Capítulo Três

A noite em que tudo mudou novamente, começou como uma noite comum para mim. Eu me encontrava em um bar que estava mais para um pulgueiro, mas Nwabisa gostava da comida então íamos toda sexta-feira, quando um rapaz loiro e bem vestido se aproximou de mim. Homens com roupas como aquelas não andavam por bairros como aquele, mas ele usava um bigode tão ridículo que se tornou difícil para mim desviar o olhar.

― Hasret, se estou certo? ― disse ele em tom galante.

Levantei uma sobrancelha:

― É assim que me chamam ― respondi mais atenta a preparação do meu pedido do outro lado do balcão que ao seu papo.

― Ouvi dizer que você é a mais cruel de todos os grupos dissidentes e por isso te procurei.

― É isso que dizem sobre mim? ― estalei minha língua sarcasticamente. ― Deve ser por isso que ninguém mais responde meus bom dias.

Ele ignorou minha ironia mal disfarçada e se apresentou:

― Sou Samuel Prescott, não que você tenha perguntado.

Tentei não me sobressaltar porque aquele era um nome muito comum e aquilo não queria dizer que ele era o filho de uma Parlamentar em pessoa.

― E o que um Highter pode querer com uma líder tão cruel?

― Imagino que saiba que no próximo ano se iniciará uma nova corrida Parlamentar e eu tenho grandes planos para isso.

― O que o filho da justa Samantha Prescott pode estar tramando que envolva uma rebelde?

― Eu quero o mesmo que você quer, querida, mudar o status quo.

Não podia dizer que acreditava exatamente em suas palavras, havia um tom atado a elas que eu não podia compreender com precisão, mas Nwabisa veio até mim, buscando o prato que nunca cheguei a levar de volta para a nossa mesa e dei a ele o mínimo que podia, um encontro em uma base neutra que não faria falta perder.

Ele me encontrou, tão arrumado e destoante da paisagem ao seu redor, no local marcado na manhã do dia seguinte:

― Fico feliz que tenha vindo, pensei que talvez não me levasse a sério ― disse ele após nos cumprimentarmos.

― Não sou de quebrar a minha palavra, disse que te encontraria então aqui estou ― retruquei. ― Vá direto ao ponto.

― Passei a minha vida inteira vendo de perto a injustiça da Verhallow e agora que me tornei um homem desejo mudar isso, por qualquer meio necessário. Como filho de uma Parlamentar eu tenho informações e fundos, duas coisas que lhe asseguro, você não vai encontrar ninguém que possua mais e que esteja disposto a te ajudar.

Cruzei meus braços e levantei uma das sobrancelhas:

― E o que você deseja em troca?

― Como já disse, no próximo ano se inicia uma nova corrida Parlamentar e acho que é o momento perfeito para quebrar a Verhallow por dentro, pretendo arrumar um aliado dentro da competição e talvez ― ele fez um movimento condescendente com a cabeça ― arranjar um mártir também.

Dei uma pequena risada:

― Com que facilidade fala sobre a morte um homem que nunca teve suas mãos banhadas em sangue ― me aproximei. ― Ainda não entendi o que você quer de mim.

― Quero que você crie o caos, cause pânico e isso, querida, sei que você é muito boa em fazer. Você faz isso do lado de fora e eu garanto que isso seja feito do lado de dentro. O que me diz?

Não confiava nele, aquele tipo de confiança levava anos para ser solidificada e mesmo assim podia sempre ser testada, mas apesar de ter pessoas infiltradas na Ilha de Ló, eles não podiam trazer nem de longe o tipo de informação que aquele rapaz poderia me proporcionar. Encarei o fundo de seus olhos azuis, pensando em uma mensagem simbólica que ambos poderíamos usar para a causa:

― O que acha de usar uma cobra?

Durante os próximos meses, eu e ele nos mantemos em contato através de seu valete e transações bancarias abaixo do radar. Ele me oferecia uma data e as vezes um local para causar caos e com o dinheiro que fornecido para tal, eu me sentia mais do que satisfeita em fazer o que ele queria.

No entanto, ao chegarem na segunda metade da competição, soube que Samuel havia ferrado tudo quando a única notícia que estampava os jornais da nação era a morte de uma das Iniciandas. Quando ele falou em mártir, pensei que seu plano era expor algum tipo de tramoia para colocar algum riquinho no topo e assim colocar alguém de seu desejo no lugar, não que teria coragem de matar uma das pessoas mais vigiadas e queridas da Verhallow.

Eu estava certa, obviamente, e tive certeza disso quando seu valete me informou, com pesar, que Samuel tinha sido descoberto, julgado e executado por traição assim como sua cumplice dentro da competição. Se alguma coisa, me enlutei mais pela perda dos depósitos gordos que ele nos oferecia do que por ter sido estúpido o suficiente para colocar a corda em volta do próprio pescoço.

A Verhallow não conseguiu encontrar seu rastro até mim, eu havia me assegurado de que não seria possível assim que aceitei seu acordo. O dinheiro ia para uma conta sob um nome fantasia, uma mistura da alcunha de vários de nossos guerreiros caídos.

No final das contas, a morte de Samuel me trouxe algo bom, pois mantive contato com seu valete ― que foi considerado limpo e inocente, mais uma prova da ineficácia da Verhallow ― e o mesmo me informou sobre a guerra que estava por vir. A mesma para qual eles vinham se preparando nos últimos anos e mantendo a população geral no escuro sobre.

Aquela era uma chance de ouro, a ocasião perfeita para atacar os maiores e intocáveis apoiadores da Verhallow, a Seita que desde o começo garantiu que eles se mantivessem no poder. Eu sabia que se eles não saíssem vitoriosos, a Verhallow não teria para quem recorrer e seria derrubada por sua própria vaidade em manter o povo cego.

Na noite que ditou nosso novo caminho, convoquei uma reunião no mesmo armazém que nos encontrávamos toda quarta-feira. Quando todos chegaram, tomei a palavra, sem palco ou roupa especial, nada que me diferenciasse deles porque eu não era diferente deles.

― Eu escolhi um sobrenome ― anunciei. ― Muitos de vocês tentaram dividir comigo os seus ao longo dos anos, mas nunca achei certo aceitar o de alguém especifico quando pertenço a todos vocês. Todos vocês são meus irmãos e irmãs, minha família. Por isso escolhi Kurtlar, pois como lobos, somos uma alcateia. E é assim que lutaremos quando a hora chegar, é assim que faremos a Verhallow cair ― berrei e deixei que eles gritassem e ovacionassem antes de falar novamente. ― E será assim que faremos desse mundo nosso!

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