Conforto




No segundo dia eu já estava cansada de fazer absolutamente nada, até onde eu sabia Ace passou o tempo todo comendo e caminhando pelas ilhas. Sem voltar para o Piece of Spadille um único momento, o resto da tripulação também parecia estar aproveitando tranquilamente o arquipélago enquanto o revestimento era feito. Apenas Mihal permaneceu no navio o tempo todo.

Entre compras de suprimentos, comida e armamentos passei a maior parte do tempo dormindo com Kotatsu e cozinhando para aqueles que surgiam nos horários de refeição.

Gallie mordeu meu dedo chamando atenção, o foco voltou para meus olhos. — Também quero sair, mas... Sabe as condições.

Respirei fundo, com toda aquela... Ansiedade, presa no peito, era difícil não pensar em conseguir conforto num rosto conhecido.

— Está tudo bem?

Levei um susto quando a voz do professor ecoou próxima a mim, enquanto eu estava na cozinha vinha apenas sua sombra escorada no corredor que levava as cabines.

— Sim — respondi puxando o capuz mais para frente, em seguida cruzando os braços. — Nunca gostei desse lugar.

— Compreensível — o professor saiu das sombras ajustando o próprio chapéu na cabeça e óculos. — É possível ter um pouco de chá?

— Claro — concordei e me virei para preparar uma xícara para ele e também para mim. Quem sabe dessa forma me acalmava um pouco, as penas de Gallie se eriçaram por um momento antes da ave se chacoalhar e voltar a fechar os olhos no canto do balcão.

— Gallie é uma Harpia do Deserto, certo? — ele comentou. — De Alabasta.

Separei algumas folhas secas e coloquei na água — Uma Harpia do Deserto, sim, mas não original de Alabasta. Gallie nunca esteve lá, encontrei seu ovo num navio, durante uma pilhagem. Eu devia ter uns cinco anos.

— Está junto com ela há muito tempo, então.

— Ele — coloquei uma xícara em sua frente, rindo. — Gallie é um macho.

Mihal olhou para o animal por um momento — Fascinante. Muitas coisas fazem sentido agora.

Levantei a xícara até a boca — Como o quê?

— Gallie não gosta muito quando Capitão Ace, Masked ou qualquer outro tripulante chega perto de você — comentou. — Mas não parece ter problema com Banshee.

Estiquei a mão para meu companheiro alado, correndo as costas do dedo por suas penas — Nós nos protegemos, do jeito que conseguimos. Mas não posso negar que a sua personalidade é das melhores, se pudesse falar nossa língua, garanto que seria uma ave bem boca suja.

— Com certeza já viveu muito mais coisa nos mares do que nós — concluiu. — Esteve nessa vida de pirata por muito mais tempo.

— Não posso confirmar, nem negar. — Sorri em resposta. Confortável o suficiente para pedir um conselho para o mais velho, resolvi compartilhar um pouco das minhas frustrações.

Disse conhecer alguém numa das últimas ilhas do arquipélago, mas que me sentia aflita em andar até lá e encontrar algum dragão celestial no meio do caminho. Podia me virar com a Marinha e possíveis caçadores de recompensa, mas o resto... Se meter com tenryuubitos não era uma opção.

— Entendo o que diz — o professor girou o resto do líquido na caneca. — Porém, você não precisa andar até lá, precisa? Quero dizer, tem um bom transporte aéreo bem do seu lado. As árvores são altas, pode se esconder nas folhagens.

Mordi o interior da bochecha, aquela possibilidade não tinha passado pela minha cabeça. Apesar de ser bem óbvia. — Acha que vale a pena?

O professor então se levantou, lavou a minha xícara e a dele calmamente — Parafraseando sua resposta anterior, não posso dizer nem que sim ou que não. Mas se é o que quer, mesmo que aconteça algo, estaremos aqui para você.

— Se não voltar até amanhã de manhã, com certeza algo aconteceu, Mihal — dei meu pulso para Gallie subir. Me virei para a porta correndo para o lado de fora do navio, mas parando por um momento. — Obrigada professor.

— Se divirta.

Corri para um lado do navio que ainda estava sem cobertura, Gallie foi na frente e cresceu para que eu conseguisse pousar em suas costas assim que pulasse da beirada. Desviamos das bolhas e ocasionalmente paramos em alguns galhos quando alguém parecia estar olhando demais para cima. Mangue 13 era o nosso destino.

O bar surgiu na minha visão e com ele os batimentos acelerados, não via Ray a meses, mas Shakky já fazia anos. Gallie pousou atrás dele e veio para o meu ombro em seguida, sem conter a minha animação segui para o lado da frente abrindo a porta apesar da placa de fechado.

— Estamos fechados caso não tenha visto o sinal na porta — a mulher disse detrás do balcão sem sequer levantar os olhos do jornal, ou tirar o cigarro da boca.

— Até para uma conhecida? — anunciei e Gallie piou em seguida para chamar a atenção. Shakky se virou, um sorriso curvando o canto da sua boca apenas para deixar o cigarro de lado sobre um apoio.

— Veja só o que os ventos trouxeram para mim — ela se apoiou no balcão, tomando um momento para me olhar da cabeça aos pés. Agora que tinha puxado o capuz da cabeça. — A última vez que te vi não tinha altura o suficiente para olhar por cima do balcão.

Andei até ela quase com pulos, a surpreendendo com um abraço forte. Shakky pareceu surpresa no começo, mas retribuiu o meu gesto, batendo de leve nas minhas costas.

— É bom ver um rosto familiar de vez em quando.

— Você não mudou nada desde a última vez — comentei olhando ao redor. — Nem mesmo o bar está diferente.

A mulher indicou para eu me sentar do outro lado enquanto procurava alguma garrafa nas prateleiras mais baixas. — Não precisei mudar nada nesses anos, a única inconstância são os clientes.

Tirei a capa dos ombros e coloquei ao meu lado. — Onde está Ray?

— Por aí — respondeu colocando um copo na minha frente. — Não o vejo desde que saiu para treinar você.

Franzi — Já faz meses que nos separamos.

Shakky sorriu e colocou uma dose para ela mesma — Eu sei, deve estar resolvendo algo por aí. Não preciso exatamente me preocupar, ele sempre volta.

Criança eu não sabia, fui descobrir durante meu treinamento sobre a relação dos dois. Se havia um sentimento predominante entre eles era o de confiança, curvei os dedos em volta do copo e levei ele até a boca, sentindo o líquido arder minha garganta.

— Com certeza não é suco — fiz uma careta apenas para receber uma risada da minha companhia que colocava um pouco de água numa tigela para Gallie.

— É uma garota crescida [Nome], aguenta algo um pouco mais forte — Shakky pegou o cigarro e colocou entre os lábios. — Então, o que me conta das suas aventuras?

Por um tempo, até a hora de abrir o bar, contei o que estive fazendo. Não apenas do momento em que deixei a ilha em que estive treinando com Rayleigh, mas do instante que deixei o bar quando era pequena. Sobre a Ilha dos Tritões, Nerissa, o garoto que roubou meu primeiro beijo numa aventura inesperada, os dias passados com meu padrinho e também as histórias mais recentes.

— Ace você diz? — ela questionou, puxando o jornal. — Está viajando com alguém na mira do governo.

Shakky puxou o jornal apontando uma matéria — Depois que criaram o sistema de Lordes dos Mares, os shichibukai, comentaram nas matérias sobre ele ser uma opção.

O Governo Mundial, e os Goroseis, o conselho que tinha o maior poder dentro da organização, criaram um sistema onde piratas notórios ganhavam alguns benefícios - como liberdade -, enquanto cooperava com a Marinha.

— Estão perdendo o tempo — respondi —, Ace jamais iria aceitar. Apesar de ser um desmiolado para certas situações, tem um bom senso de justiça. Não sei se ele odeia a Marinha, mas com certeza odeia a ideia de estar preso a algo, ele vai continuar navegando com as próprias convicções e com uma tripulação que o apoia e protege acima de tudo.

A mais velha apoiou o braço no balcão, tombando a cabeça na palma por um momento. — Você confia nele [Nome]?

Uma resposta veio na ponta da minha língua, mas não saiu. Olhei para minhas mãos, do momento em que nos conhecemos, Ace não havia demonstrado nada além do que gentileza. O lado pirata é o que é, mas ele não precisava me proteger, ou proteger meu segredo, sequer ajudar uma Segunda-Tenente da Marinha que vivia o perseguindo. Sua presença nos mares era única e singular.

— Não tenho motivos para fazer diferente — abaixei a cabeça olhando meu reflexo no fundo do copo vazio. — Ele descobriu o meu segredo...

— Oh, e o que mais? — Shakky me instigou a falar.

Senti minhas bochechas esquentarem por um momento. — Ace disse que meus olhos eram como o sol.

Calmamente a mulher tirou o cigarro da boca apagando ele no apoio, tudo isso sem tirar o sorriso da boca. Shakky soprou a fumaça para cima e então bebeu o que restava em seu próprio copo. — Bem, ele não está mentindo.

— Mas é tão estranho, quero dizer. A maioria chama de ouro líquido, não é? — me curvei levemente sobre a bancada. — Não sei porque ele disse sol, não revelei o meu poder.

— Talvez o sol seja mais importante para ele do que moedas de ouro. Ou simplesmente acha eles bonitos o suficiente. Se não andasse com a capa, aposto que teria muitos pretendentes caídos aos seus pés pedindo por uma chance.

Shakky saiu de trás do bar e andou na minha direção segurando minhas mãos — Ray e Shanks não saberiam falar sobre isso, mas como uma mulher que também esteve no mar, digo uma coisa [Nome]. Tesouros não são a única coisa que piratas sabem roubar com maestria.

Não é como se eu não soubesse, vi uma boa porcentagem de corações partidos enquanto estava navegando com Shanks e a Tripulação do Ruivo. Apertei as mãos dela em resposta. — Sei disso, mas obrigada.

A dona do bar assentiu e colocou a mão no meu rosto — Mas não significa que não pode dar uns beijos descompromissados por aí. É melhor fazer isso enquanto não volta para debaixo da asa do Ruivo.

Senti meu rosto ficar vermelho, uma gargalhada surgiu na minha garganta — Vou manter isso em mente.







N/A: Olá meu povo! Olha um capítulo surpresa passando por aqui.

Espero que tenham gostado, obrigada por ler até aqui!

Até mais, Xx!!

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