05 - SALVE QUEM PUDER SALVAR
05.
salvem quem puder salvar
2010
HAVIA UMA SENSAÇÃO DE ESTAR EM CASA quando se estava na companhia de Bill e Frank. Os detalhes na decoração da casa e os pequenos hábitos de sair para colher frutas no jardim, escolher roupas na loja que mantinham no quarteirão, preparar o jantar enquanto um disco tocava, tudo aquilo atingiu um ponto íntimo e que até então tinha sido esquecido por Becca e Jake.
Afinal, a verdade era que nunca mais haviam se sentido em casa de novo.
Segurança era uma sensação tão rara que quase parecia inexistente até que puderam viver dois dias com Bill e Frank. Ainda assim Rebecca ainda não conseguia relaxar por completo, pensava com frequência em como seria todo o caminho que precisavam percorrer até chegar na ZQ de novo.
Era evidente que Bill também não era de relaxar, ambos eram o componente quieto e analítico no ambiente, enquanto que Frank e Jake eram os que aliviavam tudo com brincadeiras, música e uma alegria nas pequenas coisas.
Foi ao final de um jantar que Frank quis mostrar a coleção de discos deles para Jake, os dois se levantaram entusiasmados e seguiram até a sala de estar. Becca e Bill encararam um ao outro diante da mesa em um silêncio avaliador.
— Planejo dizer ao Jake para partimos amanhã de manhã, já abusamos demais da hospitalidade de vocês. — Rebecca pegou a taça de vinho e tomou o restante da bebida.
— Vou ajudar vocês com suprimentos. — Os dedos de Bill ajeitaram os talheres na mesa enquanto ele pensava. — Espero que não conte…
— Não vou contar a ninguém, absolutamente ninguém. E não espere que a gente volte, na verdade, não acho que espera…
Bill balançou a cabeça concordando, de fato ele não esperava mesmo. Tamanha franqueza na resposta sem a preocupação de ser sutil ou educado foi tão inesperado e ao mesmo tempo compreensível para Rebecca que ela riu. E surpreso consigo mesmo por ter respondido daquela forma e com a reação da mulher, Bill segurou uma risada também.
— Eu entendo, Bill. Eu entendo que precise manter a sua casa e Frank seguros e que isso requer ir ao extremo e não correr riscos deixando que outras pessoas se aproximem… — Rebecca olhou na direção da sala de estar e observou o sorriso de Jake enquanto ele conversava com Frank. — Mesmo precisando de outras pessoas, é difícil diferenciar quem merece confiança.
Bill balançou a cabeça.
— Sim. Eu confio no Frank e ele confiou em vocês, então acho que tudo bem se voltarem quando for preciso.
Os dois se olharam e ela sabia que aquilo vindo dele significava muito.
— Babe! Olha isso! — Jake chamou da sala.
Rebecca se levantou e foi até o outro cômodo para vê-lo.
— Vou pegar a sobremesa e já volto. — Frank disse com uma afeição animada e se retirou.
Jake ergueu para ela as partituras, havia canções emblemáticas que marcaram gerações e trouxe a ela o gosto doce da infância e o amargor da saudade dos pais. Mas para Jake era tudo arte e humanidade que não poderia acabar mesmo nos momentos mais aterrorizadores e por um instante naquele olhar dele, Rebecca acreditou que eram capazes de passar essa esperança para um filho.
2023
ENTRAR NA CASA ERA COMO VOLTAR PARA UM LUGAR onde havia passado as férias, onde se encontrava a família no verão ou qualquer sensação remota de que aquele lugar poderia ser um refúgio da vida e do lá fora. Eram esses sentimentos que vinham ao estar novamente na casa de Bill e Frank despertavam em Becca. Mas após os minutos iniciais, a sensação que se sobrepôs foi a de preocupação e em seguida a da perda inevitável.
Conforme Joel chamava pelos dois enquanto passava pelos cômodos, Becca sentia um medo crescente de avançar e abrir qualquer porta. Como se sua cabeça entendesse que algo estava errado e que ainda assim não queria destruir o que aquele lugar e o que aqueles dois significavam para ela. Joel retornou da cozinha com um olhar que refletia a preocupação dela, o olhar de um amigo apreensivo.
— Gente! — Ellie chamou da sala.
Eles se viraram e foram até a garota. Ellie segurava uma folha de papel e jogou para Joel uma chave.
— Tem o seu nome na carta, você quer…? — Ela perguntou.
Joel fez um gesto com cabeça indicando para ela ler.
Rebecca se sentou no braço da poltrona enquanto as palavras de Bill ecoando através da voz de Ellie tomavam o cômodo.
Agosto, 2023
Se você encontrar isso, por favor, não entre no quarto. Nós deixamos a janela aberta para que a casa não fique cheirando, mas provavelmente a visão não vai ser bela. Estou achando que quem encontrou isso foi você, Joel, e em último caso Becca. Porque qualquer outra pessoa já teria sido eletrocutada ou explodida por uma de minhas armadilhas heh heh heh Pegue o que precisar. O código do bunker é o mesmo do portão, só que ao contrário. Não erre ou se não você também vai explodir feito merda. Não estou brincando. Não fode com isso heh heh heh
De qualquer forma, eu nunca gostei de você, mas ainda, é como se fossemos amigos. Quase amigos. E eu respeito você. E eu vou te dizer algo, porque provavelmente você é a única pessoa que vai entender. Eu costumava odiar o mundo, e eu estava feliz quando todos morreram.
Mas eu estava errado, porque havia uma pessoa que valia a pena salvar. E foi isso o que eu fiz, eu salvei ele e o protegi. É por isso que homens como eu e você estão aqui. Nós temos um trabalho a fazer e Deus ajude o filho da puta que ficar no nosso caminho. Eu deixo para você todas as minhas armas e meus equipamentos. Use eles para encontrar alguém que vale a pena salvar e proteger, até que chegue o momento em que vocês decidam que já viveram o bastante.
Bill
As palavras pairaram no ar enquanto os três absorvam aquilo. Rebecca e Ellie olharam para Joel como se esperassem que ele dissesse algo, mas ele nunca havia sido bom com palavras e muito menos com as que envolviam qualquer tipo de consolo. Então ele optou pela parte mais prática enquanto ele mesmo tentava pensar.
— Vamos parar por enquanto, comer alguma coisa e tomar um banho. — Ele falou.
Rebecca se levantou e foi até os fundos onde eles guardavam roupas na lavanderia, Ellie encarou a carta mais uma vez e Joel percebeu que precisava manter sua mente ocupada. Não podia e nem queria ficar pensando em todas as perdas.
Foi até Rebecca e a encontrou separando roupas das caixas, estava tudo muito bem organizado por gênero e idade. Ela já havia separado as de Ellie e agora formava uma muda de roupas masculinas que Joel percebeu serem para ele.
Ao vê-lo ela lhe entregou a muda de roupas, ele sentiu um agradecimento engasgado na garganta, momentos assim sempre eram os piores para falar. Mas ela não pareceu estar esperando por uma resposta, naturalmente pegou a muda de roupas que separou e foi até a sala entregá-las para Ellie.
Enquanto subia para o andar de cima, Joel viu Rebecca ir até a cozinha mexer na dispensa e Ellie correu para o sofá com sua revista em quadrinhos. Em outro tempo ou situação, aquilo quase pareceria o lar de alguém. Ele se permitiu tomar um banho quente, a única sensação de conforto que tinha em muito tempo, lavou o cabelo e ao se olhar no reflexo do banheiro percebeu que os fios de cabelo estavam ficando mais claros.
Vestiu as roupas que Rebecca havia entregado a ele e o gesto dela de escolher as roupas e adiantar a organização dos mantimentos em um momento em que ele precisava ficar sozinho com os próprios pensamentos, trouxera um alívio e ao mesmo tempo mais uma coisa para a qual pensar.
Gentilezas geravam sentimentos. E sentimentos geravam apegos.
As palavras de Bill ainda ecoavam dentro dele. Ele existia para proteger pessoas, por isso precisava ser duro. Bill havia encontrado Frank para proteger. Mas Joel ainda não conseguia sentir ou enxergar se ele mesmo conseguiria encontrar algum propósito. Precisava levar Ellie até o oeste, isso era um fato, mas ainda assim era trabalho.
Joel saiu do banheiro e desceu até o térreo, passando pela sala viu Rebecca de costas para ele penteando o cabelo de Ellie. A escova parecia dura contra os fios da menina que resmungava.
— Ai, porra! — A menina resmungou.
— Calma! Preciso de um momento para desfazer esse nó. — Rebecca falou em um tom firme, mas com um fundo gentil. — Há quanto tempo você não penteia esse cabelo?
Ellie deu de ombros.
— Parece um ninho de rato. — Becca resmungou.
— Cala a boca! — Ellie reclamou, mas estava rindo.
Ver as duas ali daquela forma acendeu um alerta na mente de Joel. Rebecca se virou para ele, a luz do sol de fim de tarde refletiu no rosto dela.
— Eu fiz uma refeição para a gente, deixei no balcão da cozinha. Vou tomar um banho e quando eu voltar quero dar uma olhada nos equipamentos com você…
Ele olhou para ela falando e depois para a expressão de contentamento silencioso de Ellie ao observá-la penteando o seu cabelo.
— Ooh, o que um banho não faz! — Ellie brincou tirando ele de seus pensamentos.
Joel suspirou e balançou a cabeça mandando ela ficar quieta, ele foi até a cozinha. Rebecca tinha preparado um sanduíche bem recheado e um copo de suco. No canto do balcão havia potes de comida que ela provavelmente tinha separado para levarem.
Ele ainda pensava nas palavras de Bill e às vezes seu pensamento escapava para aquela sensação estranha que tinha a respeito de Ellie e de Rebecca, algo que não conseguia bem definir. Achou que poderia ser desconfiança, mas logo depois percebeu que parecia irracional. E se deu conta do que aquela sensação poderia ser só quando ela desceu depois do banho, o cabelo molhado, o cheiro do shampoo.
O que incomodava Joel era a intimidade, a sensação de que pareciam ser os três vivendo juntos, não mais ele por si. O que incomodava Joel eram que as linhas não pareciam ser tão palpáveis como eram antes.
Gentilezas geravam sentimentos. E sentimentos geravam apegos.
Ao se dar conta disso observando Rebecca, Joel se fechou automaticamente. Mal ouviu quando ela perguntou se poderiam dar olhada nos equipamentos naquele momento, ele apenas se virou para a cômoda que cobria a entrada do bunker e digitou a senha.
A entrada foi revelada confirme a cômoda se afastava e Joel desceu as escadas com Rebecca atrás dele. Geralmente as pessoas o cutucavam até que ele dissesse algo em seus momentos introspectivos, mas Rebecca tinha um modo até que reconfortante de respeitar o seu silêncio.
Ao perceber que achava aquilo reconfortante, Joel ficou incomodado.
A presença dela estava o deixando desconcertado de alguma forma.
Eles separaram as armas que iriam usar e encheram uma bolsa com outros itens úteis como facas, canivetes, munição. Rebecca lembrou de separar um kit de primeiros socorros e alguns comprimidos que conseguiu encontrar. Eles subiram os equipamentos para cima e foram até a garagem.
Descobriram o carro de Bill e retiraram a lona. Enquanto pensava, Joel não percebeu que estava olhando para Rebecca e reparando no cabelo solto e ainda molhado dela, mas ela percebeu.
— Vamos ter que falar disso.
— Disso o quê? — Ele estava genuinamente confuso.
— Você perdeu a Tesss e agora perdemos Bill e Frank. — Rebecca pontuou. — Eu sei que você nunca fala de nada, mas acho que pode afetar o clima da missão.
Joel achou curioso como ela se referia aquilo como missão, como se ela estivesse tratando aquilo sempre estrategicamente quando na verdade poderia estar se apegando.
— Acho que o que afeta o clima da missão é como você se comporta. — Ele disparou fazendo Rebecca levantar uma das sobrancelhas. — Você separou a roupa, ajudou na organização…
— Você está bravo por que eu fui gentil? — Ela deu uma risada sarcástica. — Estou cooperando com a minha parte. Prefere que eu fique de pernas pra cima e você faz tudo? Sério, Joel, realmente desaprendeu a viver em sociedade…
— Você penteou o cabelo dela. — Joel pontuou. — Isso é algo afetivo. Não é o que devemos fazer aqui.
— Ok, então eu vou pegar umas cordas e uma fita isolante. A gente amarrava a garota e tranca no porta malas até a entrega. — Rebecca cruzou os braços devagar.
Joel pensou por um instante.
— Está ponderando fazer isso?
— Não! — Ele balançou a cabeça, uma mão repousou na cintura enquanto pensava. — O que estou dizendo é que devemos tomar cuidado para evitar… apegos.
— Não temos que ser amigos, Joel. — Rebecca enfatizou. — Isso pra mim é trabalho.
— Ótimo. — Ele respondeu.
Ainda assim, algo para ele não parecia satisfatório. E depois de preparem o carro com os suprimentos e equipamentos que haviam escolhido, quando chamaram Ellie e entraram no carro. Joel Miller percebeu que a natureza do seu desconforto era de fato porque havia encontrado pessoas para proteger.
notas: eu gostei muito muito desse capítulo, apesar dele ter um problema estrutural. o começo é narrado pelo ponto de vista da Rebecca e depois troca para o ponto de vista do Joel, e acho que a transição de perspectiva não foi sutil como eu desejava. mas de qualquer forma, era muito importante descrever os sentimentos e pensamentos do Joel e pretendo trazer isso mais vezes. espero que tenham gostado, deixem os comentários dizendo o que acharam. trarei novas atualizações nessa semana. hoje não teve episódio novo, então estou sentindo um vazio. vocês também estranharam?
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