Capítulo Oito
Avery Strong
Sábado começou diferente dos outros dias da semana aos quais eu havia me habituado. Tessa entrou em polvorosa pelo quarto logo após eu ter tomado café:
― Há muitas coisas a serem feitas hoje ― declarou ela já indo em direção ao meu armário.
― Bom dia, Tessa ― falei guardando o livro de Cameron na gaveta do criado-mudo.
Ela me deu um sorriso de lado.
― Bom dia, senhorita Avery. Temos muito o que fazer hoje ― repetiu.
― E por quê? ― devolvi.
― Não me diga que esqueceu do chá com os Parlamentares?
― Claro que não, mas...
― Me diga que assistiu o jornal ontem à noite, não é provável que comecem algum assunto político, mas se começarem...
― É claro que eu vi! ― exclamei.
Eu não havia visto, mas não importou pois ela continuou tagarelando:
― Você tem que estar com a sua melhor aparência, eu até mesmo fiz luvas novas...
― De que cor?
Ela me ignorou.
― E você tem que comer bastante no almoço, precisará ser comedida na frente deles.
Não repetir o fiasco do primeiro jantar, certo.
Ela me olhou de repente:
― Você vai tomar banho ou eu vou ter que te arrastar para o chuveiro que nem uma criança? ― indagou com as mãos nas cinturas. Notando o mesmo tom que eu utilizava com meus irmãos, eu cedi.
― Mensagem recebida ― respondi já me direcionando para o banheiro.
***
Horas depois, eu estava limpa, penteada, maquiada e vestida como uma boneca. Tessa havia me feito comer tanto no almoço, que nenhum dos belos bolinhos confeitados a mesa me causou qualquer desejo. Suspirei triste por perder a oportunidade.
― Haverá outros chás ― encorajou Sylvie sabendo o motivo do meu desapontamento.
― Você nunca me disse qual dos Parlamentares é seu parente.
Ela deu de ombros.
― Laurent é casado com tia Margareth, então eu cheguei a vir aqui algumas vezes ― ela sorriu por sobre a xicara. ― Meu maior passatempo era fazer a minha babá me procurar pelas passagens secretas e é por isso que eu sabia onde deveríamos entrar naquele primeiro dia.
Não tive tempo de responder, pois os Parlamentares começaram a entrar e todos se levantaram.
Eles entraram e cada um parou em frente ao seu assento:
― Boa tarde, Iniciandos! Sejam bem-vindos ao nosso primeiro chá! ― exclamou Vladimir.
Uma salva de palmas se seguiu e eu olhei para Sylvie em busca de orientação, mas ela deu de ombros e eu me concentrei em minha xicara.
― Como se encontram os estudos de vocês até agora? ― perguntou Mahara. ― Andam encontrando alguma dificuldade?
Gisele, como sempre, se adiantou:
― Felizmente, temos ótimos tutores que ao fazerem seu trabalho com zelo, fazem com que nosso aprendizado seja mais fácil.
Cínica.
― E sobre as aulas de Encorajamento? ― perguntou Laurent, tio de Sylvie. Todos acenaram, mas ninguém tomou a palavra. ― Tudo indo bem?
Um coro de sim's se formou e eu mantive meus olhos em minha xicara.
― Até mesmo você, Sylvie? ― perguntou com uma gota de incredulidade.
Sylvie chegou a abrir a boca para responder, certamente para lhe dar um pedaço de sua mente, mas foi cortada pelo grito estridente de Lia Woodlow. Lia sequer falava e um grito seu foi suficiente para chamar a atenção de todos.
Havia uma cobra no jardim e não estou me referindo a Gisele Jugstan. As coisas estavam prestes a ficar interessantes.
A cobra tinha uma estampa geométrica que cobria seu corpo enorme e seu guizo tremulava conforme ela se rastejava em nossa direção.
Notei, depois da cadeira de Sylvie, uma cesta de vime. Aquilo parecia tão aleatório e ao mesmo tempo suspeito e logo a peguei. Chegando perto da cobra, eu deitei a cesta e a assisti deslizar para dentro. Esbarrei na tampa para ela fechar e com uma inalação profunda, prendi a trava que não deixava nenhuma dúvida a cerca daquilo ter sido um esquema. Alguém havia soltado a peçonhenta de proposito e a pergunta principal agora era quem.
***
Eu e Sylvie nos escondíamos quietamente no corredor em frente a sala na qual os Parlamentares discutiam. Ela me cotovelou, tentando escutar melhor.
― Eu disse que deveríamos nos esconder atrás das cortinas ― sussurrei.
― Shh ― foi a única resposta que obtive.
― Isso é inadmissível! ― gritou uma voz de dentro da sala.
― É a segunda vez que acontece e eles estão aqui não tem nem uma semana! ― exclamou outra.
― Ou estão tentando matar a eles ou estão tentando matar a nós ― estabeleceu um deles.
― A fraqueza que isso demonstra...
― É só com isso que você se preocupa, Laurent? ― retrucou outra voz indignada. ― Essas crianças estão sob a nossa proteção...
― A não ser que seja um deles que está fazendo isso...
― O que as duas diabinhas estão aprontando? ― questionou uma voz ao meu ouvido.
Quase cai para trás com o susto, mas Cameron me amparou. Sylvie lhe dispensou uma cotovelada também.
― Silencio ou eles vão nos ouvir ― pediu.
― Acho que já ouviram, passarinha ― anunciou ele. ― É hora de cair fora.
Ele começou a se afastar e eu o segui. Assim que viramos o corredor ouvimos a porta se abrir:
― O que está fazendo aqui, Sylvie? ― perguntou a voz de Laurent. ― Perdeu o juízo?
Cameron e eu rimos em silencio.
***
Alisei meu vestido pela decima vez enquanto me preparava para descer a escadaria.
Após a adrenalina do dia anterior, o domingo foi difícil. Eu havia passado um breve momento com Sylvie, mas toda a sua reclamação por termos "deixado" ela ser pega me fez passar o resto do dia vendo as notícias. Não tínhamos uma teça como aquela em casa e apesar de ser estranho ter o poder de saber tudo sempre à mão, também poderia ser divertido.
Tessa eventualmente apareceu e me fez entrar em um apertado vestido cor de ameixa com amarras complicadas nas costas. Acho que o instrumento de tortura era uma forma de diminuir minha gula, mas aquilo não era necessário depois de ouvir que estavam tentando nos matar.
Dessa vez, ao ser anunciada, concentrei todas as minhas forças em não cair como havia feito anteriormente. Ao chegar ao chão, fui automaticamente vista por Samuel.
― Olá, Avery ― pronunciou me pegando pelo braço e o enlaçando com o seu. ― Vejo que dispensou a entrada triunfal hoje.
Uma semana depois do nosso primeiro encontro, eu finalmente havia reunido coragem o suficiente para realmente falar com ele.
― Não achei que seria de bom tom usar a mesma artimanha duas vezes, além disso não posso ser egoísta, meus colegas precisam ter a chance de brilhar também ― brinquei.
Ele me deu um sorriso mordaz e eu sorri de volta, feliz por ter acertado.
― Vejo que conseguiu recuperar a sua língua ― ele parou quando chegamos à mesa de jantar. ― Te deixo por agora, minha dama, mas imploro para ter a sua primeira dança.
Acenei timidamente e com uma leve mesura, ele se direcionou ao seu próprio lugar.
O jantar transcorreu mais tranquilamente que o primeiro também. Comi o mínimo possível de cada prato, me sentindo culpada e me perguntando para onde aquela comida iria.
Na hora do baile, conforme Samuel se aproximou de mim, eu estava novamente nervosa.
― Pronta para a nossa dança? ― questionou educadamente, já me conduzindo para o salão.
Eu tinha não sabia como dançar, assim como nosso encontro anterior, mas a fluidez de meus passos silenciosos certamente ajudava a esconder minha falta de jeito. ― Como vai, bela dama? Ouvi dizer que foi uma semana agitada.
Levantei uma sobrancelha para ele.
― Não sei por que tenho a sensação de que já sabe a resposta para essa pergunta.
Ele abaixou os olhos me dando um flash de dentes que eu já havia entendido ser seu habitual.
― Eu tenho meus próprios informantes ― me informou em tom conspiratório.
Sabendo que ele estava falando de sua mãe, levantei uma sobrancelha:
― Tenho certeza de que sim, mas caso seja esse seu interesse em minha companhia, devo avisá-lo que não acontecerá.
― Jamais ― garantiu ele. ― Posso assegurá-la de que meus interesses na senhorita são os mais puros.
Felizmente a música acabou sem que eu precisasse seguir com aquela conversa.
― Obrigada por essa dança, senhor Samuel, adorei passar meu tempo em sua presença.
― Posso dizer o mesmo, bela dama ― pronunciou antes de fazer uma delicada mesura e se afastar.
Deslizei até a margem do salão e observei Samuel sair. Eu não tinha certeza se ele estava falando a verdade.
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