Capítulo Dezesseis

Avery Strong

Nas duas semanas que se seguiram eu me recuperei da minha decepção. As aulas com Pierre ajudaram muito a levantar minha autoestima, quanto mais eu aprendia, mais forte eu me sentia mentalmente. Eu não era uma princesa de contos de fada que esperava para ser salva, eu era a rainha da minha própria história e eu não precisava que ninguém me resgatasse.

Nenhum de nossos tutores havia nos dado mais nenhuma tarefa dispendiosa, como a nossa ida a Floresta, mas durante a nossa aula de arte e literatura naquele dia, Joel, nosso tutor, pronunciou:

― Nós, seus tutores, decidimos marcar a data da apresentação de seus hobbys para semana que vem, junto com a comemoração do dia da Revolução, como uma forma de levantar os ânimos antes do Picote.

O que? Antes mesmo da nossa ida para a Zone 3 eu havia simplesmente desistido de aprender qualquer coisa, mas como sempre foi, o que eu abandonei voltava para me morder. Eu senti como se a marca em minha mão queimasse.

Joel continuou:

― Vocês apresentarão um número aos Parlamentares no sábado que vem ao invés do chá e devem ter tudo organizado e preparado. Confiamos que vocês serão capazes de fazer um trabalho excepcional. Muito bem ― completou, ― estão dispensados.

Sai da sala de aula pedida e confusa. O que eu ia fazer? Certamente não poderia ignorar essa apresentação assim como estive ignorando as aulas que deveriam me preparar para isso.

― Ei, Avery ― chamou Cameron.

― Olá ― respondi me virando sem jeito. Mal tinha falado com ele desde a volta da Floresta e após o que havia acontecido com Gisele eu não sentia vontade de falar com ninguém, não se eles me viam de forma inferior, mesmo se isso fosse velado e não explicito como o desgosto da diaba.

― Eu e Sylvie estávamos pensando em nos reunirmos no pátio de trás ― o som de um trovão caindo o cortou. ― Mas com essa chuva...

― Não quero ficar trancada em um quarto ou em uma sala de aula ― retorqui simplesmente.

Ele pareceu surpreso por eu ter concordado em ir, mas logo se recuperou:

― Onde você sugere?

Eu dei um sorriso que sabia que ele consideraria diabólico e tomei sua mão:

― Venha.

***

Uma hora depois, estávamos os três sentados na copa com uma lista de prós e contras na nossa frente:

― Dança?

― A menos que varrer conte, não.

― Cantar?

― Eu pareço um gato esganiçado.

― Algum instrumento?

― Apenas panelas.

― Declamar poesia?

eles ainda não sabiam da minha dificuldade para ler e eu fui veemente:

― Não.

Sylvie suspirou e abriu a janela. Cameron me olhou com as sobrancelhas franzidas. Eu já sabia o que ele estava pensando, era o mesmo que eu já sabia. Era como se minha marca estivesse sendo queimada tudo de novo. Eu não era boa em nada.

― Ainda temos muitas opções, Avery. Você vai fazer um ótimo trabalho ― ele colocou o copo de água que bebia na bancada ― e você já foi bem em coisas muito mais difíceis que isso.

― Cameron está certo ― colaborou Sylvie. ― Você tem muito mais chance de passar do que eu.

Cam a olhou feio:

― Sylvie...

Uma brisa entrou pela cozinha e um som angelical foi ouvido. O copo de água estava recebendo um leve toque das colheres de prata decorando a parede. Foi como se uma luz se acendesse em minha cabeça oca. Eu já sabia o que faria.

Recolhi meu bloco de anotações e dei um abraço rápido nos meus únicos amigos:

― Obrigada, pessoal, vocês são demais.

E então sai correndo. Parei apenas quando vi uma cena nos corredores que me deixou boquiaberta. Leonard estava se agarrando seriamente com uma empregada? Por um momento pensei que ele pudesse a estar forçando, mas por mais chocada que aquilo me deixasse ela parecia estar gostando.

― Então é isso que você faz enquanto sua amiga Gisele bate nas aias dela? ― questionei ironicamente.

Ele se afastou da garota, chocado e ela sumiu antes mesmo que ele se virasse para me enfrentar.

― Por favor, não conte para ela ― pediu como o rato que era.

Levantei as sobrancelhas para ele:

― Bem a atitude que eu esperava de você. Um rato mais do que um homem.

― Eu gosto dela ― ele sussurrou. ― Se Gisele souber ela vai estragar.

― Mas enquanto você passa um bom tempo com ela, Gisele aterroriza todas as outras. Quanto tempo vai levar até ser ela que a diaba vai machucar?

Finalmente vi entendimento em seus olhos. Era triste que ele só visse maldade nela quando se tratava do seu próprio bem.

― Não conte para ela ― ele repetiu.

― Você vai fazê-la parar ― devolvi.

― Como?

― Não sei, não me importo. Se vire, seja criativo. A. faça. Parar.

Ele engoliu em seco:

― Temos um trato.

A semana voou até que a data marcada chegasse. Eu aguardava, do lado de fora da coxia, meu nome ser chamado. Meu cabelo estava trançado de lado e Tessa havia me vestido com um vestido verde-água. minhas mãos suavam dentro das luvas brancas.

Cameron estava terminando sua belíssima apresentação em cordas e eu era a próxima. Dizer que eu estava nervosa era um eufemismo. A última nota de seu instrumento soou e eu respirei fundo. Minha vez.

Quando ele saiu, arrastaram a pequena mesa com meus artefatos para o centro do salão e me mandaram entrar. Caminhei lentamente, olhos no chão, me recusando a deixá-los vagar ao redor e me intimidar. Ao chegar ao meu destino, parei. Retirei lentamente minhas luvas e repeti para mim mesma que de longe ninguém notaria minha marca. E então, enfrentei um dos meus maiores medos:

― Boa noite ― pronunciei provando as silabas. ― Sei que vocês já viram ótimas apresentações hoje, mas peço que gastem mais alguns minutinhos para prestar atenção a minha, que será bastante singela ― olhei ao redor pela primeira vez. ― Ah, eu irei tocar a Marcha da Vitória.

Um burburinho começou, mas eu o ignorei focada em pegar as colheres de prata e toquei no primeiro copo chio de água. deixei o som me levar, me sentindo fora do corpo. Uma parte de mim se sentia de volta a vila, durante as comemorações do dia da Revolução, bebendo sangria e dançando como se fossemos adultos e outra sentia como se estivesse mais de um século atrás, caminhando nas ruas apinhadas de gente, enquanto entoava o canto ancestral, adagas nas mãos e sangue nos olhos. Aquela era uma sensação celestial e a música tocada com a delicadeza dos copos de água e as colheres de prata davam ainda mais angelicalidade para a cena.

Quando eu estava a ponto de terminar o som de aplausos me assustou e eu errei as duas últimas batidas. Eu certamente não ganharia, mas pelos olhares satisfeitos, eu não havia ido mal também.

Ao chegar do outro lado, Sylvie e Cameron me deram abraços igualmente esfuziantes.

― Você foi incrível, Avery! ― exclamou a ruiva.

― Nunca vi nada mais bonito ― ofereceu Cameron com um olhar brilhante.

― Gisele parecia a um minuto de desmaiar de inveja ― me informou ela dando pulinhos.

Levantei as sobrancelhas:

― Essa era definitivamente minha maior preocupação.

Após o final de todas as apresentações, nos sentamos juntos e aguardamos o anúncio do vencedor.

Joel, nosso professor das belas artes, se posicionou no centro do salão com um envelope em mãos, cheio de pompa.

― Tivemos belíssimas apresentações essa noite e agora, nossos Parlamentares votaram e decidiram qual Iniciando fez a apresentação mais agradável da noite ― ele chacoalhou o envelope fazendo suspense. ― O vencedor é... Jamile!

Explodi em palmas verdadeiramente feliz por ela, mesmo que ela não estivesse no salão naquele momento para receber os aplausos. Se não fosse pelo espetáculo magistral de dança que ela havia apresentado, ela merecia só por todo o preconceito que tinha sofrido pela vida mundana da qual ela não tinha culpa. Ela, mais do que ninguém ali, merecia aquela pequena vitória.

E naquela noite, o mundo pareceu girar mais devagar e se encaixar para todos nós.

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