Compromisso
Um ano havia passado e continuávamos nessa brincadeira. Algumas pessoas sabiam, outras suspeitavam e assim levamos os dias. Sentada com os dois nos bancos da faculdade que ficavam no jardim, embaixo da mangueira que florescia, eu descansava enquanto meu estágio supervisionado não começava. Ela contava sobre os arranjos da formatura, fotos e colação de grau. Ele não entendia nada daquilo, então fingia ouvir tudo que Ela dizia, mas sempre muito atento. Eles tinham se conhecido por causa do curso Dela. Ele disse que "quando aquela menina maravilhosa me parou no meio do Campos e perguntou se eu desfilaria pra ela, eu disse sim sem pensar duas vezes. Mas quando eu descobrir o que era e o que eu ia vestir... Quase sai correndo. Mas ela estava tão nervosa que eu não quis fazer tamanha desfeita. Homem só tem uma palavra, né, amor?"
Por trás da gente, ouvindo o que aquele hétero dizia, sua prima riu e comentou antes que Ela dissesse alguma coisa:
- Você esqueceu de dizer que eu te peguei indo embora pelos fundos do auditório e eu perguntei se você não era homem o suficiente pra caminhar de um lado pro outro com cara de constipado. - Rimos todas. Ele fez careta.
-Adivinha quem está namorando firme? - Sua mão começou uma dança no ar com o dorso virado para nossa direção.
Eu, empolgada, dei um salto do banco para abraçá-la e olhar o anel de perto. Era algo simples, mas bonito, cor de prata. Acho que meu lado lésbica ficava encantada com aquelas pequenas demonstrações de afeito, fidelidade. Então minha amiga, e prima do garoto hétero, nos contou o gesto romântico que o namorado tinha feito e como o rapaz aparecera com inúmeras rosas vermelhas, balões e com uma faixa no meio do jardim da faculdade. Eu fiquei com inveja, claro, nunca tinha ganhado flores.
- nunca vi mais brega! - o primo comentou, brincando.
Mas, sem perceber o que provocaria, também brincando, respondeu:
- E você? Colocou o anel dentro do sorvete! Quase matou esta criatura ao seu lado antes da coitada aceitar ser sua namorada.
Enquanto a garota que eu começava a sentir mais sentimentos do que gostaria contava como foi o pedido de namoro, meus olhos buscavam os anéis de compromisso dos dois, objetos que eu não tinha me dado conta de existirem. Eu nunca imaginaria que aquilo soaria tão significativo pra mim, e talvez nem fosse, mas não ter um anel, naquele momento, me fizera entender o quanto eu estava longe da realidade de um relacionamento normal. O silêncio que se seguiu só não foi mais constrangedor por causa do apito que meu relógio deu, avisando que eu precisava voltar pro estágio supervisionado.
Quando cheguei em casa, esgotada de ouvir os problemas de vários pacientes, caminhei até a área de serviço, retirei minha roupa e joguei na máquina de lavar. Na cozinha, apenas de calcinha e sutiã, abri a geladeira e senti o vento gelado sair pela porta. Demorei um pouco escolhendo o que comer, porém, no final das contas, peguei apenas um suco de maracujá. Percebi que estava triste demais pra comer qualquer coisa.
Lembrei que no quarto tinha chocolate e rumei em busca de um pouco de consolo feminino. Estranhei ver que minha porta estava fechada. Senti que não estava sozinha na casa e isso me deixou apavorada. Estiquei minha mão, buscando o jarro que ficava perto da porta em cima de um criado-mudo reformado. Mas não tinha jarro e nem o criado-mudo. Ou o ladrão roubava decorações ou havia dois ratinhos escondidos no meu quarto.
Segurei na maçaneta e abri vagarosamente minha porta. Explosões de confetes coloridos voaram pelo quarto repleto de balões em formato de coração. O chão e minha cama de solteiro estavam cheias de rosas vermelhas e o pobre do criado-mudo estava bem em frente da cama. Ambos estavam radiantes e excitados esperando minha reação ao me verem caminhar para perto da cama e ver o que era aquilo no centro do meu criado-mudo sequestrado.
Um anel brilhava no interior da caixinha vermelha de veludo. O que eu estava segundo o dia todo veio de forma vulcânica e eu comecei a chorar.
O que eles não entendiam, e eu expliquei entre soluções e lágrimas, não estava em um anel estúpido. Estava na sociedade. Estava em ser apresentada como namorada, em sair pra almoços de família e festas como alguém mais significativo na vida dos dois do que uma amiga que mais parecia uma Vela ambulante do casal.
- O que vocês esperam que eu faça com isso? - Foi tudo que eu disse antes de jogar o objeto pelo quarto.
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