Capítulo Dois
Avery Strong
A viagem de carro durou algumas horas e foi cheia de descobertas para mim, que nunca havia andado em um veículo daqueles. A península era enorme para que todo povo do complexo vivesse com tranquilidade e quando chegamos eu estava exausta e ansiosa.
Swisten abriu a porta para mim e eu tropecei para fora. Criados levaram a minha bolsa e minhas mãos coçaram para tomá-la de volta. A mansão gigantesca brilhava salmão ao sol da tarde. A Bloodhouse me encarava de volta.
― Essa será sua nova vida, senhorita Avery ― disse Swisten. Ele me olhou como se quisesse uma resposta, mas minha garganta estava seca e não consegui pronunciar silabas coerentes.
O carro se afastou e Swisten, Ackerman e Beurengard entraram e só me restou a opção de segui-los.
O lugar era suntuoso, todo chão de mármore e estatuas por todos os cantos, mas todo aquele luxo não me era novidade, eu havia trabalhado para Highters com casas parecidas com aquelas antes mesmo de sair da infância.
Swisten estava errado. Aquela já era a minha vida, eu ainda estaria servindo, a única diferença é que eu não estava mais uniformizada.
Os homens seguiram em direção aos outros adultos ali presentes e novamente fui deixada sozinha. Cruzei os braços, os olhos vasculhando os rostos ao meu redor. Uma mão em meu ombro fez com que eu girasse assustada.
― Olá, como é seu nome?
O garoto atrás de mim era muito alto e tinha cabelos castanhos e olhos esverdeados. Ele sorria amigavelmente e eu fiz uma reverencia apressada como havia sido ensinada. Ouvi alguns risinhos vindos do outro lado do salão e rezei para não serem direcionados a mim. Eu não merecia aquele tipo de humilhação tendo mal chegado.
― Avery Strong, senhor ― declarei finalmente respondendo sua pergunta. ― Ao seu dispor.
Ele franziu as sobrancelhas, mas se curvou como o cavalheiro bem-criado que parecia ser.
― Sou Cameron Britstein ― ele levantou ambas as sobrancelhas. ― Bem, senhorita Strong, nunca ouvi esse sobrenome antes.
Escancarei a boca para explicar que, apesar de lisonjeada, não era uma Highter, mas fomos interrompidos pela voz irritada de Beurengard.
― Chega de conversa fiada, vocês dois, não foi para isso que os trouxemos aqui!
Fomos salvos de suas palavras acidas, pois Swisten apareceu.
― Não se preocupe com eles, Beurengard ― ele sorriu. ― Venham, crianças, vou levá-los para seus quartos.
Então ele se virou e com um dar de ombros, Cameron e eu o seguimos. Subimos as escadarias de madeira e eu notei que os degraus não faziam barulho. A casa tinha três andares e Swisten virou à esquerda no corredor do segundo andar.
― Hoje à noite vocês e os outros terão seu primeiro jantar como Iniciandos da Verhallow, serão apresentados aos outros onze e aos Parlamentares em exercício. Eles terão voz na escolha de seus sucessores, então pesem bastante essa informação.
Ele parou em frente a uma porta de madeira vermelha e me encarou:
― Esse será o seu dormitório, senhorita Avery ― ele bateu duas vezes e uma garota com traços asiáticos prontamente a abriu e nos encarou com os olhos arregalados antes de fazer uma reverencia ensaiada.
― Senhor Swisten.
― Olá, senhorita Tessa ― fez uma mesura educada. ― Como vão suas irmãs?
― Felizes por eu estar aqui, é claro ― ela baixou os olhos ficando vermelha.
― Fico contente em saber. Lhe deixo com a senhorita Avery para que se conheçam melhor, então ― ele me deu espaço para passar e ela me encarou de cima a baixo. Finalmente ela escancarou a porta e eu dei um passo tremulo para a frente. ― Cuide bem dela, Tessa. Levarei senhor Cameron para seu quarto.
― Até mais tarde, senhorita Avery ― disse o dito cujo para mim.
― Até ― murmurei quando a porta se fechou atrás de mim como o final de uma sentença.
O quarto era enorme, todo em tons de turquesa e detalhes em dourado. O chão era acarpetado e havia uma porta de vidro que separava o dormitório da varanda.
Tessa quebrou o meu silencio deslumbrado:
― Eu já guardei seus itens pessoais em seu closet e já preparei seu banho ― ela apontou em direção a porta que eu deduzi ser o banheiro.
Me aproximei dela e estendi a mão:
― Meu nome é Avery Strong e eu não sou uma Highter, pode me tratar como uma pessoa normal.
― Senhorita Avery, eu não acho que isso seja apropriado...
Percebendo que ela não apertaria minha mão, me sentei em uma cadeira no canto do quarto e comecei a tirar as botas.
― Apropriado ou não, é o que é. Eu estou aqui para competir, não para ser tratada como se fosse feita de cristal.
― Mas senhorita Avery...
― Sem "mas", Tessa. Eu sou uma empregada para os Highters, assim como você ― terminei de tirar os sapatos e segui em direção ao banheiro. ― Também não vou precisar de ajuda para me vestir ― completei fechando a porta atrás de mim antes de suspirar.
O banheiro era em tons de verde e ao canto a banheira gigante fumegava como o cântico de uma sirena. Tirei as roupas com pressa e mergulhei na água quente. Seria uma noite longa. Só consegui me convencer a sair da submersão quando o meu estomago roncou e ao sair embrulhada em uma toalha como fazia em casa, tomei um susto ao dar de cara com a asiática no centro do meu quarto. Contive uma exclamação de espanto e ela desviou os olhos, corada.
― Venha, senhorita Avery, vou te mostrar a roupa dessa noite.
Ela me levou até a outra porta e entramos. O closet era enorme, muito maior que o quarto que eu dividia com os meus irmãos. A sala era vermelha, o chão acarpetado, uma parede inteira era tomada por vestidos e as outras duas tinham roupas comuns, camisetas, calças, casacos e até alguns ternos. Na extremidade final havia as roupas que eu havia trazido e ao lado uma prateleira enorme de sapatos. No meio da sala havia um manequim coberto de tecido azul marinho.
― O que é isso? ― questionei apontando o manequim quando finalmente consegui falar.
― Assim como a senhorita, nós só temos uma chance de sermos bem-sucedidas. Eu passei meses costurando suas roupas e esse ― ela engoliu em seco ― é o seu vestido da tomada de posse.
Ela falou com tanta veemência que soou como se eu não tivesse escolha a não ser vencer.
― Quem depende de você? ― Ela olhou para mim surpresa e desviou os olhos como uma ratinha. ― Eu tenho quatro irmãos, três são mais novos, esse é o tipo de ferocidade que só uma irmã mais velha tem ― expliquei.
― Eu tenho duas irmãs mais novas, Kezia e Sierra ― ela suspirou e eu soube que ela havia encerrado o assunto por ali. ― Vamos! Precisamos te arrumar!
Contrariando o que eu disse mais cedo, ela me ajudou a entrar no vestido para noite e calçar os sapatos altos e quando eu me sentei na penteadeira para arrumar os cabelos não pude evitar voltar aquele assunto.
― Me conte mais sobre suas irmãs, por favor? ― pedi com delicadeza.
Ela me olhou pelo reflexo do espelho antes de voltar os olhos para o meu cabelo escuro e seco.
― Kezia tem dezoito anos e Sierra tem apenas quinze. Perdemos nossa mãe quando ela era pequena e bem, pode ser que a tenhamos superprotegido, pois ela ainda age como uma criança que não sabe nada sobre o mundo real. Nossa mãe era a única constante em nossa vida e nosso pai que sempre havia sido uma figura passageira em nossas vidas, desapareceu de vez.
― Quantos anos você tem, Tessa? ― perguntei sobrecarregada pelo seu tom sério.
― Vinte e dois ― respondeu simplesmente. Não pude evitar a sensação de choque que me percorreu, mas anos convivendo com Highters me deu o que eu precisava para esconder que ela parecia muito mais velha do que era. A preocupação fazia isso com você.
― Minha irmã mais velha tem vinte e três. Ela foi para bem longe ― ofereci. ― Você sente falta delas?
Ela deu uma fungada triste.
― Ah, querida. eu não preciso sentir falta delas, elas foram convocadas também.
― Oh ― murmurei envergonhada.
Ela fungou novamente e colocou a escova sobre a penteadeira.
― Está pronta, senhorita Avery.
Eu me olhei no espelho e fiquei embasbacada. Aquela era eu, sabia disso, mas meu rosto parecia mais amostra, meus olhos pareciam altivos e eu parecia linda.
Ela percebeu a minha incapacidade de falar e continuou, quebrando a magia:
― Bem, eu não fui avisada a respeito ― ela limpou a garganta ― da sua marca ― retrai a mão instintivamente, pois apesar de eu a ignorar, sabia que os outros não eram capazes disso. ― E eu não havia preparado luvas, caso a senhorita quisesse escondê-la o tempo todo, mas eu tinha duas prontas, uma noturna e uma diurna. Você gostaria de usá-las?
Pressionei meus lábios juntos e pensei por um segundo. Normalmente, uma pergunta daquelas me enviaria em um espiral de raiva, mas ali eu não queria que aquilo fosse a primeira coisa que vissem ao olhar para mim.
― Eu aceito as luvas, sim, por favor ― respondi por fim.
Ela me entregou as luvas pretas de cetim e as coloquei com cuidado.
― Já está quase na hora, senhorita Avery.
Eu suspirei e me levantei da penteadeira, tomando cuidado para não cair com os saltos.
― Obrigada, Tessa ― sussurrei. Olhei para ela sem saber muito bem o que dizer. Eu estava acostumada a obedecer a ordens, não as emitir.
Tessa pareceu entender a minha súbita hesitação, pois me tranquilizou.
― Eu vou acompanhá-la até as escadas para garantir que não tome nenhum tombo ― ela abriu a porta e saiu logo atrás de mim arrumando a minha saia enquanto eu tentava puxar o corpete para cima, não estava acostumada a mostrar tanta clivagem. ― Peço que tome cuidado com as saias. Levei semanas para garantir esse caimento e apesar de ter certeza de que o vestido continuaria lindo mesmo após um tombo, não acredito que os outros pensariam o mesmo.
― Não cair ― repeti. ― Entendi.
Ela limpou a garganta e manteve os olhos no chão enquanto falava:
― Eu preciso que a senhorita entenda que ganhar, passar, não importa o nome que dê, não afeta apenas você ― ela me deu um olhar significativo ― afeta a todos nós.
Ela soltou as saias e percebi um grupo de pessoas em frente as escadas.
― Eu darei o meu melhor, Tessa ― assegurei segurando seu olhar.
Ela desviou os olhos acenando.
― E eu trabalharei em suas luvas hoje mesmo, senhorita Avery. Boa noite.
Ela se afastou rapidamente e eu segurei as saias com cuidado para não cair e manter o passo mais rápido que um arrastar.
Havia jovens com idade próxima a minha e mulheres mais velhas os enfileirando.
― Qual é o seu sobrenome? ― me perguntou uma ruiva de vestido verde.
― Strong.
Ela me puxou pelo braço e colocou-me antes de um moreno alto e uma garota alta e pálida e atrás de uma baixinha de olhos verdes de fada.
Um casal extremamente parecidos, loiros e com sorrisos enormes, vieram do fundo do corredor e foram cumprimentados com mesuras e sorrisos e logo mandadas para frente na fila fazendo com que o resto de nós desse dois passos para trás.
― Agora que todos estão aqui, vou dizer como vocês vão se apresentar ― falou a ruiva. ― Vocês serão chamados, um a um e farão o seu melhor para impressionar a todos lá embaixo ― ela nos mediu com o olhar e começou a contagem regressiva: ― Cinco, quatro, três, dois um!
― Sylvie Aberne! ― foi ouvido e seguido por uma salva de palmas.
A fila deu um passo à frente e eu respirei fundo.
― Cameron Britstein! ― eu reconheci aquele nome, era do garoto que eu conheci quando cheguei.
― Leonard Calamar!
A fadinha a minha frente estalou o pescoço e aquilo me causou um calafrio.
― Jamile Golbre! ― mais um passo. ― Amberle e Yussef Jones ― eram aqueles dois que chegaram por último? ― Gisele Jugstan!
A fila estava se aproximando cada vez mais das escadas e eu estava tremendo, a minha pele completamente arrepiada.
― Damien Mancrown! ― um som como um corvo grasnando foi ouvido e as palmas foram mais altas do que nunca. A fadinha na minha frente deu um passo para frente, empurrando os ombros para trás e as luzes ofuscaram meus olhos. ― Natalie Snart!
Ela desceu alguns degraus antes de dar uma perfeita pirueta que terminou em uma delicada mesura.
― Avery Strong!
Hora de brilhar.
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