Capítulo Três
Eu desci alguns degraus e cega pela luz, pisei em falso. A queda foi certa e o melhor que pude fazer foi sorrir já sentada. Algumas se aproximaram para ajudar, mas recolhi toda a dignidade que ainda me restava e me levantei sozinha, ergui as saias e desci com o que me sobrava de nariz empinado. Quando finalmente cheguei ao chão, as palmas eram ensurdecedoras. Me alinhei aos outros e assisti os últimos serem apresentados.
― Anderson Vinceslaw! ― e por fim: ― Lia Woodlow!
Ela se juntou a nossa fila enquanto eu olhava em volta buscando familiaridade no mesmo local que eu havia estado mais cedo. O lugar estava exatamente igual com exceção das pessoas ao fundo.
Virei meu rosto novamente para frente ao ouvir o som de estática de um microfone. Eu reconhecia o som, pois uma vez ao ano, no dia da Vitoria, o prefeito de Rivertown fazia um pronunciamento em comemoração. Senhor Swisten começou a falar:
― Boa noite! Hoje iniciaremos a corrida de candidatura ao cargo de Parlamentar da Verhallow. Aqui, diante de vocês, eu apresento doze Iniciandos, fortes, inteligentes e dispostos para fazer desse o melhor ano de candidatura. Os dados foram lançados e agora cabe a Crown guiá-los através do caminho.
Uma salva de palmas se iniciou feito pólvora e fomos levados até um jantar suntuoso na sala destinada a isso. A refeição já estava sendo servida e tivemos que esperar todos se sentarem, primeiro os Parlamentares: Aisha Badawi, Emory MacAdams, Laurrant Constant, Mahara Indra, Samantha Prescott e Vladimir Nikolaev, depois suas famílias, os tutores e por fim, nós.
Fiquei ao lado de Damien Mancrown, com seus cabelos longos e mandíbula rígida e Amberle Jones, com seus cabelos loiros e lábios finos. Mais desconfortável que isso, impossível.
A quantidade de talheres em volta do meu prato seria assustadora se eu não estivesse acostumada a polir e servir desde os doze anos.
Eu não percebi o quanto estava faminta até a loira ao meu lado suspirar e eu perceber que havia terminado a sopa enquanto os outros estavam apenas na segunda colherada e é claro que isso tinha atraído olhares. Tomei uma colherada imaginaria e olhei ao redor antes de "tomar" outra. Eu precisava tomar cuidado, senão o que me tiraria daquela competição não seria nenhum daqueles almofadinhas e sim, eu mesma.
O garoto que havia falado comigo mais cedo, Cameron, me encarava do outro lado da mesa. Desviei o olhar e fingi tomar mais sopa. Quando abaixei a colher, no entanto, uma criada saída de só Crown sabe onde, veio e retirou meu prato. Cruzei as mãos no colo constrangida ao ouvir uma risadinha vinda da loira ao meu lado.
Nunca havia comida suficiente em casa, não para alimentar todos nós de qualquer forma e comer rápido era um hábito que eu custaria a perder. Comíamos o suficiente para não morrermos de fome e o vazio no estomago era sempre um monstro com dentes expostos. Depois que Tamara se foi, imagino que mamãe tenha pensado que as coisas melhorariam para nós, mas o único benefício obtido foi o de ter uma boca a menos para alimentar, o que só adicionou outra linha amarga no rosto dela. Para mim realmente havia sido um bônus, me livrei de Tamara e sua personalidade "sou boa demais para isso" e ganhei uma colherada a mais de purê toda noite, parecia uma boa troca para mim. Eu gostava de Tamara, ela era meu sangue em um mundo onde o sangue realmente importava, mas éramos completamente diferentes e apesar de me arrepender de não ter me despedido dela, não podia dizer que a traria de volta.
Um novo prato foi colocado a minha frente, carne dessa vez, e eu comi vagarosamente, tentando não ficar surda com o silêncio.
Samantha Prescott, uma das Parlamentares, estava sussurrando animosamente com um garoto de uma idade próxima a minha e eu tratei imediatamente de desviar o olhar. Ao longo dos anos eu havia ficado realmente boa em não me meter em assuntos que não eram meus.
O resto do jantar transcorreu normalmente e se eu cometi alguma gafe, não percebi. Ao fiz de nove pratos eu estava mais cheia do que achava possível estar e quando ficamos de pé, tentei não regurgitar tudo no tapete de veludo. Nos retiramos de volta para o salão, que agora tinha uma banda tocando música suave.
Dei alguns passos, mas estanquei ao sentir uma mão no meu ombro nu. Ao me virar, notei que era o mesmo garoto que eu vira discutindo com a Parlamentar mais cedo. Ele tinha cabelos loiro escuro e olhos azuis e sorriu para mim:
― A dama me daria o privilégio dessa dança? ― indagou com uma reverencia exagerada. Eu dobrei os joelhos em resposta e deixei que ele me guiasse pelo salão. ― Senhorita Avery, não é?
― Sim, senhor ― acenei com cabeça, a língua quase colada ao céu da boca com medo de deixar escapar a minha dicção terrível. Tendo abandonado a escola muito cedo para trabalhar, logo aprendi que deveria ficar quieta se não quisesse que caçoassem de mim.
― A senhorita não deveria falar com um homem que não sabe o nome. Sou Samuel, a propósito, assim como a subseção ― ele sorriu como se o meu silencio o divertisse. ― Notei que estava prestando atenção no meu ― ele pensou nas palavras por um segundo ― desentendimento com a minha mãe.
Abaixei os olhos imediatamente.
― Peço perdão, senhor. Lhe asseguro que não fiz de propósito.
Ele pareceu chocado com a minha reação, seus olhos azuis se alargando e se apressou:
― Não é isso ― ele sorriu trazendo de volta a polidez. ― Eu só quis dizer que a notei nesse momento ― uma pausa. ― Não que sua entrada triunfal não tenha chamado a atenção por si só.
O encarei, proibindo a mim mesma de corar. Eu costumava me apavorar facilmente, por causa dos anos que passei sendo mantida na baia pelos meus empregadores, mas eu ainda tinha uma espinha dorsal e de vez em quando eu não era capaz de impedir sua aparição.
― Eu não vim aqui para que rissem de mim ― informei com as costas eretas.
Ele me deu um sorriso afiado, os traços de condescendência indo embora quando desviou o olhar.
― Mas ninguém estava rindo de você, minha querida. estavam admirados.
Eu realmente parei de me movimentar e o encarei:
― Admirados com a minha falta de controle sobre os meus próprios pés? ― questionei de forma sarcástica.
Ele pegou a minha cintura com mais firmeza e nos forçou a voltar a lenta valsa.
― Quase todos aqui são de famílias de Highters, querida, todos estão curiosos para saber até onde você vai.
― Estão apostando para saber quando eu vou cair ― completei entendendo.
Ele deu uma risadinha, se deleitando comigo.
― Não, querida. Estão apostando na sua vitória. Você sabe, eu também nunca fui Picotado, assim com a minha mãe, parece que o sangue poderoso do meu falecido pai não foi o suficiente, é refrescante ver alguém largando a frente em uma corrida quando todos esperavam que fosse a lanterna. ― A música terminou e nos curvamos antes dele se afastar. ― Não me decepcione, senhorita Avery, eu fui um dos que apostou em você.
Ele saiu em passadas largas e eu fiquei parada no meio do salão como uma idiota. Meu estomago se revirou e eu saí para o jardim para tentar respirar um pouco de ar fresco. Mal consegui chegar em um arbusto antes de vomitar tudo o que eu tinha comido.
Puxei meu cabelo do penteado elaborado enquanto meu corpo convulsionava em espasmos.
― Ei, está tudo bem? ― perguntou uma voz singela.
Olhei para trás com os olhos semicerrados e tudo o que eu vi foi um vestido laranja brilhante antes que o movimento abrupto tomasse o melhor de mim e eu voltasse a vomitar.
Ela se aproximou e com cuidado segurou meu cabelo sem falar nada.
― Obrigada ― sussurrei quando finalmente meu interior se acalmou.
― Garotas devem ficar juntas ― garantiu. ― Precisa de ajuda para levantar-se? ― perguntou docemente.
― Não, estou bem ― soltei, mas ao tentar ficar de pé as minhas pernas, fosse por culpa da fraqueza ou daqueles saltos idiotas, me traíram e eu caí com tudo no chão.
― Meu nome é Sylvie, para todo caso ― informou.
― Sylver? ― repeti.
Ela se abaixou e começou ajudar a tirar minhas sandálias.
― Sylvie. Syl-vie.
― Sylvie ― falei certo dessa vez.
Ela acenou e deu um pequeno sorriso.
― Vem, eu vou te ajudar a chegar ao seu quarto ― disse suavemente. Sylvie me guiou pelo lado do casarão e abriu uma porta de madeira com uma escada estreita. ― Espero que você não tenha claustrofobia ― desejou.
Eu poderia ter, mas não tinha e com dificuldade, nós duas subimos.
― Como conhece essa entrada? ― perguntei.
― Meu tio é um dos Parlamentares em exercício ― respondeu simplesmente.
― Ah ― sussurrei. Finalmente desembocamos no corredor do meu quarto e eu apontei para o correto. ― Obrigada ― falei quando ela me devolveu os sapatos.
― Tem certeza de que não quer ajuda para entrar? ― ofereceu.
― Tenho ― respondi rapidamente.
― Bem, melhoras, então ― ela fez uma leve reverencia e se afastou.
Entrei no quarto e atirei os sapatos para um canto. Com dificuldade, desci o zíper das costas e sai do vestido. Escovei os dentes e coloquei a bacia de porcelana que havia no banheiro ao lado da cama caso meu estomago se revelasse novamente. Tessa não estava em lugar nenhum para ser vista, provavelmente não esperava que eu voltasse tão cedo. Eu conversaria com ela na manhã seguinte.
Assim que a minha cabeça tocou o travesseiro, eu estava dormindo.
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