Capitulo Quatro: Funeral, Amores Tomados
Mellanie
As pessoas afastam-se de mim como se eu fosse uma aberração extremamente perigosa solta entre eles, alguns até atravessam as ruas para não passar ao meu lado, várias vezes vi puxarem seus filhos a fim de afastá-los de mim.
Na maioria das vezes eles me olham com ódio e desprezo, eu deveria ser tratada com pena, afinal das contas eu sou a vítima do Siruss, não deviam voltar suas raivas para mim e sim para os Nacionalistas que causou tudo isso. Não tenho culpa de ter ficado doente.
– É errado odiar todos que me odeiam?... – penso em voz alta.
O Marshall olha para mim, agora sério. Não trocamos mais nenhuma palavra desde que descemos do trem.
– É humano... Acho que seria errado não sentir. – o ódio que ele sente é por aqueles que o fizeram sofrer. Ele odeia os Nacionalistas que originou tudo isso e por terem deixado seu pai no momento que ele mais necessitou de ajuda, muito diferente do meu, apenas tenho raiva porque as pessoas me veem como um monstro. Embora assim como todos, ele tenha tido contato com o Siruss, ele não o possui, as pessoas não agem mais igual quando estou por perto, todos temem e alguns sentem prazer em querer me fazer mal apenas por eu ser "diferente".
Ele me entende, embora todos o respeitem devido à alta patente de sua mãe e por ela ser uma dos ministros da congregação de Altair todo mundo o vê com preconceito por ele ser filho de um Nacionalista.
Logo chegamos a Academia Kally, um enorme prédio quase completamente formado de vidro, que serve ao mesmo tempo de escola e posto de treino e recrutamento do exército.
Desde cedo vejo muitos olhos voltados para mim, cochichos não tão discretos a meu respeito, somente por eu ter ficado ausente algumas semanas e meus cabelos estarem ficando brancos.
Já sabia que meus dias em Kally agora seriam assim, ninguém aceita bem aqueles que portam o Siruss, quando essas pessoas ainda por cima não os fazem mal como acontece frequentemente. O Marshall me tira a atenção deles puxando-a para si, entre nós nada mudou. Para ele eu sou e sempre serei a mesma Mellanie de sempre e a opinião dos outros não importa.
Como todos os dias nós temos algumas aulas teóricas, mas no lugar das aulas praticas como nos foi avisado somos levados para uma sala isolada. Isso é feito anualmente, para os estudantes que completaram quinze anos chegou a hora de realmente se tornarem soldados de Altair. No meu caso ainda é apenas um teste de avaliação para monitorarem meu progresso.
Avisaram-nos que faremos uma prova de aptidões para um pelotão militar obrigatório e nosso desempenho determinará nossas funções. Como se a maioria de nós desejasse uma carreira militar, principalmente eu.
Vejo o Marshall se dedicando para se graduar, no caso dele por ser o preferido de todos militares que o conhecem e por ele ser dois anos mais velho que eu, seu desempenho decidirá se ele deixará de ser um soldado e irá para a base militar Black Hawk. Isso não é um obstáculo para ele, o Marshall tem sorte em ter como mãe alguém de tão alta patente. Assim ele deixará a Kally já com um alto posto, mesmo tendo servido por tão pouco tempo, praticamente já tem um lugar garantido na base central ΩMEGA, o sonho de todo cadete e soldado.
Assim que ele termina com notas impecáveis é a minha vez. Minhas mãos tremem e começo a suar gelado enquanto caminho até a frente da sala para fazer a parte oral do teste.
O comandante encarregado de nos avaliar me faz uma pergunta, eu me sinto atônita e uma ânsia de vômito me consome, sei que essa é a primeira de muitas crises por não tomar o Soro de controle Sigma. Olho ao meu redor e vejo tudo com minha percepção de distância completamente distorcida e os sons me chegam sem sentido.
O comandante repete a pergunta, mas não o ouço, sinto um filete de sangue escorrer por meu nariz e perco completamente as forças, caio no meio da sala e várias pessoas se aproximam de mim, curiosos e não preocupados comigo, a curiosidade se sobrepondo ao medo.
Não quero que me vejam assim, quero perder a consciência e acordar na enfermaria quando tudo isso já tiver passado, contudo não tenho tanta sorte. O Comandante ordena que um cadete me carregue até a enfermaria, sou medicada com o Soro Sigma que eu trouxe e tenho de ficar deitada em uma maca por algum tempo. O Marshall fica ao meu lado todo o tempo e o cadete responsável por mim se afasta para conversar com a médica.
– Certamente fui reprovada nesse exame, certo? – pergunto ao Marshall.
– Acho que sim. – responde ele realmente sem saber.
– Não o queria fazer mesmo. – realmente eu não queria passar, mas precisava pelo dinheiro que ganharia por servir o exército, agora eu permanecerei na academia e continuarei ser receber nada por isso.
Ele de forma imprevisível se inclina sobre mim e me beija.
O cadete entra novamente e se dirige a minha maca.
– Mellanie Silence, assim que você se recuperar está dispensada. – fico aliviada meio por estar me sentindo mal e meio por querer fugir desse teste. – Marshall volte para a sala de testes.
O Marshall por estar realmente preocupado comigo tenta conseguir uma permissão para sair e poder me acompanhar, mas lhe é negado por não ter parentesco comigo, como se apenas isso importasse.
Sem sucesso ele volta para concluir seu teste e eu volto para minha casa.
Aliviada em finalmente chegar, pego a chave para abrir a porta, então percebo que ela não está trancada como era para estar. Sei que meu pai não chegou ainda e as minhas irmãs há essa hora estão na casa de nossa tia jantando, mas mesmo assim a porta estranhamente encontra-se entreaberta. Minha irmã nunca deixaria a porta aberta e meu pai nunca chega mais cedo e por isso fico temerosa quanto a o que posso me deparar ao entrar. A fechadura não se encontra arrombada, porém tenho certeza que alguém esteve ou ainda está aqui. Entro com receio tentando não fazer barulho.
Tudo que desejava era poder me jogar em minha cama sinto-me extremamente cansada por causa dos sintomas do Siruss.
Está tão quieto e as luzes estão apagadas. No escuro atravesso o corredor que interliga os cômodos. Assim que a sala surge a minha frente vejo um feixe de luz amarelo de uma lanterna e passos próximos a mim.
As luzes se acendem clareado tudo, revelando os intrusos, tem seis homens vestidos de preto espalhados pela sala, todos me encarando através de suas máscaras.
– Mellanie Silence, nós estávamos te aguardando...
¯¯¯
Assim que sou aprovado nos testes e dispensado da Academia deixo seu prédio principal. Como sempre, faço meu caminho de rotina, porém hoje por estar preocupado com a Mell desço no Distrito 17 e vou para a casa dela.
Quando chego, o sol está se pondo no horizonte, primeiramente vejo uma comoção anormal em frente à casa da Mell, varias pessoas se acumulam tentando sugar cada informação para suprir a curiosidade doentia.
Aproximo-me caminhando entre os curiosos e vejo funcionários da Sile Mëllen, o órgão de contenção ao Siruss removendo um corpo já ensacado como já vi tantas vezes, mas dessa vez é da casa de Mell. Sinto medo de saber o que aconteceu, de ter minhas dúvidas confirmadas.
Muitas perguntas surgem em minha mente, principalmente quando vejo o pai dela completamente desolado sendo detido, ele me encara e de seus olhos uma compreensão súbita me atinge e sinto que é a Mell que está dentro do saco do necrotério. Minhas dúvidas são confirmadas, Mell está morta...
Compareço ao seu velório e começa a garoar sobre o cemitério, o dia amanhecera como se todo o mundo estivesse em luto. Não era para a garoa chegar até nós graças ao grande domo de Eien e não chega, mas Altair criou um sistema que percebe o clima exterior o copia e simula tudo para esquecermos que vivemos presos dentro do domo, então uma garoa artificial cai do teto do domo como se estivesse vindo de fora e nos molha com rapidez, ensopando nossas roupas, após nossas almas estarem ensopadas de lágrimas. Já tem três dias de sua morte, ainda não consigo acreditar que a Mell se foi, ela estava tão bem, há tão pouco tempo ela foi diagnostica com o Siruss, e na primeira vez que passou mal devido ao Siruss ela morreu.
Continuo sem acreditar enquanto olho para o caixão da Mell mergulhando na cova negra que não posso ver seu fim. Morbidamente o preto é a única cor presente, consumindo o funeral de uma pessoa que amava a vida que as cores representam.
Nos últimos dias eu não consegui dormir ou comer pensando na Mellanie.
As memórias ruins permanecem por mais tempo do que as boas, e a minha última lembrança da Mell sempre será ela passando mal em Kally no dia do exame da convocação ao exército e depois seu caixão escuro, completamente fechado e lacrado para ninguém ter contato com seu corpo, estendido friamente. Sem a vida que sempre possuiu, sem nem poder ver seu rosto uma última vez, para me despedir, para guardar a imagem de seu rosto em minha memória. Não consigo acreditar que ela se foi e jamais retornará para meus braços.
Evito os olhares dos outros presentes que me encaram abertamente, na maioria, pessoas que não se fizeram presentes na vida da Mellanie e que não deveriam estar aqui.
Quando o caixão chega ao fundo de seu túmulo funcionários da Sile Mëllen despejam cimento sobre ele, selando-o para sempre. Assim é a seção do Decreto de Thistell criado logo após o primeiro atentado que trata sobre enterros e sepulturas devido à epidemia. Todas as pessoas que possuem o Siruss quando morrem tem de serem sepultadas em túmulos selados com cimento, me sinto mal com isso, é como se estivessem colocando uma parede entre mim e a Mell.
Provando que não ligam realmente para ela todos aos poucos deixam o local, indo embora como se uma simples cerimônia de uma hora fosse o bastante para se despedir dela. Como se houvesse um meio de se despedir de alguém que ama e em tão pouco tempo.
Logo permanecem pouquíssimas pessoas, as ignoro e agradeço por nenhuma delas vir falar comigo, penso no pai da Mellanie sofrendo, preso em uma cela fria e solitária, não sei o motivo dele ter sido detido, mas nada justifica lhe tirarem o direito de vir ao funeral de sua própria filha.
Viro-me para ir embora, mas vejo uma garota que me chama a atenção, com uma expressão séria olhando para mim de uma maneira pesarosa. Seus cabelos loiros se movem ao vento e ela usa um vestido todo preto sem mangas que destaca sua pele branca, completamente parada, distante demais, segurando um buquê de lírios silvestres... As flores preferidas da Mellanie.
Sei que a Mell tem... Ou melhor, tinha uma irmã, imagino se não seria ela e tendo compreender por que ela não se aproxima, a garota sorri timidamente para mim, vira-se e caminha para o lado oposto adentrando na parte mais antiga do cemitério.
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