Capítulo Cinco

Avery Strong

No dia seguinte, fui gentilmente deixada por Tessa no salão onde eu teria as minhas primeiras classes. Ela me fez usar um vestido verde claro para o dia e luvas brancas leves que não me tiravam a sensibilidade.

A primeira aula era sobre a história da Verhallow e eu estava nervosa que eu precisasse ler algo em voz alta, já que era difícil o suficiente ler apenas para mim sem a pressão adicional.

A sala tinha uma mesa redonda e uma janela enorme. Tinham estantes de livros por toda parte e estremeci com medo.

A nossa tutora era uma mulher alta, de pele escura e cachos fartos. Ela estava parada sob a luz solar que provinha da janela e me deu um olhar singelo.

Na mesa já estavam alguns sentados e me sentei próxima de Lia Woodlow. Não demorou para todos chegarem e a mulher se aproximou:

― Eu sou Nuria e hoje iremos falar sobre como as pessoas destruíram o nosso mundo e a Verhallow o reconstruíram das cinzas.

Crescendo na vila do Complexo Fixo a história não me era desconhecida, mas apesar de não acreditar na perfeição do novo mundo eu ainda era fascinada por como tudo tinha acontecido.

― O mundo estava devastado, a ganância dos homens fazia com que eles matassem seus próprios irmãos, a fome gerava desespero e roubos, os vícios causavam violência em larga escala. O mundo estava a ponto de um colapso ― ela pausou e um holograma no centro da mesa se acendeu com imagens da revolução. ― Foi então que a Verhallow surgiu. Centenas de pessoas foram às ruas para protestar e os integrantes das milícias de Varrik e Henvey aliciavam cada vez mais civis para lutar por território. Em fevereiro, um acordo inédito entre eles foi feito e no dia 14 de agosto, eles marcharam até a sede do antigo governo Ourasiano e, bem, tomaram o poder.

O que ela não disse, porém, foi que fizeram isso na base da violência, sangue e assassinato.

― Com a Ourasia, não demorou para que resto do Grande Continente entrasse no acordo também. Em um ano, tanto o continente, como as penínsulas e as ilhas faziam parte da Varrik ou de Henvey, que em união mundial veio a se chamar Verhallow. Após a Vitória, os líderes de cada antiga nação se uniram em um Parlamento com quinze anos de duração, que depois veio a se tornar vinte cinco, como vocês bem sabem. As seções e as subseções foram criadas com o objetivo de facilitar seu governo e a distribuição das suas riquezas, cada uma sendo nomeada em homenagem aos nomes e apelidos daqueles que ajudaram na Revolução. Com a aliança com a Seita, lhes foi concedida a Ilha de Ló, onde foi construído o Complexo Fixo e onde, pessoas como a família de Avery ― apontou para mim com delicadeza ― foram, por vontade própria, para servir aos Highters por ter fé que eles fariam do nosso mundo um lugar mais seguro.

Abaixei minha cabeça querendo entrar em um buraco no chão. Dizer que foi por escolha própria era redesenhar a história. A guerra civil, apesar de não ter destruído cidades inteiras como as guerras anteriores, deixou milhões de pessoas sem casa e emprego. E sem opções a servidão da Ilha de Ló passou a parecer cada vez mais uma oferta tentadora.

A mão da menina com feições de fada levantou a mão e o olhar de Nuria foi para ela.

― Como foi possível resgatar o planeta se ele estava tão destruído?

― É uma ótima pergunta, senhorita Snart. Com tecnologia, é claro, tendo em mãos, os recursos de todos os continentes e trabalhando para o bem de todos e com o esforço de todos ― enfatizou ― foi necessário apenas força de vontade para fazer acontecer.

Lia Woodlow pediu a palavra e nossa instrutora se virou para ela.

― Sim, senhorita Woodlow?

― Mas como manter todas essas pessoas bem cuidadas sem exaurir o planeta novamente?

― Com sustentabilidade e respeito pelo planeta que nos abriga. Economia, reciclagem e cuidado bastaram para fazer o mundo evoluir. O investimento na ciência promoveu a cura para quase todas as doenças, o que gerou uma juventude saudável e a educação levou o nível de criminalidade a quase zero. O mundo é um lugar bom, mas não perfeito e veremos isso mais afundo ao longo das próximas semanas. Mais alguma pergunta? ― questionou suavemente. Ao ver que ninguém se pronunciou ela continuou: ― Por enquanto estão dispensados.

Recolhi meu caderno de anotações que incluía poucas palavras esparsas e me levantei para seguir o fluxo que ia para fora da sala.

― Eu não entendo ― Gisele parecia frustrada. ― Porque alguém iria se rebaixar dessa forma, se entregar para ser ― ela abaixou a voz ― uma criada!

O garoto ao lado dela, franzino e com um nariz enorme, abriu a boca para responder quando uma pequena mão tocou meu ombro e me distraiu da conversa deles.

― Não ligue para eles ― disse Sylvie. ― Ela é uma princesa de papel, só está chateada por não ser o centro das atenções.

Gisele nos deu um olhar feio e apertou o passo, se afastando depressa.

― Ela pode falar o que quiser, a opinião dela não muda quem sou. Aqui somos iguais ― falei com uma convicção que eu não sentia.

― Você está certíssima, Avery, certíssima ― me congratulou.

A próxima aula foi após o almoço com os outros Iniciandos. Tessa separou uma calça de brim e uma blusa verde de mangas ¾ para justificar as luvas. Quando cheguei ao pátio e vi os cavalos eu estremeci.

Isso ia dar tão errado.

Fui a terceira a chegar, pois eu estava acostumada a sempre chegar cedo e isso me irritou já que tivemos que esperar que todos aparecessem antes que nosso instrutor, um homem gigantesco de olhos e cabelos castanhos, nos desse qualquer direção.

― Vocês já tiveram contato com cavalos? ― perguntou fazendo carinho em um espécime marrom parado ao seu lado.

Um coro de sim's e acenos surgiu ao meu redor. O contato mais próximo que eu já havia tido com um daqueles animais enormes foi com um patrão que moravam em Hampcoast. Não sei o motivo de ter um cavalo em uma praia, mas era meu lugar para questionar, já que ele era meu chefe, eu não conhecia cavalos e tinha certeza de que não seria capaz de subir em um por conta própria.

Me aproximei de uma égua rajada de branco e marrom que parecia mansa e me escondi atrás dela para que nosso instrutor não me visse e toquei sua crina macia com cuidado para não a assustar.

― Oi, menina ― sussurrei suavemente. ― Eu vou subir em suas costas, tudo bem?

Respirei fundo, me preparei mentalmente e coloquei o pé no estribo. Percebi alguns segundos tarde demais que deveria ter jogado a outra perna por sobre o cavalo quando comecei a cair e meu único pensamento foi "Inferno, isso vai doer" e eu fui segurada de costas em uma posição muito estranha.

― Ninguém viu isso, meu cavalo é o último ― murmurou meu salvador.

Ele me ajudou a descer e eu estremeci fazendo com que ele me soltasse.

― Obrigada, Cameron ― falei mantendo os olhos no chão.

― Esse cavalo é muito alto para que suba sem auxílio. Aqui ― esticou a mão e após um segundo de hesitação eu aceitei. Ele me colocou sobre a sela e eu joguei a perna no outro lado com cuidado. Ele sorriu para mim com os dentes brancos e brilhantes. Ele era tão alto que, mesmo em uma altura muito maior, sua cabeça ainda alcançava minha coxa.

― Obrigada ― cochichei envergonhada.

Ele negou com a cabeça ainda risonho.

― Apenas mantenha as costas retas e siga o bambolear dela para não cair ― a indicação me pareceu confusa, mas acenei como se conhecesse todos os segredos do universo. ― E da próxima vez peça ao instrutor os degraus de apoio, eu detestaria te ver se espatifar no chão.

A minha primeira aula de encorajamento foi um desastre. Amberle foi direto para um instrumento de cordas gigante, Cameron para o piano de cauda. Lia Woodlow foi para a poltrona com papel e caneta e eu fiquei parada no meio da sala.

Gisele Jugstan se aconchegou com linhas e agulhas. Damien Mancrown foi direto para um cavalete no fundo da sala. Yussef, gêmeo de Amberle, pegou um violino e eu reprimi a vontade de revirar os olhos. Se apenas mais um deles pegasse um instrumento poderiam formar um quarteto.

Leonard foi direto para algumas madeiras no fundo da sala e eu o segui apenas para me esconder dos olhares curiosos, me sentei atrás de uma pilastra e comecei a fuçar numa caixa de papelão e logo Sylvie apareceu.

― Olá, estranha ― sorriu para mim.

― Olá ― falei ainda procurando algo em que eu pudesse me mostrar útil sem sucesso.

― Com dificuldade de escolher entre seus muitos talentos?

― Há-há, claro ― respondi cheia de sarcasmo.

― Essa aula não é obrigatória, você sabe ― me informou.

― Mas no final, nós provavelmente vamos ter que apresentar algo, não vamos?

Ela apertou os lábios em uma linha fina.

― Provavelmente ― concordou.

― Não dá para cobrir o sol com uma peneira para sempre.

Ela deu uma risadinha para minha escolha lexical.

― Gostei da expressão.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top