Capítulo Dezesseis: Socorro, De Volta ao Lar

Marryweather

Acordo  com  a  Whithelly  me  abraçando  fortemente  e  lembro-me  de quando  ela  era  apenas  um  bebê,  logo  ela  estará  grande  demais  para  caber  em meus  braços,  cada vez  mais  ela está parecida comigo.

Relutante,  eu  desvencilho-me  de  seu  aperto  sem  acordá-la  e  a  encubro até  o  ombro,  caminho  silenciosamente  pelo  cômodo  escuro,  amarrando  o cabelo  para  o  lado,  coloco  o  capuz  de  minha  blusa  e  arrumo  a  munhequeira que cobre  1/4  do  meu  braço  direito. Vou  para  o  quarto  que  o  soldado  está.  Que  ironia,  eu  escolhi  esse apartamento  por  causa  das  estrelas  no  teto  desse  quarto  e  nos  últimos  dias ficamos  na  sala.

O soldado  ainda  está  dormindo,  sentado  de  costas  para  a  parede  e  com  a cabeça  apoiada  no  braço  bom,  seus  cabelos  pendem  sobre  seu  rosto  o deixando  mais  bonito  do  que  já  é.

Coloco  seus  remédios  e  uma  garrafa  de água  no  criado-mudo  onde  ele  pode  alcançar,  mesmo  estando  algemado.  Sinto medo  de me  aproximar demais  dele,  é como  se o  sentimento  para com  a  minha irmã,  lembranças  do  passado,  a  minha  moral  e  meu  ódio  por  soldados  me afastassem  dele,  mas  uma  força  oposta,  muitíssimo  mais  forte  me  empurrasse para ele,  como  um  pedaço  de ferro  tentando  se afastar  de um  ímã.

–  Já tem  uma semana,  logo  andaremos  em  caminhos  opostos  –  digo  para mim  mesma  em  voz  baixa,  quase  num  sussurro.

Divido-me,  parte  de  mim  não quer  que  isso  aconteça,  quer  matá-lo  ou  abandoná-lo,  a  outra  quer  se  jogar  em seus  braços  mesmo  se  sentindo  uma  traidora  e  pela  primeira  vez  esta  se  parece mais  forte,  é  como  se  minhas  duas  identidades,  Marryweather  e  Esther, tivessem  vida própria  e  autonomia.

Saio  do  prédio,  seria  muito  mais  rápido  se  Whithelly  fosse  comigo, infelizmente  ela  não  pode,  se  fosse  pega  por  uma  tropa  setorial  usando  um Lide roubado  nós  seriamos  paradas.

O  único  movimento  existente  é  o  de  moradores  de  rua  desse  setor transitando  ou  jogados  no  chão  e  nas  calçadas,  alguns  dormindo  e  outros comendo  o  que  encontraram  nos  lixos  dessa  cidade  em  ruínas,  apenas  as fábricas  ainda  estão  em  funcionamento,  não  importa  o  que  aconteça,  elas nunca  param,  sempre estão  produzindo  suprimentos  e  armas  para a  guerra.

Em  poucos  minutos  caminhando,  vejo  por  toda  cidade  vários  cartazes de  procurados  com  recompensa  por  minha  captura,  espalhados  por  muros  e bares  irregulares,  eles  não  tem  uma  foto  minha,  mas  conseguiram  dados  de minha  aparência  e  montaram  uma  imagem  bem  parecida  comigo,  que  também aparece em  banners  e  outdoors  nos  prédios  alertando  que  sou  perigosa.

–  Comandante  Kleyer!  –  eu  sussurro,  como  de  costume  para  mim mesma.  –  Aquela maldita colocou  o exército  à  minha procura.

Isso  me  irrita,  nem  quando  era  uma  Nacionalista  e  cometia  crimes periodicamente  fui  identificada,  mesmo  evitando  matar  os  inocentes,  nunca deixei  uma  testemunha  para  me  denunciar,  para  agora  Altair  ter  uma  imagem minha,  associarão  meus  antigos  crimes  como  Esther  e  não  duvido  muito  se  em breve eles  descobrirem  meu  verdadeiro  nome.

Ando  pelos  becos  e  vielas  sempre  em  alerta,  tentando  ao  máximo  ficar longe de  áreas  com  bloqueios  e  nas  principais  ruas  me  manter junto  à  multidão apressada. Em  pouco  tempo  chego  à  base  móvel  dos  Nacionalistas,  atualmente  no Setor  industrial  Denlez. 

Passei  os  últimos  dois  dias  atrás  de  sua  localização exata,  um  enorme  prédio  com  grossas  paredes  de  concreto  e  muros  altíssimos com  cercas  elétricas  em  toda  sua  extensão,  um  pátio  externo,  o  presídio Stantgrow.

Há  uma  década  estava  cheio  de  detentos  em  solitárias  frias  e  escuras, com  prisioneiros  que  eram  executados  semanalmente,  agora  é  um  local silencioso  e  aparentemente  abandonado.

Quem  procuraria  uma  base  rebelde em  um  presídio  abandonado?  É  o  único  prédio  que  normalmente  não  tem batidas  militares. Entro  pelo  portão  da  frente,  não  vejo  ninguém,  porém  sei  que  há olheiros  a  meu  redor,  provavelmente  apontando  armas  para  mim, aparentemente  as  torres  estão  vazias,  não  vejo  sentinelas  de  vigia  nas  armas  de grosso  calibre  fixas  posicionadas  em  pontos  estratégicos  como  é  de  costume nas  bases  móveis  do  Brayan.

O  hall  de  entrada  tem  apenas  dois  garotos  mais  novos  que  eu,  eles devem  ter  por  volta  dos  dezesseis  anos  e  são  gêmeos,  apenas  se  diferem  por suas  roupas  e  o  fato  de um  ser alguns  centímetros  mais  baixo  que o outro. Como  o  previsto  eles  já  sabiam  da  minha  presença  e  encontram-se  bem armados. 

Assim  que  abro  as  portas  duplas,  vejo  o  cano  de  seus  fuzis contrabandeados  apontando  para  mim  com  extrema  hostilidade,  mirando  em minha cabeça.

Estavam  apenas  esperando  eu  entrar  na  linha  de  fogo,  todos  sabemos que  sou  um  alvo  fácil,  vejo  um  homem  grande  e  forte  próximo  a  um  rottweiler que  rosna para  mim  fazendo  tilintar  metalicamente  as  correntes  que  o  prendem a um  blindado  do  exército  roubado.

–  Quem é  você?

–  Identifique-se!  –  exclamam  eles  quase  juntos,  mas  sem  um interromper  o  outro. 

Olho  ao  meu  redor,  aqui  é  muito  escuro  e  não  tem  luz elétrica  por  ter  sido  abandonado  desde  que  Altair  considerou  Stantgrow inseguro  por  ter  deixado  uma fuga em  massa acontecer em  plena luz  do  dia.

–  Sou  Esther e  vim  falar com  o Brayan. Um  deles  tira  uma  pequena  lanterna  ultravioleta  do  bolso  e  passa  a  luz avermelhada  sobre  meu  pulso  direito,  onde  segundos  antes  estava  sendo oculto  pela  munhequeira,  sinto  minha  pele  arder  e  logo  aparece  uma  tatuagem bem  em cima  do  meu  chip,  o  desenho  reluzindo  em  um  tom  fluorescente,  uma estrela negra em  forma de  bússola apontando  para  o  destino.

Ganhei  essa  tatuagem  quando  me  tornei  uma  Nacionalista,  a partir desse momento,  sempre  serei  parcialmente  Esther  e  a  revolução  viverá  em  cada partícula  de  meu  corpo. 

Após  longos  e  tediosos  minutos  esperando  o grandalhão  notificar  seu  superior  por  um  primordial  walk-talker,  eles  me conduzem  a  um  elevador  e  nós  subimos  até  o  sétimo  andar,  a  administração improvisada.

Os  corredores  estão  em  completo  abandono,  com  paredes  manchadas,  as lâmpadas  no  teto  estão  todas  quebradas  e  o  chão  cheio  de  cacos  que  se fragmentam  ao  andarmos,  por  toda  parte  há  diversos  portões  de  aço  que  foram criados  pelo  sistema  para  dificultar  a  fuga  de  detentos,  hoje  protegem  seus maiores  inimigos.

–  Fique  aqui!  –  manda  um  dos  gêmeos  quando  entramos  numa  sala,  ao sair,  eles  me  trancam  pelo  lado  de  fora,  com  toda  essa  formalidade  parece  que vou  ter uma reunião  com  o líder  supremo  de  Altair,  Walter  Thistell.

Observo  o  local  em  que  estou.  Provavelmente  me  trouxeram  para própria  sala  do  Brayan.  O  local  foi  modificado,  colocaram  um  sofá,  cadeiras  e uma  mesinha  de centro  para torná-la mais  humana.

Como  a  luz  foi  cortada,  há  lâmpadas  a  gás  que  produzem  uma  claridade extremamente  branca  e  baça.  Pelo  que  eu  observei,  em  todo  o  presídio,  apenas aqui  há  uma  janela,  no  centro  da  parede  para  todos  verem  um  mundo  em desordem  e  sofrido,  deteriorando-se cada vez mais.

Leva  mais  de  meia  hora  para  a  porta  se  abrir  novamente,  então,  após  um bom  tempo,  vejo  um  rosto  familiar,  Brayan  entra  abraçado  com  uma  garota que conheço  muito  bem,  Lore,  me enojo  por sua  presença. Sei  que  ela  ainda  guarda  rancor  de  mim  devido  aos  verdadeiros sentimentos  do  Brayan,  ele  está  bem  parecido  com  sua  versão  de  quando  nos vimos  pela  última  vez,  dois  anos  atrás  quando  deixei  a  ARN,  exceto  por  seu cabelo  que  agora  está  curto,  a  expressão  de  seu  rosto  está  mais  amarga,  o  corte em seu  pescoço  agora  é  apenas  uma enorme cicatriz.

–  Fiquei  sabendo  da  morte  do  seu  pai…  Eu  lamento.  –  Vê-lo  me  traz lembranças,  as  ruins  sobrepondo  as  boas.

–  Também,  ele  foi  um  grande  homem  e  nos  conduziu  a  vitórias significativas  contra  Altair.

Ele  foi  executado  no  mastro  deixando  seu  legado  para  nós, provavelmente o futuro  de todos  se  um  dia nós formos  pegos.

–  Marryweather  eu  tenho  pressa.  –  Pode  ser  apenas  neurose  minha,  mas sinto  que ele me culpa pelo  Jhonny.

–  Preciso  da  sua  ajuda  –  confesso,  odeio  depender  dos  outros.  –  Você  é o  único  que tem  conhecimento  e  tecnologia para…

–  Marryweather  –  me  interrompe  ele  caminhando  até  mim.  –  Você deixou  a  ARN,  disse  que  não  era  mais  uma  de  nós,  que  não  voltaria  e  agora quer  que  eu  a  ajude?  Já  tem  pessoas  demais  contando  comigo,  todos Nacionalistas,  todos  que  são  contra  Altair,  agora  sou  um  homem  muito ocupado.

–  É importante… Se  não  fosse,  não  viria aqui  pedir sua ajuda. Ver  meu  suplício  faz  a  Lore  sorrir  de  felicidade,  porém  sua  expressão logo  se fecha  voltando  a  transmitir raiva.

–  Em  memória  do  meu  irmão,  eu  te  ajudarei,  mas  não  agora,  tenho  que preparar  um  ataque  à  base  militar  central  ΩMEGA,  daqui  duas  semanas  um dos  meus  homens  te  procurará.

Assinto,  acho  que é  o  melhor  que eu  conseguirei.

–  Você ainda está  no  The Golden  Gaiden?

–  Sim.

Ele  se  aproxima  e  segura  meus  ombros,  novamente  vejo  que  está diferente,  praticamente  não  o  reconheço,  está  fechado…  Mais  sério,  o  Brayan de  minhas  memórias  era  risonho  e  descontraìdo,  o  mundo  o  mudou. Sei  que isso  também  aconteceu  comigo  e  mesmo  eu  tentando  ao  máximo  impedir,  aos poucos  está acontecendo  com  a  Whithelly.

Como  sempre  ele  beija  minha  testa,  sempre  fez  isso,  recordo-me  de quando  ainda  vivia  com  meu  pai,  diariamente  eu  ia  chamar  seu  irmão  para brincarmos  e  fugirmos  um  pouco  da  realidade  no  refúgio  de  nossas  mentes, ele sempre  me cumprimentava  desse jeito.

–  Tchau,  cuide-se,  Esther.  –  Seu  pai  me  deu  esse  nome  quando  eu  fiz meu  juramento  e  ele  me  batizou  como  uma  Nacionalista.  Desde  que  meu  pai foi  levado,  ele sempre cuidou  de mim.

–  Você também.

–  A  ARN  sempre  terá  um  lugar  para  você.  –  Lore  me  fulmina  com  o olhar.

–  Não  tenho  vontade  de  voltar.  –  Sei  que  a  ARN  é  minha  casa  e  minha famìlia,  mas  Whithelly  é  mais  importante  e  desde  que  deixei  de  ser  uma Nacionalista,  ela está  mais  segura.

Saio  do  prédio  e  um  dos  homens  de  Brayan  me  dá  uma  carona  até  a fronteira  de Denlez e  Kessler.

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