Capítulo 3: Missão, Invasão a Base de Dados de Eien

Eu sentia-me extremamente confiante quanto ao nosso sucesso, no entanto, assim que nos afastamos do Marshall minhas expectativas caem drasticamente. O Sam fica calado, acho que ele ainda se culpa por meu pai ter sido recapturado na noite em que eu consegui libertá-lo das mãos sujas do Walter Thistell, ele parece querer se redimir por isso.

Vamos para o centro de Eien e então nos dirigimos para a estação, todo o setor está muito diferente desde a última vez que o vi, já faz dez anos, mas parece que se passaram cem, as casas e prédios estão mais deteriorados e as ruas mais sujas, Eien era uma dos poucos setores medianos, não era nem pobre e nem rica. Agora, parece mais um dos setores que Altair abandonou a própria sorte, apenas mantém o exército a sitiando para permanecer no controle enquanto explora até esgotar qualquer forma de lucro. Logo Altair irá entrar em colapso, caso a guerra não termine agora, como o esperado e Arcádia consiga resistir um pouco mais será nosso fim.

A estação continua funcionando normalmente e está completamente vazia por causa do toque de recolher, a entrada principal é completamente aberta e soldados patrulham a rua em frente em um período muito curto de tempo.

O Jimmy envia um sinal de onda que distorce todas as frequências e gera um ruído que faz os soldados se atirarem ao chão e se contorcer enquanto tentam remover o dispositivo de trás da orelha, objeto que conecta o Lide ao córtex com a finalidade de transmitir mensagens sem emitir sons. Um chiado alto e estridente que é audível e irritante mesmo há alguns metros de distância.

Jimmy e Sam os nocauteia. Tento convencer eles que seria mais prudente retirar os soldados de frente da estação, para assim não chamarmos atenção para nós, mas acabo sendo convencida de que estaríamos perdendo o tempo que não temos e aceito que apenas os deixemos para trás, é melhor do que a opção de matá-los. Não existe furtividade quando se tem pressa, a qualquer momento o expresso passará pelo ponto em que o Marshall se encontra e nesse momento o Jimmy tem de estar na sala de controles ou todos iremos fracassar e morrer.

Entramos na estação aproveitando o tempo que o dispositivo do Jimmy nos deu. Por cerca de um minuto ainda encontramos soldados se debatendo no chão, mas assim que esse tempo termina eles se levantam às nossas costas, suados e ofegantes, agora cientes de nossa presença. Corremos pelo longo corredor até as plataformas de embarque que atualmente estão desativadas. Um trem parado e enferrujado nos serve de passagem para a plataforma seguinte e chegamos à escadaria de uma torre alta ligada à estação, mas um prédio independente.

Dentro da torre não temos dificuldade em avançar, há poucos guardas que derrubamos e o caminho a seguir está indicado em placas pelas paredes, subimos uma escadaria que leva ao corredor de acesso à sala central de comando férreo. Nenhum soldado nos aguarda, apenas uma porta dupla semi aberta, Sam se posta ao lado da porta e pede que eu abra para ele, o faço e Sam entra na sala varrendo o local com sua arma com uma postura incomum para quem não tem treinamento militar, ele é seguido pelo Jimmy que vai direto à mesa de comando onde dois operadores do sistema estão abaixados para se esconder dos tiros. Jimmy atira neles a queima roupa.

Permaneço na porta da sala de controles, olho alternadamente para dentro e para fora para ver se vem algum soldado. Jimmy está teclando rapidamente ora em um teclado ora em outro muito rapidamente. Nos monitores dentro da sala observo vários feixes de luz, há 5 monitores centrais no meio da sala e um maior acima deles. Na imagem de dois monitores tem alguns corredores, o qual que estou vigiando não aparece, muito provavelmente a câmera está quebrada. Nos outros monitores percebo luzes em forma de retângulo que vão de um lado ao outro em amarelo e várias letras pequenas na tela. No outro monitor tem os mesmos retângulos porém vão em velocidade menor e estão em vermelho, parece que em algum momento irão chocar-se. Me sinto curiosa com todo esse sistema.

- Jimmy, o quê significa essas coisas piscando na tela?

-... . - Jimmy suspira.

- Eles vão se chocar?- Pergunto novamente.

- Estou tentando impedir isso, mas esse sistema bloqueia minhas tentativas de acesso, tem como colocar a senha manualmente ou por biometria, mas nenhum dos dois modos estou conseguindo acesso!- diz Jimmy um pouco exaltado, suor escorre de sua testa colando seu cabelo na testa.

- Tem pessoas vindo para cá, Jimmy tenta fazer isso rápido! - grita Sam.

Percebo que me distraí e não olhei mais para as câmeras nem para o corredor, talvez pudesse ter visto os soldados antes.

- Calma, não é assim, isso precisa de tempo, irei reiniciar todo o sistema, vocês tem que segurar nossa posição até lá.

- Certo! Não faça disso uma missão suicida.

- Era desde o inicio.

- Vamos! - chama Sam, nós voltamos para o corredor e há soldados subindo as escadas, abrimos fogo impedindo o avanço deles, precismos apenas atrasá-los até que Jimmy consiga acesso ao sistema e possa garantir que o trem pare no lugar certo. As luzes se apagam, então sabemos que Jimmy já o reiniciou.

Como não temos muita munição atiramos apenas quando eles ameaçam avançar até que recuem e possamos avançar ou manter a posição como uma batalha de trincheiras. conseguimos fazer eles recuar até a base da escada e cada um de nós se posiciona em um lado do patamar, Sam recarrega sua arma e joga para mim seu último pente, não aguentaremos mais uma investida dos soldados, mas os tiros cessam e o corredor fica silencioso abaixo de nós. A qualquer momento podem avançar e podem ter mais deles ou estarem mais preparados, melhor armados e quando isso acontecer eles conseguirão nos matar sem podermos reagir.

- Perdoe-me Mellanie. - diz Sam quando estamos sozinhos guardando o corredor esperando que o Jimmy termine nossa missão ou que morramos.

- Por quê tenho de perdoá-lo?

- Por não ter conseguido proteger seu pai, você confiou em mim.

Lembro das dolorosas horas que vi meu pai pendurado como um animal no abatedouro apanhando e passando fome, sendo torturado por seu crime, ter me feito como sou, lembro que Thistell o fez sofrer para fazer eu me entregar à ele. Uma pergunta toma conta de mim e por um momento é apenas isso que me importa.

- Como ele foi capturado novamente? - pergunto.

- Depois que nos separamos tentei encontrar um meio de sairmos da Grande Capital, mas os bloqueios em todas as fronteiras continuou intenso mesmo após a sua captura, fugimos o máximo que conseguimos, mas soldados nos emboscaram e seu pai estava muito ferido, então não podemos lutar e nem fugir.

- Como você se libertou?

- Nós fomos levados em veículos diferentes, o que eu estava teve problemas e parou, aproveitei para me soltar e fugir, então voltei para as colônias.

As luzes se acendem uma seguida da outra e o ar condicionado se liga novamente, seguramos tempo o suficiente, basta que com isso ele tenha conseguido o acesso aos controles que precisava.

- Sam... - Hesito antes de terminar minha pergunta

- Diga.

- Por que você estava indo para a Grande Capital? - Sei que não foi pelos mesmos motivos de todas as pessoas que tentam migrar para a capital, Sam não se parece com a maioria das pessoas, sofridas e que estão se deteriorando lentamente, de baixo porte físico devido à falta de alimentos em toda a trajetória de suas vidas, pessoas de pouco estudo e sem esperança de um futuro melhor, ele se enquadra mais como o Marshall era, filho da elite militar, jovem e com o desejo e sonho de mudar o mundo, pessoas que são como borboletas de cristal, um momento sozinhos no mundo e se estilhaçam, perdem a essência que uma vida de luxo preservou, conhecem o mundo que foram escondidos atrás de muros de dinheiro e armas, o mundo em decomposição que a maioria tem como lar desde que nascem.

- Eu ia matar Thistell, mas...

- Mas eu te atrapalhei, fui um peso pa... - O interrompo eu percebi que estava atrasando ele, Sam não deixa eu terminar.

- Não, não diga isso, eu escolhi ficar e te ajudar, e realmente, eu não sabia sair daquela floresta. - diz ele rindo. - Sem você eu não teria chegado à Grande Capital.

- Mas como você ia fazer isso? Estava sozinho e desarmado, você seria morto.

- Nossa conversa vai ficar para depois. - Ele aponta para o corredor e vejo o dobro de soldados que tinha na última investida e agora além dos coletes e das armas superiores às nossas, estão carregando escudos de metal e vidro, formando uma falange que avança escada à cima mesmo com nós atirando contra eles.

Desistimos de tentar manter posição e corremos de volta para a sala de controle, Sam entra primeiro e empurra um armário de metal para a frente das portas, ajudo ele à arrastar o armário que tomba para o lado e as bloqueia, os soldados do outro lado forçam ela abrir, Sam tenta segurar a porta e eu empurro o armário contra as portas instantes antes de um tranco forte quase derrubar o armário para cima de mim e escancarar as portas.

- Jimmy! Como está aí?

- Só um minuto, consegui atrasar nosso expresso para dar tempo de nossos amigos chegar no ponto marcado, mas ele ficou muito tempo parado e o sistema reconheceu a invasão, estou desativando os códigos de segurança.

- Então, para de falar e vai logo!

Algum soldado do outro lado atira contra a porta que resiste por ser à prova de tiros. Seguramos mais três novos trancos, então um parafuso da dobradiça cai e outros dois estão quase fora.

- Jimmy...

- Consegui! - Um alívio invade meu peito, ao menos se morrermos aqui não terá sido em vão.

- Então ajuda aqui! Mel atira contra a janela.

- Certo - assinto e pego a pistola que o Marshall me deu antes de sairmos das colônias, atiro até acabar a munição, são quatro disparos contra o vidro que resiste, os projéteis ficam encravados em pequenas fissuras que demonstram a força do vidro.

- Sam, acabou a munição.

- Também não tenho.

- Jimmy me joga sua arma!

Jimmy, não faz nada, ele fica encarando a mesa de controle, não me joga sua arma e nem ajuda Sam a segurar a porta.

- Jimmy!

Ele corre para a mesa enquanto o Sam tenta segurar a porta sozinho. Corro para ajudar ele, no entanto antes que eu chegue perto o suficiente o último parafuso cai e a porta tomba para o outro lado mesmo o armário estando ainda bloqueando a porta, um soldado coloca o fuzil numa fissura entre o armário e a batente da porta e atira para dentro da sala até descarregar o pente.

- Abaixem! - grita Jimmy, faço isso e me encolho para me proteger, então quando o som dos tiros cessam percebo o alarme de alerta para colisão de trens disparado novamente.

Os soldados empurram o armário e entram na sala, dois vem em minha direção e lembro-me de quando invadimos essa sala e Jimmy matou os funcionários da estação à queima roupa enquanto eles estavam abaixados, na mesma posição que nós agora, tentando não ser um alvo fácil e rezando para que sejam misericordiosos conosco e nos permitam viver mais um dia, algo que mesmo eu pedindo muitas vezes Jimmy e Sam escolheram não fazer ao longo do dia.

Os soldados nos imobiliza, um deles me puxa pelo cabelo até o canto da parede onde está Jimmy e Sam, os soldados nos cercam enquanto um homem vai para os controles ver o que nós fizemos e controlar o sistema. Ele reinicia o sistema e novamente tudo fica escuro, apenas clareado pela luz que entra através da janela

O líder que se destaca dos outros pela  farda se aproxima, ficando à uma distância segura.

- Sabe crianças, quando recebi um alerta sobre a invasão dessa estação imaginei que encontraria aqui uma equipe bem preparada, um esquadrão de ataques furtivos de Arcádia, todos muito bem armados e municiados, mas não, o que tenho aqui é três fedelhos nacionalistas sortudos, armados com pistolas velhas e um fuzil roubado que, de alguma forma, enganaram o sistema de biometria. - Ele para de falar por um momento e chuta o Sam na barriga com força, ele tenta reagir, mas os soldados o impede.

- Eu poderia simplesmente matar vocês, mas meus superiores acreditam que o que vocês tentaram fazer aqui faz parte de algo maior, então vocês contem o plano e me convençam que é o verdadeiro. - diz indo até Jimmy e dá socos seguidos na barriga dele que também é impedido de reagir.

Jimmy ri com sarcasmo quando ele para os golpes.

- Covarde! - acusa e então desafia: - Me enfrenta sozinho.

O soldado o ignora e vem em minha direção. Um expresso passa na linha mais próxima do prédio e em uma velocidade incomum, parece estar ganhando velocidade e à beira de descarrilar.

- Você não sabe o que é isso, o mundo é covarde, garoto você acredita em Deus? - Ele espera por uma resposta, mas não a recebe e por isso continua: - Covardia é tudo estar se deteriorando e Deus não fazer nada e poucos ter que lutar para fazer desse país a grande nação que ele merece ser, enquanto porcos se humilham por comida na rua, não é covardia matar essas pragas, é limpeza, a covardia é vocês terem matado nossa líder Marechal Kleyer. - Ele aumenta o tom conforme chega ao final da frase e nas últimas palavras está gritando, ouço sua voz alta muito perto do meu rosto e então sinto o golpe, um tapa ou soco que me derruba e faz minha visão girar, por um instante que parece demorar demais ouço um zumbido no ouvido esquerdo, onde recebi o golpe, sinto minha bochecha muito quente e ela lateja.

Ele enrola meu cabelo na mão e puxa com força, apenas consigo chorar e pedir para que me solte.

- Olha esses fios brancos, você deveria estar morta, Siruss existe para julgar as pessoas e executar quem não é digno de viver em Altair. Uma morte rápida e dolorosa, é o que o Siruss promete, mas ele não foi cuidadoso com você, ainda está aqui, corrigirei a natureza e te darei o que lhe foi prometido, rápido e doloroso.

- Seu maldito! Larga ela! - Sam grita enfurecido, mas não consegue se libertar para me defender, depois que foi derrubado um soldado o imobilizou, segurando seus braços para trás e pressionando suas costas com o joelho, numa posição que facilmente pode quebrar seus braços.

- Me impeça. - desafia chutando meu abdômen para provocar Sam. No momento do choque sinto uma dor lancinante e meus pulmões parecem  esvaziar, tento respirar, mas sou impedida, como se mãos fortes apertassem minha garganta e o ar não passasse, sou tomada por desespero enquanto tento tragar o ar e ele não supre minha necessidade, à cada tentativa meu peito dói e tenho que desistir, até que consigo inspirar uma porção do necessário e a tentativa seguinte é melhor, estabilizando minha respiração um pouco mais a cada ciclo, ficando apenas uma dor na forma de espasmos.

As luzes se acendem novamente.

- Senhor! - chama muito abismado o homem que estava tentando retomar o controle do sistema, no entanto ele não tem tempo para alertá-los. Assim como o outro expresso, um segundo passa muito rápido nos trilhos, fazendo a curva final antes de parar na plataforma, mas a velocidade que se encontra não permite a manobra e todo o lado esquerdo do comboio se desprende do trilho e ele sobe a plataforma se arrastando em alta velocidade pelo salão da estação enquanto alguns vagões se soltam destruindo muitas paredes e fazendo o prédio trincar e parte desabar.

Com o predio ainda tremendo as janelas estouram com um som alto e parte do teto cai sobre nós, sinto apenas minhas pernas sendo prensadas e desmaio.

Quando retomo minha consciência entrou presa entre dois pedaços do teto, o prédio parou de tremer e uma massa de poeira cobre tudo me fazendo tossir.

Sinto uma dor muito forte em minhas pernas, soterrada não consigo me mover para tentar sair. Então Sam tira a placa que cobria meu corpo e estava apoiada sobre a que esmaga minhas pernas.

Sam levanta o pedaço do teto e me arrasto para longe, antes que esta cai com peso e leventa mais poeira.

Olho para minhas pernas e as escoriações não justificam a dor que senti, por um momento achei que minhas pernas estariam em um estado irrecuperável. Mas mesmo assim não consigo me levantar.

Sam me pega no colo sem grande dificuldade. Vejo à nossa volta, todos estão mortos, alguns esmagados no acidente, dois tem facas enfiadas na cabeça, mortos pelo Sam e outros tem enormes pedaços de vidro cravados no corpo, assim como Jimmy que tem um caco maior que minha mão penetrando seu rosto.

- Jimmy fez isso? - pergunto quando já estamos à dois quarteirões, a guerra na frente de batalha e a segurança da capital e setores produtivos faz ser demorada a resposta de Altair em situação de crise em setores menores.

- Ele nos salvou daquele louco. - Eu perguntei, mas sei a resposta, ele deve ter descarrilado os trem que tinham Eien como destino.

- Mas perdeu sua vida para isso. - digo chateada pelo modo como terminou, um fracasso por temos perdido um companheiro e sem nem mesmo saber se fomos úteis ao Marshall. - E você ainda tem que me carregar, como se eu fosse uma inválida.

- Não se preocupe, já te carreguei lembra? E era um caminho muito mais difícil e longo.

- Isso não melhora em nada sua situação.

- Não mesmo, posso deixá-la em algum beco para Altair, mas você precisa ser carregada e meus braços estão livres aqui.

- Ahh claro, com certeza essa é a melhor opção. - Só o Sam mesmo para me fazer sorrir numa hora dessas.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top