Capítulo Doze
Avery Strong
― Bem, poderia ser pior ― comentou Yussef.
― Pior, irmão? ― retaliou Amberle. ― Pior como?
― Poderiam ter nos mandado direto para forca ao invés das masmorras ― respondi a olhando nos olhos.
― Não é tão ruim ― Cameron tentou. ― Apenas temos que esperar que o Rei perceba que conseguiu o que queria e para isso ele só tem que ler os termos.
Nós nos entreolhamos sabendo que não era apenas isso, mas que os guardas não podiam nos ouvir falando a verdade também.
― Eu estou com fome ― sussurrou Jamile optando por um assunto neutro.
Era verdade que nossa última refeição havia sido na Floresta Branca e entre a cavalgada de volta e o nosso tempo como prisioneiros, era normal que estivéssemos famintos.
Eu era muito sortuda por estar acostumada a fome. Os anos vivendo com fome intermitente por comer apenas o mínimo me ensinaram a reconhecer os graus da fome e aprender a ignorar os mais baixos.
― Eu já tive tanta fome que minha fome tinha fomes ― brinquei sorrindo para Yussef. Cameron me olhou preocupado. ― Ou eles vão nos alimentar ou nos soltar, mas um dos dois vai acontecer logo. Fique tranquila, Jamile.
Eu estava certa. Não muito tempo depois dessa conversa fomos levados ao Rei Raghaten.
― Muito bem ― ele começou. ― Vocês cumpriram o nosso objetivo de forma pacífica ― ele juntou as mãos no colo parecendo não tão satisfeito com a parte pacífica. ― Eu só tenho uma dúvida: por que fizeram isso sem minha autorização?
Nos entreolhamos e eu dei um passo à frente.
― Nós queríamos ganhar essa tarefa, Majestade, o senhor deve saber que a nossa vinda aqui foi motivada pela competição.
Ele pareceu pensar por um momento:
― Então deixe-me ver se eu entendi, vocês saíram daqui sem a minha permissão apenas para ganhar?
― Sim, Majestade ― respondeu Cameron sem hesitar.
Ele nos olhou por alguns segundos antes de cair na gargalhada:
― Isso é fabuloso! ― ele aplaudiu. ― Um dia com uma vitória para todos nós. Ordeno que um banquete seja servido em nossa homenagem! Criados!
Perfeito.
***
Tesla puxava as fitas do meu corpete enquanto Sylvie atazanava as minhas ideias com perguntas sobre o que tínhamos feito.
― Como vocês conseguiram isso? Era um feito impossível!
― Mas foi feito, não é? ― a olhei de soslaio. ― Será que podemos parar de falar sobre esse assunto?
Sylvie não parecia feliz, mas concordou:
― Tudo pronto, senhorita Avery ― disse Tesla tocando a minha mão.
― Obrigada, Tesla ― a olhei nos olhos. ― Você está fazendo um ótimo trabalho.
Sylvie me encarou abertamente enquanto subíamos o corredor.
― Você está agindo muito estranho ― acusou.
― Eu quero voltar para a Bloodhouse, apenas isso.
― Você deveria estar feliz! ― exclamou ela. ― Conseguiram finalizar a missão, logo estaremos em casa.
― Ainda faltam pelo menos dois dias para virem nos buscar ― a olhei.
― Dois dias depois do problema já ter sido resolvido.
― Muita coisa pode acontecer nesse tempo ― murmurei quietamente quando entramos no salão.
As cadeiras foram puxadas para nós e tranquei meus olhos com os de Cameron enquanto me sentava como se respondendo a sua pergunta silenciosa.
― Agora que todos estão presentes ― pronunciou Raghaten ― proponho um brinde a nossa vitória mútua.
Fomos servidos com um vinho doce de cor bem vermelha e eu o sorvi tentando manter meus olhos longe do menino-rei.
Conforme a noite correu, eu andei pelos corredores fantasmagoricamente vazios até chegar ao quarto que me foi indicado. o garoto jazia pequeno na cama, me fazendo recordar o que ele realmente era, uma criança. garantimos que ele seria bem tratado e isso me bastava. ele estava abraçado a coroa o que fazia tudo mais fácil e... patético.
Arranquei a coroa de seus braços esguios e segui para o grande espelho próximo a janela. Coloquei a coroa em minha cabeça e por um momento eu sorri.
Naquele instante eu era a Rainha de um reino pobre e quebrado. Ah, como era irônico.
Pois bem, voltemos ao começo.
***
― Lhe daremos a coroa e o reino de Raghaten ― o cortei. ― Mas antes o senhor precisará assinar o termo que ele demanda.
Rei Cryllis parou, chocado com a nossa audácia:
― E por que eu faria isso?
― Para deixá-lo contente, é claro, e distrai-lo do nosso propósito ― ofereceu Amberle.
― Não vejo proposito aqui ― retrucou ele com uma sobrancelha levantada ― apenas rodeios que não vão me trazer nenhum benefício.
― Mas vão ― eu respondi ― em nosso caminho para cá ouvimos uma história antiga de quem tem a coroa é autodeclarado rei e deve ser respeitado como tal.
Jamile havia nos contado aquilo em nossa reunião de planejamento naquela noite, depois de ouvir a história inocentemente de Tesla. Ela não explicou o contexto, mas se dependesse da forma como a ruiva o olhava eu duvidava que houvesse um quê de inocentemente naquela situação.
― Essa é a proposta de vocês? ― ele questionou. ― Tomar a coroa de Raghaten como se fosse um brinquedo nas mãos de uma criança?
― É para isso que contamos com a sua ajuda, Rei Cryllis ― se adiantou Cameron. ― Precisamos de alguma substância para dopá-lo.
― Vejo que pensaram em tudo sozinhos, mas eu tenho uma pergunta ― o rei se levantou, majestoso. ― Por que vocês estão fazendo isso? O que vão ganhar?
― Estamos em uma competição, vossa Majestade, esse é um teste de diplomacia ― respondeu Yussef imediatamente.
― Lhe daremos a coroa em troca de apenas uma garantia de que Raghaten será bem tratado ― me apressei em dizer. ― Ele é apenas um menino, afinal.
― Nós temos um acordo, então ― aceitou sorrindo e levantando os ombros. ― Lhes darei a vitória e a garantia de que Raghaten será tratado como um membro da Floresta Branca. Agora vão, meus guerreiros os levarão até a fronteira onde lhe darão um pouco de raiz valeriana, que deve ser diluída em líquido. Eu e meus soldados esperaremos até o amanhecer na beira da Floresta, mas um minuto a mais e nosso acordo estará quebrado ― afirmou antes de nos dispensar com a mão.
***
Sai pelo corredor com a coroa ainda em minha cabeça como se eu realmente fosse a rainha por direito daquele lugar. Quando estava quase na porta de entrada daquele castelo fantasma dei de cara com uma das poucas aias restantes. Parei e a encarei, esperando para ver se ela faria algo, como gritar ou acionar algum alarme, mas tudo o que ela fez foi desviar os olhos e seguir andando. Fiz o mesmo.
Ao chegar ao lado de fora respirei fundo o cheiro pungente de natureza, a luz da lua tocando a minha pele. Caminhei através das arvores até chegar à beira da Floresta. O rei Cryllis, sem coroa, assim como havia nos prometido, esperava cercado de seus melhores cavaleiros.
― Aqui estou eu, vossa Majestade, trago-te tua vitória sobre a minha cabeça ― pronunciei, minha voz ecoando. ― Qual é a garantia que me dá de que Raghaten será bem tratado?
O rei desceu de seu cavalo e se aproximou de mim, uma folha de papel em suas mãos:
― Isso é a escritura de uma casa, no nome dele, dentro da Floresta Branca ― me ofereceu. ― Ele também receberá o título de Lorde e tutores para que obtenha conhecimentos sobre a natureza e as outras ciências ― ele me deu um sorriso travesso, os dentes brancos contrastando com a pele mais escura que a minha. ― Ele não será requerido na Guarda da Floresta, mas acredito que a senhorita não vá me culpar por não querer um ex-rei no serviço militar.
― Muito bem ― meneei com a cabeça. ― Suas oferendas de paz me agradam e eu as aceito ― lhe dei um sorriso compatível. ― Ajoelhe-se diante de mim.
Ouvi um murmúrio entre os seus soldados pela minha ousadia, mas ele o fez sem hesitar.
― Eu, Avery Strong, por muito pouco tempo rainha da Floresta Vermelha, te coroo como rei desse reino para cuidar dessas terras, dos que nela vivem e garantir a paz da Floresta.
― Muito obrigada, minha senhora ― ele agradeceu com humildade ao se levantar. ― Meu primeiro ato como rei das duas Florestas é unificá-las!
Seus soldados começaram a gritar em comemoração e bater suas lanças no chão. A Floresta era uma só e aquilo era mágico.
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