Capítulo Dezoito

Avery Strong

Acordei na enfermaria, o lugar para onde os que ficaram piores que eu, foram enviados naquele caso de envenenamento na nossa noite de apresentação.

As paredes eram cor de creme, o ar estéril e eu estava cercada de camas baixas como a que eu me encontrava.

Na segunda vez que abri os olhos uma enfermeira veio até mim. Não era Evie, que havia me atendido daquela vez e sim uma moça de cabelos, olhos e pele escura.

― Meu nome é Kawea ― informou. ― Vou checar seus sinais vitais, tudo vem? ― ela verificou a batida do meu coração e se meus olhos eram capazes de seguir o movimento do seu dedo. ― Bem, ― ela disse quando terminou ― parece tudo em ordem. Tudo indica que o seu desmaio possui fundo emocional.

E então, tudo voltou para mim como um soco no estomago.

O Picote, o nome de Lily sendo chamado. O fato de que eu não havia me despedido dela e agora ficaria anos sem vê-la.

Eu virei a cabeça para a borda da cama e vomitei tudo o que pude. Quando não havia restado mais nada que meu estomago pudesse expelir eu me deixei recostar na cama.

Lily. Tirariam Lily de mim.

Kawea levou o vaso onde eu havia vomitado para longe e eu continuei ali, entorpecida demais com o conhecimento de que talvez nunca mais visse Lily de novo. Senti uma onda de raiva irracional da minha mãe me invadir. Por que ela teve que fazer aquilo? Por que não permitiu que Lily fosse como o resto de nós secos de poder?

Eu precisava sair dali. Precisava voltar para casa. Precisava ao menos me despedir da minha pequenina.

Invocando forças que eu não sabia que tinha, eu me levantei do meu catre e silenciosamente retornei ao meu quatro ou aquele que havia sido meu no tempo em que permaneci na Bloodhouse. Fui até o closet e guardei em minha sacola de palha apenas o que eu havia trazido, não precisaria de nenhum daqueles vestidos chiques para onde eu iria.

Quando eu voltava a vestir minhas roupas normais, Sylvie entrou no recinto como um furacão:

― O que pensa que está fazendo? ― acusou.

― Nunca te ensinaram a não entrar sem bater? ― rebati.

― Avery ― ela inspirou como se buscasse paciência. ― Você acabou de ter uma crise nervosa. O que está fazendo fora da enfermaria?

― Estou voltando para casa, lugar de onde eu nunca deveria ter saído.

Ela ficou com a boca escancarada ao lado da porta e eu me sentei na cama para amarrar as botas.

― Avery, você não pode fazer isso! Pense em tudo o que você vai deixar para trás. Nós, seus amigos, o seu estudo e aprendizado, seu trabalho duro. Por Crown, Tessa, pense em Tessa, você fala com tanto carinho dela, pense em como ela vai se sentir se você tirar essa chance dela. Nada disso importa?

― Não ― respondi ríspida. ― Não importa! Não acima dela, nunca acima dela.

― Querida, quando você sair daqui tudo isso, todos os meses que você gastou longe da sua família, será tudo jogado fora!

― Mas eu não posso deixar minha irmã passar por tudo isso sem mim! ― gritei.

Sylvie se aproximou com cuidado, como se eu fosse um animal acuado:

― Querida, ela ficará vem, em cinco ou seis anos ela estará de volta sem nenhum arranhão, pronta para ver você no poder.

― Claro, se ela não for ferida em uma guerra sem sentido ou morrer durante a semana de provações ― notei que o turbilhão de informações que saíram da minha boca a chocaram, mas eu não parei: ― Eu trabalhei para Highters por anos, Sylvie, eu sei tudo sobre isso, passei quase uma década de minha vida vendo famílias chorarem pela perda de seus filhos nesses eventos.

― Ela vai ficar bem, Avery, eu sei disso, ela é forte, é sua irmã, afinal.

― Não. Não completamente ― retruquei.

― O que isso quer dizer?

― Minha mãe teve um caso com um Highter ― balancei minha cabeça odiando minhas próprias palavras e a verdade delas. ― Ou pelo menos eu acho que foi um Highter dada a recente convocação de Lily.

Sylvie me encarou parecendo não saber como responder:

― Isso pode não ser verdade, Avery, as vezes o poder simplesmente floresce e...

― Ela é idêntica a minha mãe ― a cortei. ― Pele clara e cabelo liso. Não há um pingo sequer do meu pai nela. E eu ― minha voz começou a falhar conforme eu me afundei mais em mim mesma. ― Eu me esforcei tanto para faze-la se senti amada e incluída e agora eu tenho a impressão de que os outros acham que eu não os amo o suficiente e eu só ― um soluço escapou e eu tentei secar as lágrimas que eu nem sabia que estavam escorrendo quando senti seus braços magros me circundando.

― Eles sabem ― afirmou ― tenho certeza de que eles sabem. E você ir até lá ou não, não mudará isso.

― Você tem razão ― falei enxugando as lágrimas, um pouco da minha sobriedade retornando. ― Ir lá não seria nada além de autoindulgência e eu não sou autoindulgente.

Arranquei os tênis com rispidez e joguei minha bolsa de palha no chão com raiva. Raiva da minha mãe por ser fraca. Raiva de mim mesma por ter aquela reação. Raiva por não poder estar lá por Lily. Raiva de todo mundo.

― Você deveria dormir agora ― disse ela suavemente. ― Tentar limpar a cabeça com sonhos tranquilos. Se quiser, eu posso te trazer um calmante.

― Não, por favor ― chamei alarmada. ― Fique aqui comigo ― limpei a garganta. ― Não quero dormir sozinha, nunca tinha dormido sozinha até vir para cá.

Ela olhou para mim e o que quer que seja que viu no meu rosto foi o suficiente para que ela acenasse imediatamente:

― Então se deite, mas chegue para lá, eu costumo ser espaçosa.

Eu sorri pela primeira vez naquela noite, me enfiei debaixo das cobertas e rolei para o canto.

― Sylvie ― chamei quando ficamos na completa escuridão.

― Sim?

― Será que você pode me contar uma história? Eu costumava fazer isso com Lily.

― Claro que posso. Deixe-me ver... Há muito tempo uma garotinha nasceu. Ela tinha pele escura, olhos gentis e um sorriso poderoso, ela era capaz de vencer qualquer coisa, mas o Mundo não ficou feliz com isso e continuou enviando obstáculos para ela mesmo após ela consecutivamente vencê-los. Ela nunca se permitiu se abater e por isso nunca foi capaz de perder. Ela nunca perdeu seu sorriso pois sabia que era capaz de vencer qualquer coisa ― um suspiro. ― E você tem que continuar assim agora. você já progrediu tanto que os problemas agora te temem. Nada de ruim vai acontecer porque você não vai permitir. Você é a pessoa mais forte que eu conheço, Avery, nunca se esqueça disso.

― Obrigada, Sylvie ― falei em meio a um bocejo. ― Você é uma verdadeira amiga.

E então, eu dormi.

***

Quando eu acordei na manhã seguinte, Sylvie já tinha ido. Tessa estava guardando as roupas que eu apressadamente havia colocado na sacola de volta no closet.

― Bom dia, senhorita Avery ― exclamou solenemente. Seus olhos estavam límpidos, eu não precisava me desculpas, ela entendia perfeitamente o que eu tinha desejado fazer. ― Acabei de preparar seu banho.

― Muito obrigada, Tessa. Você sempre parece saber o que eu preciso.

― É o meu trabalho antecipar suas necessidades, senhorita ― ela me deu uma piscadela que indicava que ela estava brincando e eu segui para o banheiro.

Aproveitei meu banho, mas não me demorei, quando sai enrolada em uma toalha, Tessa já havia ido, mas Cameron estava ali.

― O que você estava pensando? ― disparou quando me viu.

― Crown, Cameron, você me assustou! ― exclamei colocando a mão na testa.. os olhos dele, enfurecidos, não se desviaram pelo meu corpo nem por um segundo, ainda esperando uma resposta. Revirando os olhos, eu segui para o closet antes de respondê-lo: ― Eu estava pensando em voltar para casa.

― E ir embora sem dar adeus? Deixar Sylvie e a mim sozinhos?

― Como você mesmo disse ― falei ironicamente ― não estariam sozinhos, vocês têm um ao outro.

― Você acha que é a mesma coisa? ― indagou e mesmo sem vê-lo eu sabia que ele estava chocado.

― Perdão, é claro que não é, sua amizade com ela é muito mais antiga e profunda ― terminei saindo do closet vestida.

Ele parecia transtornado parado ali de pé ao lado da minha cama.

― Você acha que eu estaria mais preocupada se fosse ela saindo e não você? ― ele deve ter visto o olhar em meu rosto, pois continuou: ― Avery, a amizade das duas tem o mesmo valor para mim ― ele esfregou os olhos esverdeados. ― Enfim, eu não tenho nenhum direito de te dar um sermão, eu só... estava preocupado. Fico feliz que você tenha mudado de ideia.

― Eu também ― apontei para a cadeira no canto do quarto e me sentei na cama. ― Eu não tenho dúvida de que me arrependeria. No final, seria um gesto vazio, minha ida até lá não impediria a partida dela ― suspirei e tentei limpar a minha mente. Pensar em Lily não faria bem nenhum. ― Me conte como você e Sylvie se conheceram. Tenho certeza de que é uma história engraçada.

Ele me deu um sorriso triste:

― Eu não diria isso ― informou antes de pigarrear: ― Minha mãe morreu quando eu tinha oito anos e eu me tornei um terror depois disso.

Lhe dei um olhar cético. Pela sua personalidade calma, eu não conseguia pensar em nada mais distante disso:^

― Por algum motivo tenho dificuldade em acreditar nisso ― provoquei.

Ele deu de ombros:

― Meu pai não tinha tempo para cuidar de um garoto enlutado quando estava criando um herdeiro a sua imagem ― ele deu uma risada sem humor. ― Então, ele me enviou a um internato na Nordic. Sylvie já estava lá graças a madrasta monstruosa dela. Ninguém gostava muito dela por lá, mas você sabe como a Sylvie é, se torna impossível não a amar depois de conhecê-la.

Eu acenei porque era verdade. Sylvie era uma garota realmente doce apesar de suas estranhezas.

― O resto é história?

Ele devolveu meu sorriso:

― O resto é história.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top