Capítulo Quatro
Avery Strong
Acordei com um toque no meu ombro. Meu sono sempre foi leve, precisava ser. Acordávamos muito cedo e com as paredes finas da nossa casa, todos os sons da rua estavam conosco o tempo todo.
Abri meus olhos com dificuldade já que eles pareciam pesar uma tonelada. Fitei levemente o olhar preocupado de Tessa.
― Ah, senhorita Avery ― exclamou com pesar. ― Como isso foi acontecer logo no seu primeiro dia?
Tentei responder, mas minha língua parecia algodão e levei um tempo para conseguir me sentar ― com ajuda dela já que meus braços estavam inúteis como espaguete cozido demais.
― Estou bem ― forcei. Tentei sair da cama, mas ela me empurrou de volta para os travesseiros com veemência.
― Você não deve se levantar, está obviamente doente!
― Tampouco posso perder meu primeiro dia oficial na cama! ― retruquei com um pouco mais facilidade após ela me ofertar um copo de água. ― Eu já fui trabalhar me sentindo pior que isso.
― Senhorita Avery, entenda o que está em jogo aqui, uma saúde frágil pode te tirar do páreo antes mesmo de realmente concorrer.
― O que eu posso fazer então? ― sussurrei.
― Hoje não é início da corrida, eu deveria lhe entregar seu cronograma e você teria permissão para vasculhar a Bloodhouse e se adaptar. Ninguém dará por sua falta hoje, só precisamos tomar cuidado. Chamarei uma enfermeira amiga minha e trarei um caldo que te fará ser uma nova pessoa amanhã.
Ela afofou o travesseiro em que eu me apoiava e se retirou em busca de uma cura milagrosa.
Permaneci de olhos abertos com medo de fechá-los e não conseguir abri-los novamente. Uma batida na porta soou logo em seguida e murmurei um fraco "entre".
O moreno que havia chegado junto comigo no dia anterior entrou calmamente com um cravo vermelho em mãos.
― Ouvi que você estava doente? ― afirmou em tom de pergunta.
Tessa jamais revelaria que eu não estava bem, principalmente para outro competidor e só havia outra pessoa que tinha me visto mal.
― Sylvie ― declarei.
Ele deu de ombros e se aproximando, me entregou a flor.
― Estimo rápidas melhoras ― ofereceu em tom formal.
― Obrigada, meu senhor ― devolvi e ele hesitou, o protocolo demandava que ele saísse imediatamente, mas ele parecia ter mais a dizer e sendo assim, eu esperei.
― Você fez muito bem ontem ― declarou após um momento.
Contive minha surpresa, afinal sabia que tinha sido um fracasso.
― Você está falando sério? ― sondei.
Ele acenou ainda no mesmo lugar.
― Estou. Você foi tão diferente de tudo que estamos acostumados. Tenho certeza de que foi refrescante. Todos estão depositando suas fichas em você.
Mantive o olhar no cobertor em meu colo, voltando a me sentir doente do estomago.
― Eu nem sequer entendo como tudo isso funciona, vocês estão perfeitamente preparados para isso e eu ― desviei o olhar ― nem tanto.
― Eu cresci em torno deles e posso dizer algo com certeza: eles usam toda a pompa, riqueza e nome para esconder que são vazios por dentro. Todos eles são criados por Crown, para ser poderosos e perfeitos, ― ele levantou uma sobrancelha ― mas o tempo passou e nenhum deles foi escolhido. Todas as cartas estão na mesa agora, Avery, podemos não ter as mesmas origens, mas somos todos iguais nesse aspecto. Nenhum de nós fez parte da seleção mais importante da nossa sociedade, todos nós somos um fracasso a nossa própria maneira.
Ele se retirou e Tessa entrou logo em seguida, corada e com uma travessa nas mãos.
― O que ele estava fazendo aqui, senhorita Avery?
Deixei minha cabeça pender para frente ainda me sentindo exausta e ela colocou a bandeja no meu colo.
― Você não ia trazer uma enfermeira com você? ― mudei de assunto um pouco encabulada.
― Bem, parece que a senhorita não foi a única a se sentir mal essa manhã ― ela abaixou os olhos e pegou a colher.
― Eu posso fazer isso sozinha, obrigada ― tomar sopa na boca de uma garota que tinha idade para ser minha irmã mais velha não estava na minha lista de afazeres.
Ela deu de ombros e me entregou a colher.
― A senhorita teve muita sorte, todos lá pareciam bem piores.
Foi então que me lembrei do mal-estar que havia sentido antes de vomitar.
― Eu passei bem mal após o jantar ― falei depois de um bocado de caldo. ― Vomitei no pátio.
Tessa escancarou a boca:
― Senhorita Avery!
― Nunca vomitou antes, Tessa? ― levantei a sobrancelha.
― É claro que já, mas não fale dessa forma vulgar, ninguém pode te ouvir falando dessa maneira ― ela se empertigou e fez um gesto em direção ao meu prato. ― Agora tome logo esse caldo que eu preciso te passar o cronograma com você doente ou não, suas aulas começam amanhã e a senhorita precisa estar bem preparada para não ficar para trás. Depois se banhe, Evie logo deve chegar.
― Já estou me sentindo melhor, posso tomar banho sozinha ― garanti.
― Tudo bem ― ela se virou para porta e parou no meio do passo me olhando de soslaio. ― Alguém te viu passando mal, senhorita Avery?
Pensei por um segundo enquanto tomava mais um gole.
― Não, ninguém por lá ― menti.
Então ela se retirou.
Cerca de uma hora depois, de banho tomado e prestes a receber tratamento médico eu me sentia muito melhor.
Evie era alta, loira e tinha os olhos escuros e acolhedores.
― É o mesmo que os outros ― declarou se afastando. ― Mesmo que um pouco mais leve. Se aparecer mais algum sintoma não hesite em levá-la até lá embaixo.
Ela saiu e Tessa me entregou o papel. Eu o segurei e li com dificuldade.
Teríamos aulas em sala de aula de história, política, belas artes, literatura e diplomacia. As práticas como esgrima e hipismo e as semi que eram debate e etiqueta e no fim de cada dia.
Olhei para Tessa curiosa:
― O que significa "encorajamento"?
― Encorajamento é uma tarefa cultural. Uma busca por talentos ocultos.
Talentos ocultos? Ótimo! Tudo o que eu precisava era que descobrissem que eu não tinha nada a oferecer.
― Que tipo de talentos?
― Música, arte, costura, qualquer coisa.
Bem, a não ser que limpar fosse considerado um talento eu estava frita. Voltei ao papel para ler os últimos dois itens.
Aos sábados à tarde, chá com os parlamentares e aos domingos à noite, bailes de demonstração.
― Mais bailes? ― gemi desolada.
― Bailes de demonstração são uma forma de atestar o progresso, mas fique tranquila, o primeiro é apenas domingo que vem.
― Você com certeza sabe mais de tudo isso do que eu ― comentei.
― Eu fiz minha lição de casa, para que pudesse ser tão útil para a senhorita quanto o possível. Suas aulas começam amanhã, há algo que queira fazer hoje?
― Eu não aguento ficar nesse silencio, onde posso arranjar algum barulho?
― Eu vou ao ateliê fazer suas luvas e infelizmente não posso levá-la lá para baixo.
― Mas por quê?
― As outras aias vão estar lá também, não é? Eu posso me enturmar ― garanti.
― Não duvido da sua capacidade de se dar bem com as outras criadas, senhorita Avery, mas Iniciandos não são permitidos em nossas alas. A confraternização entre empregadas e Iniciandos é completamente proibida. Sinto muito. ― Suspirei deixando os braços baterem na cama como uma criança mimada. ― Você gostaria que eu ligasse as notícias? ― ofereceu.
Eu não queria, mas era melhor que nada, então aceitei docemente. Tessa a ligou e vi a parede em frente a cama se acender com um sobressalto.
Eu já havia visto telas animadas nas casas em que trabalhei e no Dia da Vitoria, mas nunca uma tão grande e nem tão de perto.
Tessa me ensinou como mexer na projeção e com uma mesura delicada, saiu. Fui deixada, então, para ver os terríveis comunicados. Um ataque terrorista tinha matado dezessete pessoas e deixado mais de vinte feridas. O horror daquilo fez meu estomago se rebelar novamente e usei a bacia que havia deixado ali para esse fim.
A Verhallow não era perfeita, mas ataques como aqueles não aconteciam desde a antiga era. O ódio, o terror e a criminalidade haviam ficado para trás. Aquilo era uma anomalia gigantesca e só podia ter dedo dos Highters nisso. Pessoas não morriam por motivo nenhum, isso simplesmente era absurdo demais. Eu descobriria o motivo daquilo e garantiria que não acontecesse de novo. Não no meu turno.
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