meu primeiro pensamento foi que havia um deserto no lugar onde antes ficava minha garganta. Meus dedos tentaram tocá-la, mas tudo que alcançaram foi gaze. Abri meus olhos em seguida, tentando puxar o ar com força, mas só conseguindo colocar uma pequena lufada dentro dos pulmões.
Encarei o teto cor de creme da enfermaria e as memórias do que tinha me levado até ali encheram minha mente me fazendo arfar. Beurengard não só tinha admitido ter sido ele a plantar as ideias criminosas na cabeça de Samuel Prescott, como também tinha tentado me matar.
Meu som de horror deve ter chamado a atenção de uma enfermeira, pois Kawea, a mesma que tinha me atendido após eu passar mal durante o Picote, se aproximou me dando um susto, já que eu não tinha nenhuma visão periférica de minha posição:
― Calma ― pediu ela. ― Está tudo bem, você está segura agora.
Tentei, em pânico, lhe contar o que tinha acontecido, com medo de que Beurengard voltasse para terminar o que tinha começado, mas não fui capaz de fazer as palavras passarem pela minha árida garganta.
― Fique tranquila, querida, beba isso ― ela encostou o copo em minha boca e eu engoli avidamente o líquido gelado que ele continha e instantaneamente fui preenchida com uma sensação cálida. Meus batimentos cardíacos diminuíram, assim como minha respiração rápida e meus olhos começaram a se tornar pesados.
Quando eu despertei novamente, não só eu voltei a ter posse do meu pescoço o suficiente para olhar ao redor, como encontrei Cameron cochilando em uma poltrona próxima a minha cama. Sua camisa normalmente perfeitamente passada estava completamente amassada, os botões de cima abertos e as mangas enroladas até os cotovelos. Sua cabeça estava caída em um ângulo que tinha que ser desconfortável, círculos escuros sob os olhos.
Tentei chamar seu nome, mas tudo que saiu foi um som estrangulado que foi o suficiente para que ele me olhasse abruptamente:
― Avery! ― exclamou ele. ― Evie ― chamou a seguir, se levantando da poltrona.
A mulher loira veio correndo em minha direção e o rapaz ficou parado do meu outro lado parecendo ter medo até de se mexer, seus olhos fixados em mim como se eu pudesse desaparecer a qualquer momento.
― Que susto você nos deu, hein? ― disse ela delicadamente ao verificar meus sinais vitais. ― Mas ela está bem agora, a garganta se curou com muito mais rapidez do que esperávamos.
Cameron soltou um suspiro de alívio, mas eu ainda estava preocupada, minha voz ainda não estava saindo, por mais que eu quisesse. A enfermeira pareceu perceber a minha expressão, pois me tranquilizou:
― Sua voz voltará em breve, Avery, acreditamos que sua incapacidade de falar se dê menos pelo trauma físico e mais pelo estresse, não posso nem imaginar passar por um episódio como o de seu sufocamento. Você vai estar completamente boa logo e assim que pudermos tirar esse curativo, você vai poder voltar para o seu quarto ― ela me ajudou a sentar, colocando travesseiros em minhas costas para garantir que eu ficasse ereta antes de seus olhos se voltarem para o rapaz ao meu lado e ela apontou para o jarro na mesa de cabeceira. ― Vou deixá-los um pouco sozinhos, mas ela precisa beber isso. Tudo ― completou em tom autoritário e ele acenou.
Ela saiu da enfermaria nos deixando a sós, mas suas palavras me alarmaram, eu não queria voltar a dormir, não antes de conseguir jorrar tudo o que tinha acontecido naquele corredor. Cameron puxou a poltrona para mais perto e se sentou, antes de pegar minha mão entre as suas e beijar meus dedos.
― Eu sei, Ave, sei de tudo que aconteceu, Amberle não nos poupou de detalhes ― ele limpou a garganta e me serviu um copo do líquido do jarro, mas eu balancei a cabeça. ― Prometo que isso não vai te fazer dormir, se é essa sua preocupação, é apenas para acalmar qualquer dor que você possa estar sentindo e te ajudar a curar mais rápido.
Finalmente eu concordei e bebi o remédio que, de fato, tinha um gosto diferente do calmante que tinham me dado anteriormente. Depois, toquei o meu pescoço enfaixado com os dedos em uma pergunta silenciosa.
― Você pode ficar tranquila agora. Damien e Amberle não ouviram tudo, mas o que escutaram foi o suficiente, somado a cena que encontraram. Eles também encontraram o rastro de provas que Beurengard tinha deixado para tentar incriminar Tessa e por mais que ele tenha negado, isso não impediu que ele recebesse uma sentença semelhante ao que tentou fazer com você ― ele tocou meu pescoço cicatrizando com delicadeza. ― Foi muito mais sangrento que os outros dois, mas foi o que ele merecia.
Suspirei me sentindo instantaneamente mais relaxada, por mais que eu preferisse ter visto aquilo com meus próprios olhos, o testemunho de Cameron seria o suficiente para que eu parasse de temer que aquele homem horrível viesse até mim novamente quando eu estivesse dormindo.
― Te mantiveram desacordada por dois dias ― contou ele, seus olhos secos, mas tão cheios de sentimentos que era como se transbordassem. ― O ferimento de faca não foi profundo o suficiente, o que te deixou pior foi o sufocamento. Por Crown, Avery, eu não sei o que faria se te perdesse também.
Eu não conseguia abraçá-lo, então o puxei para que sua cabeça repousasse em meu colo e eu pudesse brincar com seus fios de cabelo compridos. Eu queria lhe dizer que nunca deixaria seu lado, que não o faria passar pela dor da perda de novo se eu tivesse escolha, que com ele eu tinha encontrado algo que nunca esperei, mas as palavras estavam presas em meu corpo machucado, então deixei que a caricia dos meus dedos lhe contasse tudo.
Mais tarde, fui visitada por um mar de gente, Tessa, que chorou quando me viu como se eu estivesse muito mais estropiada do que apenas um ferimento quase completamente curado. Yussef, que tinha o cabelo loiro arrepiado graças ao seu ato de esfregar as mãos nele quando estava nervoso e Amberle, que tinha os olhos inchados de tanto chorar e ambos me deram um abraço estranho graças a minha falta de mobilidade, mas eu era muito grata a eles, o garoto que sempre quis ser meu amigo e a garota que tinha sido minha guardiã quando eu mais precisei. Damien também tinha aparecido, disse que era para ver se seu salvamento tinha ocorrido como o planejado e eu alimentei o seu ego, o chamando de herói, mas apesar de seu clássico sorriso arrogante e despreocupado, pude notar que ele realmente tinha se preocupado. Por fim, vieram Jamile e Tesla, já tarde da noite, após Evie se retirar para noite, e as duas cantaram uma música de ninar para mim, como se eu fosse uma criança. Aquilo me lembrou de Tamara, minha irmã mais velha, que eu tinha parado de considerar no minuto que saiu de casa e eu dormi com os olhos molhados.
Tive alta na noite seguinte, as palavras finalmente rolando pela minha língua, mesmo que roucas e eu aprendi a valorizá-las mais que tudo, pois o silêncio forçado era como uma prisão.
O pedido de socorro da Seita chegou dois dias depois.
Nossa professora de história, já na primeira aula de segunda-feira, nos informou as notícias com o rosto apreensivo:
― Recebemos um chamado advindo da Seita nos pedindo apoio.
Meu coração parou e eu agarrei a mão de Cam debaixo da mesa. Ele prontamente apertou a minha de volta em sinal de nervosismo mútuo.
― Por quê? ― perguntou Natalie.
― A grande guerra predestinada finalmente está aqui ― Nuria olhou para Jamile e sabendo que esta tinha uma falha de conhecimento sobre o mundo dos Highters, ela esclareceu: ― Entre nós, filhos de Crowned e eles, filhos de Irridescent ― completou com asco.
― E para que? Querem nos colocar no front? ― indagou Gisele. ― Os Iniciandos a Parlamentares?
― Uma guerra é mais do que apenas o front, Gisele ― explicou nossa tutora com paciência. ― Foi uma decisão difícil, mas vocês serão colocados nas tendas de enfermaria ― ela me deu um olhar de pena, sabendo que eu mal havia acabado de sair de uma.
― Mas eu quero lutar junto ao meu irmão no campo de batalha ― exaltou-se Damien.
― Senhor Mancrown, por mais que sejamos todos filhos de Crown, nem todos nós fomos escolhidos por ele para esta missão. Tente pensar que também ajudará, também estará salvando vidas, apenas não com uma espada em punho.
― Mas sabemos lutar, aprendemos esgrima! ― relacionou Anderson.
― Vocês aprenderam uma arte, o básico para saberem como se defender, não é o suficiente para irem para a batalha.
― Mas e sobre a enfermaria? ― perguntou Amberle. ― Nunca tive que cuidar de nenhum doente.
― Vocês receberão instruções quando chegarem lá. Mais alguma dúvida?
― Quando partirmos? ― indaguei, a voz ainda rouca, mas muito mais firme.
Ela nos deu um olhar de desculpas:
― Essa noite.
Após Tessa me ajudar a arrumar as malas, eu enviei um bilhete para Tesla, minha caligrafia apressada, poucas palavras rabiscadas em um pedaço de papel:
Avise ao Rei Cryllis que a hora de cobrar meu favor chegou.
Cameron chegou ao hangar correndo, o cachecol vermelho e chamativo que eu tinha lhe feito amarrado no pulso como um símbolo de boa sorte mesmo que estivéssemos no verão. Quando finalmente subimos na nave, ele pegou minha mão como já havia se tornado um costume entre nós:
― Preparada? ― perguntou tirando uma mecha de cabelo, que havia se desprendido da minha trança, do meu olho.
― Sempre ― respondi apertando a mão dele de volta.
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Espero que vocês tenham gostado e como eu prometi foi muito mais suave que o Livro Um. Semana que vem sai o epílogo, com uma formação importante alem de um segredo que eu tenho mantido a sete chaves e estou muito ansiosa para vocês descobrirem.
Até quinta <3
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