Capítulo Sete: Fuga, Execução Adiada
Marshall
Acordo devido ao calor do fogo as minhas costas. Minha visão está turva e meus olhos inchados. Mais cedo mal pude despertar, estava dopado, sob o efeito de remédios e sedativos, tentei ao máximo me soltar, entretanto praticamente não conseguia me mover. Agora é muito diferente, tenho total controle do meu corpo, por outro lado sinto minha cabeça doer intensamente e uma dor forte no abdômen mostra-me que meu flanco direito está sangrando, tingindo minha camisa de escarlate. Sei que fui atingido por algum fragmento que deve ter se desprendido durante a queda, posso ver uma ponta metálica saindo do corte.
Penso no que aconteceu e lembro-me de estar em um helicóptero sendo transportado através da Dead Zone, lembro-me do piloto perdendo o controle e então o helicóptero caindo após ter sido atingido por um míssil, que provavelmente foi lançado por Nacionalistas.
A única lâmpada ainda acessa se apaga, me deixando no escuro por alguns instantes, até que uma luz de emergência responde e se acende, clareando debilmente a minha volta.
O helicóptero está todo destruído. Não tenho contato visual com o piloto e o copiloto, porém eles não devem ter sobrevivido, a cabine de controle foi completamente arrasada pelo impacto da queda.
Um dos soldados que estavam me vigiando foi projetado pela janela aberta e o outro se encontra caído a minha frente, ele têm vários ferimentos pelo corpo e está sangrando muito, em seus últimos minutos de agonia.
Mesmo estando no meio de um deserto na e a tecnologia aqui não funcionar com eficácia a capital estava me monitorando e já deve ter a minha localização exata e já que a Grande Capital não fica distante em pouco tempo militares estarão aqui. A base do exército mais próxima enviará uma patrulha móvel e não será nada bom eu estar aqui quando eles chegarem.
Reparo no mecanismo que prende meus braços acima de minha cabeça, o mecanismo em minha mão direita está danificado e por isso com um pouco de força consigo quebrá-lo e assim que meu braço está livre tiro a mordaça que cai ruidosamente no chão.
Com o movimento surge uma pontada infernal em minha perna. Vejo uma lâmina de ferro maior que meu antebraço, atravessada em minha coxa. Tento alcançá-la, forço-me até o limite de meu corpo, sinto minha barriga ser rasgada, a dor é tamanha que perco o ar e mordo meu lábio inferior tão forte que um filete de sangue escorre por meu queixo, sinto o sabor metálico em minha boca.
Consigo alcançar sua ponta e retiro a barra de uma só vez para não perder a coragem, grito de dor enquanto meu sangue jorra de minha coxa e espalha-se por todo o chão, tenho que tirar cerca de dez centímetros que estava cravada em minha perna.
Limpo o sangue de minha boca e suspiro diversas vezes para normalizar minha respiração. Sinto minha mão tremer sobre o metal gelado que seguro, golpeio o mecanismo que ainda prende o meu outro braço, a cada movimento que faço sinto uma dor aguda no abdômen. Em uma das minhas tentativas consigo causar um dano real, mais algumas investidas e consigo me desvencilhar completamente.
Cambaleando vou até o soldado que ainda está vivo, pego suas chaves e retiro as algemas de meus pés. O revisto atrás de armas que eu possa usar, encontro apenas uma M8A16 e um Rifle Te18, ambos com reconhecimento digital, exceto no mercado negro, eles não tem serventia para mim. Pego apenas sua faca e saio dos destroços do helicóptero.
Olho primeiramente para o céu, sem ter um domo de vidro acima de mim vejo diretamente o céu como há muito não via, o sol está se pondo no horizonte. Isso significa que logo será noite, mas mesmo assim está quente e o solo arenoso faz com que o calor do dia permaneça por mais tempo, é como se depois de um dia quente ele agora transpirasse o calor que acumulou.
Reconheço os arranha-céus no horizonte, estruturas imponentes e familiares, próximo a conjuntos habitacionais formados por prédios de apartamentos ao centro e periferias ao redor, Kessler, o nono Setor. Vejo o monte Oren ao norte e a minha direita tem outros Setores que estão mais distantes.
Estive aqui uma vez com meu pai antes de Arcádia anexar três de nossos setores ao norte. Nós atravessamos o setor de carro para pegarmos a Trice, minha irmãzinha em Salty o distrito rico do nono Setor.
Com esses ferimentos não poderei fugir andando, não iria muito longe até ser recapturado e mesmo que tivesse sorte de não ser localizado pelos soldados de Altair, teria que torcer para ser morto por coiotes, é bem mais rápido do que morrer por hemorragia nesse fim de mundo.
Volto para o helicóptero. O soldado que estava agonizando, agora se encontra morto. Amarro um pano em minha coxa e faço um curativo na barriga, usando tiras da minha camisa.
Retiro a farda do soldado morto e visto, um colete a prova de balas encima de uma camisa de mangas compridas, uma calça caqui e cobrindo tudo um paletó militar com duas fileiras de botões que vão do queixo a minha cintura e calço as botas de cano longo. Todo o uniforme é negro, isso indica sua função dentro do exército, normalmente operações externas, longe de seu Quartel General.
A maioria dos soldados tem fardas pretas e como em tudo lugar ou farda tem a bandeira da nação no peito, um retângulo preto com a estrela Altair branca no centro e o símbolo da nação no ombro, uma águia manchada de sangue, segurando treze flechas e ao fundo a velha bandeira da Grande República em chamas, é extremamente ofensiva aos Nacionalistas que lutam pela união entre Altair e Arcádia; e o restabelecimento da Grande República como a nação dominante.
Enquanto tento gravar o seu nome coloco suas condecorações sobre o peito e emblemas no antebraço, amarro meu cabelo em um rabo de cavalo apertado e pego o Lide de seu pulso, esse é mais moderno do que o que me foi dado quando me tornei um soldado. Assim como todas as tecnologias atuais, devido à bomba eletromagnética, o Lide apresenta falhas por estar aqui na Dead Zone.
Ele está desligado e apenas por isso consigo tirá-lo de seu antigo dono e colocá-lo em meu pulso, já que se estivesse ligado ele perceberia que foi tirado à força e injetaria veneno em minhas veias.
Eu só terei uma oportunidade, que não dá espaço para falhas. Mesmo não podendo usar eu pego suas armas e assim que estou fardado e pronto empilho junto ao fogo os galões reservas de querosene, mas a uma boa distância para me dar algum tempo. Quando avisto dois jipes do exército de Altair se aproximando jogo o último galão no chão, ao tirar a tampa o querosene começa a escorrer pelo piso metálico em direção ao fogo.
Afasto-me do helicóptero mancando, ando uns vinte metros até os veículos pararem a minha frente e pelo menos dez soldados descerem prontamente.
Eles apontam as armas para mim e pelo menos sete miras a laser guiado por correntes elétricas em direção ao meu coração, no entanto seus Lides estão desativados e graças a isso não sou denunciado antes mesmo de tentar. Sem seus Lides ativos não podem saber que sou um usurpador, pois meu chip logo iria aparecer no radar.
Lentamente coloco as minhas mãos sobre a cabeça, minha barriga lateja, devido ao movimento, as dores que sinto se intensificam ao ponto de ser quase insuportável.
Um jovem soldado se aproxima de mim, seu uniforme é de uma patente elevada, se me lembro de direito é de capitão.
– Identifique-se soldado!
– Soldado 422, Samon Yanako! – minto.
– Relatório!
– Missão: levar o prisioneiro de segurança máxima 227 Marshall Walker Kleyer até nossa querida Grande Capital, para receber sua sentença.
Falo sempre em continência e tentando parecer verdadeiro ao mesmo tempo em que tento ao máximo ignorar a dor em meu corpo. Tenho dificuldade em parecer sereno, mas não quanto a fingir ser soldado, graças à experiência militar que desenvolvi servindo durante oito anos de minha vida. Uso a meu favor a negligência de alguns oficiais que mais cedo antes de levantarmos voo num momento de lucidez ainda atordoado pelo sedativo ouvi um cabo descrevendo o relatório para seu superior e antes da queda, o piloto se comunicando com a torre de controle. Acho que esse é um bom motivo para não deixar prisioneiros ouvirem tudo a seu redor.
– Decolamos as 16h00min da base naval Enlaimer território marinho do Setor Haiem, às 19h32min fomos atingidos e abatidos por um lança roquetes modelo Russo H4, disparado por Nacionalistas. O prisioneiro fugiu logo depois, para o leste, destino a Munnix o sétimo Setor, há um rastro de sangue nessa direção. – que por sinal eu mesmo fiz, continuo.
– Meu parceiro, o soldado 1185 Warren e o copiloto morreram com a queda, o piloto está vivo, porém preso às ferragens. Fim do relatório senhor!
– Dispensado soldado 422! Soldado 382 Dir!
– Sim! Senhor! – diz um dos soldados batendo continência e se destacando da esquadra.
– Ajude o soldado 422 a ir para o jipe, e tire suas impressões digitais e seu código de identificação. – congelo no lugar, se não pensar em uma solução urgente vão descobrir que sou um usurpador.
– Sim! Senhor!
– Soldado 545 comunique-se com uma base de socorro imediatamente.
– Sim! Senhor!
O soldado que se destacou passa o meu braço por seu pescoço e segura minha cintura, então me conduz. Meus movimentos naturalmente estão vacilantes, porém finjo estar mais ferido do que realmente estou, gemendo de vez em quando, a apreensão me ajuda, soo gelado e parece que é por causa das dores.
O soldado coloca o rifle sobre o jipe e me ajuda a subir, penso em neutralizá-lo agora, mas logo desisto, seria arriscado demais, ele está muito alerta e não tira a mão da pistola junto ao coldre.
Logo após subimos no veículo, ele aperta um botão em seu Lide que por azar meu está funcionando. Um visor holográfico surge um pouco acima de seu pulso, irradiando uma luz azul extremamente forte.
Estendo minha mão e ele coloca meu pulso direito sobre uma lente de vidro. Vejo uma lista enorme de nomes e fotos passando tão rápido que realmente não consigo ver nenhuma. O banco de dados está procurando pelas informações sobre mim que foram registradas quando colocaram o chip em mim, já fiz isso diversas vezes, mas sempre eu estava do outro lado, sempre fui o soldado a procurar por dados de outros. Trinta segundos é o suficiente, contudo por estarmos na Dead Zone agora o sistema está mais lento que o normal.
Levo a mão até a faca, não a pego. Se matá-lo rápido com um golpe no pescoço, ele não conseguirá gritar e eu terei mais tempo, embora estivesse me complicando ainda mais, teria que fugir a pé. Perco minha linha de pensamento ao ver que o Lide dele começa a piscar, então desliga completamente.
Ele tenta mais duas vezes, no entanto a sorte milagrosamente está do meu lado, e sem sucesso ele sai do automóvel, provavelmente vai notificar seu superior dos problemas com o sinal. – é por isso que desde a bomba eletromagnética chamam aqui de Dead Zone.
Ele se afasta, espero alguns segundos, então também saio do veículo. Penso rapidamente e rasgo dois dos pneus do jipe à frente, eu quero danificar todos, entretanto com receio de ser descoberto vou para o outro, ouço o líder do pelotão dividindo seus homens em dois destacamentos, o primeiro grupo vai para o helicóptero.
Foco a atenção em mim, meu tempo está se esgotando. Tem um soldado no capô, vigiando o jipe, possivelmente é ele também que o dirige. Arrisco a minha sorte, é a minha única chance, se estiver errado apenas serei fuzilado.
Aproximo-me sorrateiramente por trás dele, é tudo ou nada. Ouço o helicóptero explodir, eu não fico surpreso por isso, sabia que daria certo, mas não sei quantos soldados estava próximo o suficiente para se ferir, provavelmente quase todo o primeiro destacamento.
Aproveito o estardalhaço da explosão e pego o soldado a minha frente como refém. Coloco a faca em seu pescoço e o enforco com meu braço livre, seu grito é abafado pelo barulho ao nosso redor.
– Se deseja viver, largue as armas. – ordeno ao soldado tentando ser o mais convincente possível, se ele não tiver medo de mim, não obedecerá as minhas ordens. Tenho sucesso, ele coloca as armas no chão, pego sua faca e a jogo longe, tive a sorte de ser apenas um garoto pouco mais novo que eu, não sei o que faria para rendê-lo se fosse um soldado mais preparado.
Faço-o entrar no jipe e o obrigo a colocar a mão sobre o leitor digital. Fico apreensivo, se não for ele o motorista o alarme soará e tudo estará acabado para mim. Espero pelo alarme, trinta segundos se passam e não ouço nada, escolhi o soldado certo, realmente é o motorista.
O veículo o reconhece e nossa saída é liberada, o jipe se destrava, liberando o painel de controle que permite os comandos manuais. O obrigo a abrir a porta de seu lado, assim que ele me obedece, o faço descer e dou a partida.
As minhas costas comandos e ordens são dados aos gritos, logo em seguida um pequeno grupo de soldados abre fogo contra mim, o restante vai para o outro jipe, mal sabem eles que não me alcançarão com apenas duas rodas. Logo ao perceberem que estou longe demais para me atingir, eles simplesmente param de atirar contra mim. Frustrados pela derrota.
Dirijo pelo deserto da Dead Zone, acelero demais para uma região tão perigosa de dirigir, porém tenho que chegar rápido a cidade, eu sinto que estou perdendo as forças e conforme o tempo passa e o perigo se distancia a adrenalina abandona meu corpo, sinto uma dor no tórax que vai se intensificando a cada segundo, passo a mão no peito e vejo que estou sangrando muito, fui atingido.
A agonia aumenta gradativamente se tornando uma dor lancinante enquanto meu corpo lentamente vai eliminando o que restou da adrenalina.
Mal posso respirar. Comprimo o peito com a mão, só faltam quarenta quilômetros para eu estar em um lugar seguro. Trinta quilômetros. Vinte. Consigo atravessar a linha que divide a Dead Zone e Kessler, me aproximo muito rapidamente do portão do grande domo de Kessler, ele está sendo fechado para impedir a minha travessia, pisou no acelerador e coloco na última marcha para chegar antes dele ser trancado.
O carro bate com força no portão duplo que estava a alguns centímetros de serem totalmente fechados, eles são escancarados e eu entro no domo, mas graças a isso o capô fica todo destruído, por sorte o jipe é blindado e não para com o impacto, mesmo com a violenta batida ele continua andando.
Vejo estrepes pontiagudos na rua à minha frente, eles foram colocados para me impedir de poder prosseguir. Quando os vejo estão tão perto de mim que tenho que ser muito rápido para não rasgar os pneus em um deles, desvio da rua subindo na calçada e passo pela contenção do exército furando a barreira das patrulhas fronteiriças que obviamente já esperavam por mim.
Eles atiram no jipe e correm para seus veículos, se eu conseguir chegar às periferias ou nos conjuntos habitacionais eu terei onde me esconder. Dois jipes me seguem e outros soldados vão para os outros veículos, uso toda minha habilidade no volante e meu conhecimento do setor de Kessler para fugir deles e despistá-los, dirijo por um beco estreito e um deles não consegue passar e fica preso, o outro faço o motorista se perder de mim costurando as ruas.
Logo não vejo mais soldados me seguindo, no entanto sei que logo estarão atrás de mim novamente, talvez até mesmo de helicóptero. Meu corpo fica pesado e dormente por causa da perda continua de sangue devido aos ferimentos, minha visão embaça enquanto dirijo, pisco para torná-la nítida, em pouco tempo isso acontece novamente, tornando-se constante, cada qual em menos tempo que a anterior.
Luto a todo custo para me manter alerta, mas falho e perco todos os meus movimentos e sentidos, por alguns segundos dirijo a deriva, bato com o jipe em um prédio, metade dele atravessa a parede do andar térreo do bloco a minha frente. Desmaio sem encontrar um esconderijo, em um veículo do sistema extremamente fácil de ser encontrado, e o pior eu falhei em meu objetivo, Walter Thistell continua vivo.
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