ᴄᴏɴᴛɪɴᴜᴀᴄ̧ᴀ̃ᴏ ᴅᴇ: ᴀɴɢᴇʟs ʟɪᴋᴇ ʏᴏᴜ

Ⓐ

Os reluzentes raios de sol que entravam pela persiana entreaberta da janela do apartamento eram mínimos, porém fortes o suficiente para que fossem capazes de despertar S/N após entrarem em contato direto com as suas pálpebras fechadas em um sono leve. A mulher remexeu-se lentamente na cama confortável e, involuntariamente, virou-se para o lado e estendeu um dos braços sobre o colchão, tendo a total convicção de que Loki estaria ali ao seu lado como sempre.

Pobre S/N. Loki obviamente não estava ao seu lado para receber o seu conforto matinal como de costume. Quando o braço da mulher caiu imóvel sobre o colchão onde Loki supostamente deveria estar S/N finalmente caiu na real; fosse grogue pelo sono ou completamente desperta ela ainda iria cair na ilusão de que tudo estava perfeitamente bem e que Loki não havia sumido na noite passada. Estando com raiva dele ou não, S/N agora sentia mais falta do homem do que quando estava bem ao lado do mesmo mas, infelizmente, ele não demonstrava o devido afeto que a mulher merecia.

A porta do quarto brevemente escuro abriu-se em um baque, revelando a silhueta esbelta de Natasha Romanoff sob as sombras distorcidas do quarto. A ruiva ligou a luz do cômodo e sorriu minimamente para S/N, observando com muita cautela quando a mesma resmungou por causa do excesso de luz repentina entrando em contato diretamente com seus olhos sensíveis.

Natasha poderia muito bem não ser a melhor das conselheiras em situações como a qual ela presenciou noite passada, quando S/N apareceu na porta do seu apartamento com uma mochila nas costas, os olhos inchados e marejados e o rosto extremamente corado, entregando que ela havia chorado muito antes de chegar ali. Levemente atordoada por causa da aparição repentina da amiga mas igualmente comovida pela sua situação, Natasha permitiu que S/N passasse a noite em seu apartamento e, consequentemente, ouviu toda a história de S/N com Loki e muito, muito mais. Ao final do "relatório", Romanoff não pôde fazer nada além de abraçar sua amiga e permitir que ela chorasse o restante do seu estoque de lágrimas internas - obviamente Natasha odiava contatos físicos nesse nível, mas, resolveu abrir uma única exceção para a mulher desesperada e inconformada em seus braços.

Ironicamente, a ruiva também precisou admitir que S/N e Loki eram perfeitamente imperfeitos um para o outro - depois de ameaçá-lo de morte algumas vezes, é claro. Natasha passou três anos acompanhando o relacionamento dos dois por causa de S/N, já que, internamente, ainda queria ver Loki morto depois de tudo o que causara. Ela sabia o quanto eles se amavam e não conseguia compreender o porquê da repentina falta de interesse do deus segundo a própria S/N. Natasha ainda não compreendia isso mas, caso ele fizesse algo parecido mais uma vez, iria sentir muito prazer em matá-lo com as suas próprias mãos.

- Bom dia. - Natasha cruzou os braços em frente ao peito enquanto escorava um dos ombros contra o batente da porta, gesticulando com a cabeça na direção de uma S/N recém desperta - ou quase isso.

- Quanta animação. - S/N comentou após um longo suspiro cansado, jogando as cobertas brancas para o lado enquanto sentava-se lentamente sobre a cama e apoiava ambos os pés sobre o chão.

Natasha sorriu minimamente na direção da sua amiga, quase que como se dissesse "eu sinto muito". Mas S/N não queria que todos agissem como se Loki tivesse morrido ou algo assim, já que todos estavam se portando desse jeito após saberem sobre a história - Natasha realmente não conseguia ficar de boca fechada. Loki definitivamente não estava morto; talvez o mesmo fugira para Asgard ou seja qual forem os outros pares de reinos próximos ao seu. E outra certeza convicta que S/N tinha era: Loki iria voltar. Isso poderia levar dias, semanas, meses - anos, talvez, mas com certeza a paciência de S/N não permitiria esperar por tanto tempo assim.

Mas o que realmente importava era: Loki iria voltar. Muitas pessoas costumam dizer que um raio não cai duas vezes no mesmo local, mas essa teoria talvez seja aplicável apenas para Thor. Loki voltaria, sim. Feiticeiros costumam conjurar a mesma magia duas vezes ao terem certeza da eficácia da mesma.

- Não me olhe assim. Eu estou bem.- S/N resmungou de modo decidido, levantando-se calmamente da cama enquanto caminhava de modo lento na direção de Natasha.

- Estou preocupada com você, só isso.- a ruiva respondeu na defensiva.

- Você não se preocupa com ninguém.

- Tecnicamente, isso é verdade.

- Tecnicamente, isso soa como uma tremenda falta de empatia.

Natasha deu de ombros.

- Ouvi seus lamentos incessantes e seu choro intenso noite passada. Acho que eu sou uma ótima amiga.- a ruiva respondeu, sorrindo.

Antes que S/N pudesse se defender da fala de Natasha o som familiar da campainha do apartamento ecoou alto por todos os cômodos, fazendo com que Romanoff franzisse o cenho em confusão. Aparentemente, ela não recebia muitas visitas ali - pelo menos não pela parte da manhã.

- Já volto.- a ruiva gesticulou para S/N e saiu do cômodo, seus passos pesados ecoando por todo o apartamento até que o barulho da porta da sala sendo destrancada substituiu o som seu andar decidido.

S/N respirou fundo e saiu porta afora em direção ao banheiro no corredor, caminhando aos tropeços na direção do pequeno cômodo ao lado do quarto. Uma vez dentro dele, ela analisou a si mesma no espelho embaçado a sua frente, esfregando as têmporas com a ponta dos dedos em um ato involuntário de cansaço.

- S/N! - uma moita de cabelos ruivos surgiu na porta do banheiro, assustando S/N no mesmo instante. - Se Loki aparecesse aqui do nada, eu teria seu consentimento para matá-lo?

S/N estava prestes a responder um curto e decidido "não" até que finalmente se deu conta do que Natasha quis dizer com isso.

A mulher irrompeu pela porta do banheiro e pelo corredor, desviando dos diversos móveis em seu caminho enquanto sentia suas meias fofinhas deslizando pelo piso abaixo de si. Quando chegou à porta principal na sala por pouco não resvalou para frente, fato que fez S/N agarrar-se no batente da porta para não perder totalmente o seu pouco equilíbrio naquele momento.

Não havia Loki nenhum parado em frente a porta como S/N havia presumido. Em um lapso momentâneo ao se dar conta de que talvez o homem já tivesse saído dali há tempos S/N espiou o corredor de ambos os lados, tentando conter um misto de animação e euforia ao notar a figura contorcida de Loki sentado sobre o piso, com as costas pressionadas contra a parede enquanto seus cabelos escuros levemente úmidos caíam-lhe sobre o rosto, escondendo parcialmente a visão do seu perfil de lado.

- Você está bêbado?

Loki virou sua cabeça rapidamente na direção da voz familiar de S/N, fazendo com que seus cabelos esvoaçassem para um só lado do seu rosto durante o processo. E, quando o deus sorriu abertamente na direção de S/N, ela finalmente notou o corte de tamanho médio que a sobrancelha direita de Loki exibia, o qual continha uma coloração avermelhada e uma pequena quantidade de sangue em seu interior.

- Claro que não. Deuses não ficam bêbados.- Loki respondeu prontamente, ainda sorrindo.- Só estou cheio. Muito cheio.

- A Natasha bateu em você? - S/N questionou novamente, dessa vez adicionando uma entonação mais preocupada ao seu tom de voz antes forçadamente indiferente. Ela sentiu o impulso de se abaixar ao lado de Loki para tocá-lo, mas não o fez.

- Não. É claro que não. - o homem respondeu rapidamente, quase que em um tom ofendido. - Vamos supor que eu acabei tendo algumas desavenças na noite passada.

S/N negou lentamente com a cabeça, não conseguindo evitar que um sorriso mínimo escapasse por entre os seus lábios contraídos. Errado ou não, S/N precisava admitir que o simples pensamento de uma cena onde Loki acaba por participar de uma briga de bar é icônica demais para ser ignorada.

Após recompor-se parcialmente, S/N atravessou pela porta na direção do corredor e parou em frente ao homem, analisando-o de cima cautelosamente.

- Por que até a simples cogitação de querer cuidar de você nesse momento parece ser tão errada?

Loki sorriu dolorosamente.

- Porque nós somos errados, querida.

S/N assentiu lentamente com a cabeça, intercalando entre os sentimentos de ódio mortal a dó e paixão fervorosas ao olhar para Loki daquele jeito. Droga, ela o amava tanto. Foram só algumas horas separados por causa de uma desavença avassaladora e ela praticamente perdera o rumo da sua vida. Respirando fundo, a mulher virou as costas e caminhou até a porta mais uma vez, parando na metade da entrada para o apartamento de Natasha.

- Entra. - S/N anunciou em tom firme, encarando Loki. - Mas saiba que ainda não está perdoado.

Ⓐ

S/N pressionou gentilmente o algodão com um líquido antisséptico sobre o corte no rosto de Loki, recuando levemente ao perceber a mudança de expressão repentina do homem sob a ardência da substância em sua pele sensível. Mais uma vez a mulher precisou conter o seu impulso de tocá-lo diretamente, necessitando do calor familiar da sua pele sobre si pela primeira vez após as últimas semanas caóticas. S/N virou-se de costas para o deus que estava sentado sobre a cama do quarto onde a mulher estava alojada no apartamento de Natasha, tentando manter suas mãos o mais longe possível do homem.

- Sabe que não precisa se conter, não é?

Ainda de costas, S/N revirou os olhos.

- Isso soa muito errado.- ela lamentou-se, fechando a pequena caixa de primeiros socorros em cima da penteadeira do quarto. - Por que você voltou? Tão cedo?

- Voltei pelo famoso clichê: não consigo viver sem você.

S/N virou-se para Loki rapidamente.

- Não estou no clima para piadinhas.

- Não é uma piada. - o deus respondeu, sério, alisando suas vestes típicas com ambas as mãos. - Eu estou realmente muito arrependido.

- De nada adianta as suas palavras. Você nem sempre é fiel com as mesmas. - a mulher rebateu com certa rispidez, cruzando os braços em frente ao peito. - Eu preciso das suas atitudes, Loki.

O homem levantou-se rapidamente da cama e avançou na direção de S/N, estendendo uma das mãos de modo involuntário para tocar gentilmente o rosto da mesma. S/N não recuou perante essa aproximação repentina, logo sentindo o calor da mão esguia de Loki em sincronia com a pele corada da sua mandíbula. A mulher até estranhou tamanha diferença no toque do deus do dia anterior para hoje, como se tivesse subitamente voltado a se encaixar tão bem com o seu da noite pro dia. Talvez fosse o arrependimento de Loki; de qualquer forma, S/N não ia ceder tão facilmente, mas também não pretendia ignorar Loki por mais muito tempo.

- Eu sinto muito por tudo. - ele sussurrou, visivelmente arrependido. - Eu fui um completo idiota. Eu ainda não sei o porquê do meu afastamento repentino, mas eu agora sei o quão mal você se sentiu perante isso. Você pode até dizer que de nada adiantam as minhas palavras, mas eu preciso que você as ouça; eu agi com a emoção e fui embora para longe mas, como da primeira vez em que nos conhecemos, meu coração está completamente atado ao seu em uma linha tênue e contínua, a qual não permite que nos afastamos tão facilmente.

S/N fechou os olhos lentamente, absorvendo todas as palavras de arrependimento de Loki uma por uma.

- Você pode me odiar por isso como me odiou muitas outras vezes. Eu já me acostumei. - ele continuou, sorrindo. - Eu sou um mentiroso, sim, um trapaceiro, um bastardo, um patife, como preferir...- S/N riu baixinho, tranquilizando o coração de Loki imediatamente. - Mas eu nunca mentiria para você ao falar sobre o nosso amor. E eu só peço que você permita que eu tente reconstruir o que eu perdi nas últimas semanas por motivos ainda desconhecidos até para mim. Eu não quero perdê-la, S/N. Você é tudo o que eu tenho.

S/N finalmente abriu os olhos, dando de cara com as duas orbes azuis brilhando em esperança e paixão. Ela respirou fundo.

- Quando você disse que anjos como eu não poderiam voar até o inferno com você, isso estava tecnicamente errado. - S/N sorriu ao notar o cenho franzido de Loki em resposta. - Eu não sou um anjo, Loki. Nós dois somos seres que podem facilmente voar até o inferno juntos.

O deus sorriu abertamente, aproximando seu rosto cada vez mais do de S/N.

- Eu ainda não o perdoei completamente. - a mulher interrompeu-o. - Mas eu estou disposta a te dar uma única chance de me provar o contrário do que vem fazendo há tempos.

Loki assentiu freneticamente com a cabeça, sentindo-se subitamente determinado a tudo.

- Eu... posso?

Loki tocou gentilmente os lábios de S/N com o dedo indicador, causando diversos arrepios que percorreram todo o corpo da mulher naquele momento. Perdoado ou não, S/N sentia que agora ambos estavam prontos para um beijo de verdade; não um figurado e forçado pela pressão como o do dia interior, mas sim, um expressivo e verdadeiro.

- Um beijo não vai matá-la, querida. - Loki sussurrou próximo a boca da mulher, sorrindo.

- O seu provavelmente sim.

Loki sorriu mais ainda e selou de uma vez os seus lábios contra os de S/N, dando início a um beijo apaixonado e envolvente. Ele deslizou a sua mão até a nuca da mulher e a puxou mais para perto de si, provando mais do contato íntimo que ambos compartilhavam no momento.

Loki teria muito tempo para se reconciliar realmente e provar para S/N que ele poderia voltar a amá-la na mesma intensidade que antes, sim. E S/N estava mais do que disposta a ajudá-lo nisso.

Ⓐ