Capítulo Um: Juramento, Marcas na Memória
Marshall
Como a maioria das crianças, sempre sonhei em ver a neve branca cair graciosamente do céu em um dia frio e cobrir tudo como um manto de gelo esbranquiçando a cidade, mas no distrito de Kessler não esfria o suficiente para isso. Nunca nevara e nunca nevaria, mesmo que fizesse vinte graus negativos. O grande domo colocado muitos anos atrás sobre todo o setor para nos proteger da radiação impede que a água da chuva ou a neve que cairia sobre nós chegue até o chão, ela cairia pelas laterais do muro como a água da chuva e escorreria pela enorme parede de vidro. Uma nevasca é algo impossível, mas hoje de uma maneira improvável aconteceu só que não era neve que vinha do céu.
Há muito tempo houve uma guerra que envenenou o ar de todo o planeta, então para manter todos salvos a Grande República que ainda não havia se dividido construiu enormes domos de vidro sobre suas principais cidades, mas atualmente eles são praticamente inúteis, o planeta se curou e o ar voltou parcialmente ao normal, contudo os domos continuam a nos cercar, eles existem por toda Altair e Arcádia e todos vivemos neles, exceto as cidades que foram repovoadas.
Todos temem um novo atentado a Altair, um medo justificado já que há apenas três meses isso ocorreu no setor Haygue. Nos últimos tempos casos assim estão se tornando comuns, esse é o terceiro ataque dos terroristas, onde em todos os casos o vírus Siruss devastou as cidades em que foi liberado.
O assunto age como sendo o próprio vírus se espalhando por todas as conversas e presente em muitos pensamentos, todos temem, mas ninguém realmente está esperando que realmente voltasse a acontecer, que seria hoje e principalmente que agora seria o alvo do atentado.
Estou com meu pai e nós caminhamos por uma das principais avenidas do centro de Dylan, as longas calçadas estão cheias de pedestres, habito que aos poucos se extingue com o desenvolvimento da epidemia Siruss. Meu pai está sorrindo, mas sua expressão se fecha ao ele perceber algo antes de mim.
Um avião sobrevoa a cidade abaixo do grande domo de Dylan, poucos fazem isso, vemos apenas os aviões de guerra voando muito alto em direção a Arcádia, mas esse está dentro e passa num vôo rasante muito próximo dos prédios. Ele surge no céu muito repentinamente, parece um dos muitos voos de manobra militar ou os bombardeios tão comuns no front de batalha, mas que nunca chegaram até aqui.
Sem nenhum aviso ou sinal há uma forte explosão à poucos quarteirões de nós. Uma explosão perto demais, os vidros das janelas dos prédios e dos carros estouram com a repentina onda de choque gerada pelo impacto.
Como no inicio de uma nevasca poucos flocos cinzentos caem sobre nós, parecem vir do céu rosa azulado de fim de tarde como em uma nevasca, em pouco tempo aumentando sua intensidade e logo são centenas ou milhares de flocos que dançam livremente no ar antes de repousarem no chão. Aos poucos se acumulando sobre os carros e as pessoas que encaram o céu, assustados demais para reagirem, todos completamente espantados vendo o que ninguém esperava, não em seu próprio setor, não em suas casas e suas vidas.
A maioria não tinha duvidas do que era. A Tempestade Siruss voltara para atormentar a vida de todos. Está acontecendo tudo de novo, muitos desesperados correm, tentando se afastar do epicentro do impacto da ogiva o mais rápido possível, outros procuram por abrigos para se fugirem da chuva de veneno que os matará em pouco tempo.
A poeira cinzenta, que carrega o vírus, vinda do céu logo cobre tudo e deixa o ar pesado e difícil de respirar, mais do que sempre foi, fora dos grandes domos o ar é contaminado pela radiação e por isso não podemos o respirar por muito tempo, mas dentro há filtros que o limpam e tornam o ar artificial, contudo respirável e agora ele está contaminado pelo Siruss.
Assim como nos outros setores que sofreram o atentado muitas pessoas passam mal com os primeiros sintomas, em uma parte da população a doença se manifesta agressivamente e age como uma febre hemorrágica contaminando e matando rapidamente. Enquanto na maioria é lenta e progressiva, consumindo aos poucos o hospedeiro antes de matá-lo, pouquíssimos sobrevivem e tornam-se imunes ao vírus.
Sinto o aperto firme de meu pai em minha mão se intensificando e acelero o passo tentando acompanhá-lo, ainda sem entender por que tantos gritam e tentam fugir de algo tão belo.
Poucas horas mais tarde, meu pai e eu tentamos deixar o Setor, assim como todos que pensaram em fazer o mesmo, nos deparamos com o enorme portão leste fechado e de acordo com a planta da cidade em terceira dimensão ao lado do muro todas as saídas que ligam Dylan aos outros setores, sem exceção, estão bloqueadas. Soldados de máscaras e portando armas pesadas guardam a saída em torres e guarnições cercadas por uma multidão de pessoas que desejam deixar o Setor.
Se sobrepondo à cacofonia geral uma voz mecânica repete com veemência as ordens de Altair: - As cinzas da tempestade Siruss não são nocivas, não há perigo, todo o setor Dylan foi posto em quarentena, voltem todos para suas casas e aguardem as novas ordens e instruções.
Ninguém estava calmo, pelo contrário um medo dilacerador se espalhava por todos os lados preenchendo os rostos de cada um, provocando um pânico geral, ninguém queria voltar para casa e esperar a morte chegar.
Subitamente paro e tenho um acesso incontrolável de tosse, coloco a mão para cobrir a boca. A tosse para, deixando uma irritação em minha garganta, eu olho para minha mão e ela está suja com meu sangue.
- Pai. - chamo assustado, meu pai para e olha para mim, ele se mostra muito calmo, tira um lenço de pano do bolso e limpa minha mão, então ele me pega no colo e agora mais decidido anda mais rápido.
Uma exaltação começa quando a maioria percebe que não receberão nenhuma ajuda do sistema ou da Sile Mëllen, assim como o prometido no que divulgam, a corporação Sile Mëllen nos fornece alimentos e remédios, eles não dão a cura, mas prometem tratar e cuidar de todos que estão contaminados pelo Siruss, mas agora dão as costas à todos e Altair não faz nada pelas pessoas. O medo que sentem logo se torna raiva e as pessoas começam a incendiar e depredar tudo o que veem, jogam coisas contra os soldados que ameaçam responder a violência da população com tiros.
Então meu pai me conduz para longe do portão antes de a revolta virar um banho de sangue, mas mesmo há alguns quarteirões posso ouvir o estampido de disparos que apenas silenciam quando os gritos de ódio, medo e dor param.
Um carro para na rua ao nosso lado e dele desce um homem aparentemente aliviado, ele nos procurara desde o inicio do atentado para nos tirar daqui.
- Senhor, eu o procurei por toda a cidade.
Nós entramos no carro que nos tirará desse tormento.
- Vocês estão bem?
- Sim, estamos. - responde meu pai olhando para as pessoas desesperadas nas ruas, o Siruss já deu seus primeiros sinais, a doença logo começará a matar causando explosões hemorrágicas no aparelho respiratório e erupções sanguíneas pelo corpo dos contaminados.
Aqueles que não morrerem essa semana poderão viver por mais tempo, mas em breve irão adquirir os sintomas degenerativos, seus cabelos vão se tornar brancos devido à queda da quantidade de melanina no organismo, a marca de que se tornaram hospedeiros do Siruss para espalhar o vírus para novos corpos saudáveis.
Agora seguro no banco do carona, deitado no colo de meu pai acabo dormindo tranquilamente.
Quando acordo, estou numa maca hospitalar, sei que não estou mais em Dylan, embora ele seja um dos setores ricos perto da Grande Capital não teria a tecnologia que vejo ao meu redor. Meu pai está ao meu lado enquanto o Médico me aplica um coquetel de vacinas, ele sempre está comigo.
Lembro-me do desespero das pessoas ao ver a chuva de poeira e os gritos de agonia enquanto são chacinados, com um repentino colapso emocional começo a chorar.
- Pai, por que atiraram nas pessoas? - pergunto com a voz entrecortada pelas lágrimas.
- Por que estavam doentes. - quem responde é minha mãe de pé na beirada da maca. - Medo facilmente se torna raiva e essa raiva é muito perigosa e precisa ser contida. - meu pai me encara com uma expressão que não consigo decifrar.
Atualmente sei que ele não concordava com isso, todos podiam ser salvos e foram deixados para morrer, isso é o que mais me irrita... Eu não sabia, mas a maioria das pessoas contaminadas que recebem o Soro Sigma em menos de três horas tem o vírus em seus corpos eliminados e são salvos, mas apenas sobrevive quem pode pagar por isso, do mesmo modo que apenas nós podemos sair de Dylan.
- Por que eles estavam doentes? - minha mente ferve de perguntas.
- Lembra o que aconteceu em Haygue? Isso aconteceu de novo? Por que alguém faria isso? - penso em todas as pessoas que morreram e que ainda viriam a morrer, na maioria, pessoas extremamente pobres, já há muito, pessoas sofridas. - Por que fazer todos ficarem doentes?
- Não existem motivos que justifique. Quem fez isso foram pessoas muito ruins. - agora quem responde é meu pai.
- A ARN foi responsável por isso. - vejo meu pai olhar com repreensão para minha mãe por ela dizer isso, claramente irritado é visível que ele discorda dela.
- O que é a ARN? - pergunto confuso, eu jamais entendi como uma pessoa pode ser capaz de fazer algo assim, há tantas pessoas doentes, famintas e morrendo no mundo, tantas pessoas que vivem miseravelmente nos setores pobres, tantas pessoas que ainda habitam o mundo sem ser nos vinte e oito setores de Altair cada um deles protegido por seu Grande Domo, por que fazer mais pessoas sofrerem?
- É um grupo terrorista, Associação Revolucionaria Nacional ou
como eles se autodenominam Nacionalistas. - finaliza mamãe.
Eu não sabia o que era terrorista ou Nacionalista, mas isso não fazia diferença, nunca entendi como alguém era capaz de fazer algo assim, tantas pessoas estavam sofrendo e morrendo. Eu jurei a qualquer custo descobrir quem eram os responsáveis e fazer cada um deles pagar por isso.
Fim do capítulo um...
Espero que tenham gostado e que me acompanhem nessa jornada
Votem e comentem
Cada um de vocês são muito importantes para mim
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top