23: qualquer cenário muito mais simples
Sienna caminhou para fora da capela com o corpo pesado.
Sua mãe caminhava junto a si, bem ao seu lado, com seus cabelos loiros sempre presos ao topo da cabeça e o nariz voltado para as nuvens. Entretanto, dessa vez, ambas decidiram seguir o roteiro de todos os outros domingos em que estavam juntas: nada além de andar em silêncio até que encontrassem um ponto do castelo para dizerem adeus pelo resto do dia. Elas pareciam ter decidido sinuosamente que esta era uma opção melhor do que discutir uma com a outra.
De qualquer maneira, mesmo que Anna Bolgart houvesse falado qualquer coisa que fosse, Sienna não escutou. Sua mente expressava pensamentos altos demais para ouvir o mundo afora.
Ela não conseguia se esquecer de tudo o que ocorreu naquela semana e isso a afastou por dias. Não conseguia ficar na companhia de alguém enquanto tudo o que fazia era pensar sobre sumir do mundo.
Mas, dentro de alguns dias, começou a notar as consequências de ficar sempre sozinha.
Quando não possuía ninguém para suprir o vazio que brotava à sua volta, para elogiar o clima ou para rir de lembranças bobas, seus pensamentos ficavam ainda mais altos do que o normal. E, às vezes, quando estavam altos demais para aguentar, esses pensamentos invadiam seu corpo e tomavam conta de seu peito, de seus braços e pernas e de sua garganta. Era como se ela fosse incapaz de respirar.
Isso não acontecia há um bom tempo. Mas, depois do acidente de Gabrielle, essa sensação voltou.
E então, ela decidiu que estava na hora de fugir desses problemas.
— Sienna? — Klaus voltava da floresta para os campos dos estábulos, montado em seu cavalo, quando deparou-se com a prima aproximando-se dali. Ele brecou com o animal bem em frente a ela, mas a garota não demonstrou medo algum. — Há quanto tempo não a vejo!
Senhorita Bolgart sorriu, em paz, e aproximou-se mais do rapaz.
— Como vai, Cristos? — exprimiu num tom carinhoso, enquanto acariciava o focinho marrom do cavalo. Depois, levantou seu olhar para Klaus. — Ele está mais forte. Tem cuidado bem dele.
O príncipe desceu de sua montaria e encarou a prima com um olhar curioso. Por que ela estava ali? Era o que, provavelmente, pensava.
— Ele é quem faz todo o trabalho. — O rapaz apontou para o animal com o olhar. — Eu apenas ajudo.
A princesa suspirou com a resposta.
— Bem, tenho certeza de que meu pai ficaria orgulhoso. Independentemente de quem faz todo o trabalho.
Klaus voltou a fitar o semblante estranho no rosto de Sienna. Havia algo de diferente nela.
— Imagino que esteja cansado — ela comentou, desviando o olhar dele e fingindo que observava algo muito mais interessante no gramado ao seu redor.
— Não estou — respondeu ele, num tom educado. — Precisa que eu faça algo?
— Não preciso de nenhum favor. — A ruiva umedeceu os lábios. — Apenas gostaria de saber se... aceitaria dar mais uma volta a cavalo pelos arredores do castelo. Se não houver nada de mais importante para fazer.
Klaus franziu o cenho e um meio sorriso abriu-se lentamente em sua bochecha. Havia muito tempo – meses, talvez – desde que Sienna não o convidava para fazerem algo juntos, por livre e espontânea vontade.
— Aceito — disse, tentando conter sua animosidade repentina. — Mas apenas se aceitar ir com o Lúpito, desta vez.
A princesa revirou os olhos, mas não pôde esconder o sorriso que o rapaz provocava em seu rosto.
— Já está convencendo-me a mudar de ideia.
Eles correram em silêncio pelos campos mais próximos do castelo por cerca de dez minutos.
E foram belíssimos dez minutos.
O trotar dos cavalos em grande velocidade fazia barulhos altos demais para que os dois pudessem conversar em paz e, além disso, a montaria da princesa não permitia que seus pensamentos funcionassem direito. Lúpito era o mais desastrado de todos em corridas.
Sienna havia ganhado ele de seu pai em seu aniversário de 7 anos. Na época, Lúpito era apenas um potro de pelugem de fogo, exatamente como os cabelos e a idade da princesa. Apenas dois filhotes que se conheceram, de repente. Os dois cresceram juntos, feito almas lincadas uma à outra, e Sienna estava sempre ao lado do pequeno, assim como rei George era com Cristos. Por vezes, enquanto estavam caminhando por aí ou cuidando de suas tarefas, o pai dizia a ela que os animais revelavam tudo o que se precisava saber sobre humanidade.
Senhorita Bolgart não teve muitas relações verdadeiras com outros seres vivos – fossem eles humanos ou não –, mas Lúpito foi seu melhor amigo durante boa parte de sua infância.
Ao menos, até o dia em que seu pai morreu e tudo na vida da garota mudou.
Quando eles desaceleraram, Klaus voltou a olhar para as feições da prima. Parecia adivinhar que ela estava pensando sobre aquilo. Sienna fitava o caminho à sua frente como se estivesse com a mente longe dali. Como se o primo fosse apenas uma miragem ao seu redor.
— Trouxe-me até aqui para me matar sem deixar rastros? — ele comentou, abrindo um sorriso.
Senhorita Bolgart piscou os olhos e retomou sua respiração no mesmo momento. Ela olhou para o príncipe com um pouco surpresa e vergonha misturadas. Depois, começou a rir de si mesma.
— Desculpe — exprimiu. — Estava tão longe.
Klaus ergueu as sobrancelhas.
— Pelos últimos cinco minutos ou pela última semana?
— Por Deus! — Sienna franziu o cenho. — Nem precisou pensar antes de falar! Pensei que ainda guardasse um pingo de respeito por mim.
— Nah. — O príncipe fez uma careta. — São anos de convívio, alteza.
Senhorita Bolgart ergueu outro sorriso para o ruivo. Ela gostava de como eles pareciam-se tanto um com o outro. Como se fossem irmãos. Klaus era apenas um ano e alguns meses mais velho, com os olhos um pouco mais escuros e os cabelos um pouco mais lisos do que o dela. Sua barba também estava mais cheia e cobria boa parte das pintas em suas bochechas.
Quando olhava para ele, lembrava-se de si mesma. E então, não odiava tanto o rosto cheio de sardas que via no espelho.
Seu sorriso foi dissipando-se lentamente, conforme Lúpito trotava. Ela respirou fundo.
— Estava pensando... — disse, contendo-se no mesmo momento.
— No que estava pensando? — ele perguntou.
Sienna mordeu o lábio.
— Estava pensando sobre a saudade. — Ela ergueu o olhar, fitando o topo das árvores e o vento balançando as folhas, lá em cima. — Não é um pouco assustador?
— O que tem de assustador na saudade? — Klaus a fitou, curioso.
— A forma como nossa memória tenta nos salvar do agora — a ruiva respondeu, como se as palavras estivessem prontas para sair de sua garganta há tempos. — A romantização de um momento que, talvez, nem tenha sido tão bom quanto parece. E depois, a martirização por não poder voltar para esse momento.
O príncipe ficou em silêncio, olhando para a grama enquanto a prima falava. Ele sabia que ela estava tentando colocar algo íntimo para fora.
— Por que nunca estamos satisfeitos com o agora? E por que sentiremos saudades desses momentos de insatisfação, no futuro? Não é assustador, pensar que nunca estarei satisfeita? — Ela engoliu em seco. Seus olhos estavam enchendo-se de lágrimas amontoadas, mas que não conseguiam escapar para fora. — Não faz sentido. Não faz sentido algum.
Depois disso, Sienna calou-se. Ela segurou as rédeas de Lúpito com uma das mãos e esfregou o rosto com a outra. Mesmo que suas bochechas estivessem completamente secas, precisava, ao menos, sentir-se em sua própria pele.
Klaus respirou fundo, pensativo. Não deixava de considerar as palavras da garota como verdadeiras. De certa forma, elas aplicavam-se a si. Mas, por algum motivo, olhando de longe, qualquer cenário parecia muito mais simples do que realmente era.
— Se sente saudades de momentos que te destruíram — ele disse, apreensivo —, talvez seja porque acredita que merece passar por esses momentos, de novo.
A princesa franziu o cenho, incomodada.
— Como faço para parar com isso? — exprimiu ela. Sua voz saía trêmula e dolorida. — Como faço para saber o que é bom? O que é ruim? Como faço para saber a diferença entre os dois?
— Apenas... Aprenda a dar valor ao que é. Ao que merece. — respondeu Klaus, como se fosse algo claro. — E, também... não prenda-se tanto ao passado. Há muitas coisas, muitas pessoas, no presente. Inclusive você. Por que escolheria viver no passado, se está no presente?
A ruiva engoliu em seco.
— Porque o passado parece muito mais seguro do que o presente.
— Mais seguro ou mais confortável? — O príncipe ergueu uma sobrancelha. — Existe uma diferença entre esses dois, também.
Sienna demorou para assimilar as palavras e para responder ao primo. Mas, pela primeira vez naquela semana, não sentiu o coração disparar ao pensar sobre si mesma e sobre seus receios. E aquilo a fez sentir-se bem.
Depois de alguns segundos, ela fez que sim com a cabeça.
— Klaus — chamou.
— Sim? — O cavalheiro olhou para ela. Mas ela não devolveu o olhar.
— Peço desculpas por tê-lo afastado de Gabrielle — disse, com o peso da vergonha encrustado em sua voz. — E por ter trazido Conde Gustavh para o castelo.
Klaus suspirou, logo ao lado. Mas a princesa era incapaz de ver sua face, de saber o que sentia e o que pensava. E estava com medo de saber o que diria.
— Já faz tanto tempo — ele comentou, sem responder ao pedido de desculpas. — Por que só agora?
Ela pensou em uma resposta. Pensou sobre o porquê de querer perdoar-se, subitamente. Por que, só agora, isso importava. E a resposta estava, de repente, tão óbvia.
— Acho que eu mudei — disse, sussurrando, como se fosse um grande segredo. — Acho que me importo mais com as pessoas, agora.
Klaus fez que não com a cabeça.
— Que besteira! — ele exclamou.
Sienna assustou-se tanto que obrigou-se a olhar para ele, dessa vez.
— O que...?
— Disse que é uma besteira, isso o que está dizendo — repetiu ele, como se estivesse a dar uma bronca em sua irmã mais nova. — Não começou a importar-se com as pessoas, agora. Sempre importou-se com as pessoas. E eu não a culpo por nada do que houve entre mim e Gabrielle. Fique tranquila, Zi.
A princesa arregalou os olhos, surpresa. Klaus não a chamava de Zi há anos. Era um apelido de infância que nunca mais havia voltado. Daqueles que as crianças usavam em suas brincadeiras e que as pessoas costumavam considerar como bobeira quando cresciam.
Mas não para eles.
— Obrigada, — ela disse, com a voz ainda trêmula — Lau.
Ele sorriu.
— É bom nunca mais nos chamarmos desta forma — comentou, com uma risada crescendo entre suas bochechas. — Éramos péssimos com apelidos.
— Tem razão — ela concordou, sorridente.
Eles continuaram a rir por algum tempo.
Sienna pensou em dizer mais. Pensou em falar sobre o quanto o amava e o quanto escondia essas palavras. Mas desistiu, porque estava claro que ele já sabia.
A amizade entre os dois era algo inigualável. Suas formas de demonstrar o amor e o carinho eram diferente das demais. Não havia declarações possíveis no mundo que as substituíssem. Klaus havia aberto os seus olhos, Sienna havia se desculpado. Era assim que eles agiam um com o outro. Com atos, porque essa era a melhor forma de dizer que se amava alguém.
Em meio a tantos pensamentos acolhedores, a princesa lembrou-se de que seu primo não era a única pessoa para quem precisava pedir desculpas. De repente, seu corpo se ouriçou por completo.
— Klaus! Precisamos voltar — ela exprimiu subitamente, com uma animosidade rara de se ver em seu rosto. — Preciso falar com uma pessoa. Urgentemente.
— Uau. — O sorriso do príncipe deu lugar ao queixo caído de uma expressão de surpresa. — Agora?
A ruiva fez que sim.
— O quanto antes.
— Nunca a vi tão determinada — ele comentou, com seu rosto em genuíno espanto. — Pois bem. Nos vemos no castelo, então. Quem perder terá de banhar os cavalos.
— Como quiser. — Ela sorriu, animada, e partiu com Lúpito sem esperar mais um segundo.
. . .
Sienna chegou à porta do quarto com as bochechas fervendo de ansiedade. Ela olhava para a superfície de madeira escura à sua frente e tentava inventar em sua mente maneiras de soar séria, despreocupada e singular, da forma como sempre fazia. Mas sua cabeça fervilhava em ideias e pensamentos tão mortais que parecia prestes a explodir.
Ela precisava admitir: não era capaz de lembrar-se da última vez em que se sentiu nervosa daquela forma. Talvez, há anos, apenas.
A princesa pressionou um dos punhos em seu vestido, enquanto implorava para ser capaz de levantá-los e bater à porta. Três batidas seriam o suficiente para saber se ela estava lá. Apenas isso, três batidas. Pelas quais a ruiva parecia derreter em lava ardente no vulcão mais próximo do centro da terra.
— Vamos lá, Zi — murmurou para si mesma, com aquele apelido que sabia que lhe daria forças, enquanto sentia suas pernas chacoalharem debaixo da saia. — A senhorita é uma princesa, por Deus. Nervosismo não deveria ser uma palavra existente em seu sistema.
Um lento suspiro ecoou por seus lábios e esquentou a madeira à sua frente, de tão perto que estava da mesma.
— Talvez... — pensou alto. Talvez, pudesse voltar no dia seguinte. Isso. Já estava tarde para uma conversa. Amanhã seria melhor, afinal. Ou depois de amanhã, também, caso estivesse livre.
Pelos recantos do corredor já escurecido, meia dúzia de jovens apareceram, rindo alto e cochichando baixo. Sienna as observou pelo canto do olho e mordeu os lábios de aflição. Os corredores estavam vazios e silenciosos. Se elas a notassem ali...
— Senhorita princesa! — gritou uma das adolescentes, em total histeria. Sienna fez uma careta, ainda de costas para todas.
— Vossa Alteza — bravejou outra, corrigindo a anterior.
A ruiva respirou fundo e performou o melhor sorriso sereno que pôde. Já estava acostumada com aquilo. Quando virou-se, as meninas apenas lhe fizeram reverências e foram embora no mesmo segundo.
Era sempre dessa forma. Um Vossa Alteza proferido de maneira vazia e meramente respeitosa e, algumas semanas depois, o castelo inteiro estava comentando sobre o que a princesa estava fazendo nos quartos de um desconhecido. Era o que os residentes precisavam para sobreviver ao tédio diário.
— Vossa Alteza... — ela bufou para si mesma em desdém, balançando a cabeça. — ...Esse título ainda há de me matar por dentro.
No momento em que voltou a se concentrar em seus objetivos, percebeu que havia perdido toda a coragem e vontade que tinha acumulado para resolver aquele assunto. Seria estranho demais aparecer nos aposentos de alguém, em hora tão inesperada e até mesmo inoportuna, para falar sobre algo que, talvez, nem aflija os pensamentos da outra pessoa.
Com isso, decidiu sumir daquele lugar. Não deveria dar ainda mais chances de criar fofocas pelo castelo. Além disso, teria o resto dos dias para resolver aquilo. O que significava que dar meia-volta e caminhar para longe dali não parecia uma ideia tão covarde.
No entanto, no exato momento em que deu seu primeiro passo para virar-se ao corredor, a porta se abriu.
Margareth apareceu, com seu rosto limpo iluminando os olhos azuis, cabelos já soltos e um casaco por cima de sua camisola. Vestia-se como uma nobre. Estava linda. Mas devidamente surpresa.
O rosto e corpo de Sienna paralisou no mesmo segundo. Ela encarava a confusão de Marga com os olhos arregalados e a arcada dentária trêmula.
— Vossa Alteza — a dama exprimiu, de forma tão cortês e fria que a princesa pôde sentir a pontada em seu próprio coração.
— Olá — ela respondeu, simplória, porque não havia nada mais que conseguisse falar naquele momento.
— Que surpresa. — Margareth cruzou os braços e fitou o chão, desconfortável.
Por alguns segundos, Sienna perdeu o olhar no rosto estranho da dama. Não porque admirava sua beleza, pois era capaz de fazer isso sem esforço algum, mas porque aquele rosto era capaz de lhe dar pesadelos à luz do dia.
Em meio ao silêncio, Marga franziu o cenho.
— Princesa? — murmurou.
Bolgart piscou algumas vezes e engoliu em seco.
— Olá, sim — gaguejou, pela primeira vez em tanto tempo e odiando a sensação que aquilo lhe trazia. Sentia-se como uma explosão de palavras inúteis e constrangedoras.
De repente, respirou fundo e resolveu pensar com mais cautela no que dizia.
— Peço desculpas pelo horário — recomeçou, de uma maneira mais cordial dessa vez. — Sei que é incomum que eu apareça por aqui. Mas precisava...gostaria... de falar com a senhorita. Se possível.
Margareth a encarou com um olhar curioso e um tanto quanto transtornado. Parecia pensar no que responder.
Sienna, enquanto isso, tentava acalmar seu próprio coração para o que quer que recebesse. Sempre foi capaz de ler os pensamentos das outras pessoas. Mas Allboire parecia uma peça única e distinta das demais. Com ela, era como se houvesse um túnel escuro e sem explicações.
Ela observou a boca de Marga se abrir três vezes antes de dar uma resposta concreta, como se pensasse em tantas diferentes formas de dizer não.
— Está bem — disse ela, com um pouco menos de frieza daquela vez, o que acalmou os ombros da princesa. — Não quer entrar?
Sienna sorriu.
— Sim, obrigada.
A dama puxou a porta para que a ruiva passasse e, assim que ambas estavam dentro de seu quarto, fechou-a delicadamente, sem fazer o menor dos barulhos.
Bolgart percebeu que Marga encarava a maçaneta, em silêncio, há tempo demais, e resolveu roubar esse tempo para observar a paisagem de Kaena escurecida através do vidro da varanda. Enquanto fazia isso, seu sorriso permaneceu um pouco no canto do rosto.
— Bem — disse Margareth, finalmente. Ambas viraram-se uma para a outra. — Sobre o que deseja conversar?
Sienna encarava o roupão avermelhado da dama. Aquele costumava ser de Gabrielle, mas servia muito melhor nela.
— Serei breve — falou, voltando a olhar para o rosto de Allboire. — Tenho noção de que nossa relação não está em condições tão boas. E temo que posso tê-la magoado por algo que disse ou fiz, sem a intenção de magoá-la.
Margareth não disse nada. Mas continuou a escutá-la, curiosa para o que mais viria.
— Tendo a defender minhas escolhas até o fim — continuou Sienna. — Até mesmo aquelas que acabam se revelando péssimas escolhas.
Marga franziu o cenho.
— O que isso significa?
— Fui eu quem trouxe Conde Gustavh para o castelo. Especificamente para cortejar Gabrielle. — A princesa suspirou. — E sim, eu já estava ciente de que Klaus sente algo por ela. Mas não podemos falar sobre isso. Não agora, que Gaby, enfim, possui a chance de conseguir um casamento de verdade. Não podemos deixar que isso se transforme em boatos.
— Não entendo — confessou a garota. — Por que Gabrielle não se casa com Klaus?
— Este assunto não cabe a mim, querida. — Sienna aproximou-se da jovem e colocou ambas as mãos em seus ombros. — O que importa é que ela está bem. E eu gostaria de me desculpar.
Margareth continuou em silêncio. Mas a princesa, de tão perto que estava, pôde jurar que viu seus olhos abrindo um sorriso de curiosidade.
— Perdoe-me por ter agido de maneira tão desprezível — continuou ela, enxotando a frase que tanto pedia para sair. — Por ter ignorado seus pensamentos, te chamado de louca e fingido que nada estava acontecendo. Apenas queria proteger Gabrielle. Mas, em vez disso, a tratei mal.
A dama umedeceu os lábios, contendo um sorriso que parecia disposto a sair.
— Eu realmente estive um pouco paranoica — disse. — Não estava tão errada assim ao tentar me impedir de agir daquela maneira.
Sienna desceu suas mãos para as de Marga e soltou uma risadinha involuntária. Ela imaginou que aquele fosse o jeito da morena de dizer "Eu aceito suas desculpas".
— Preciso contar algo importante — anunciou a princesa, de repente.
A ruiva puxou as mãos quentes da garota e a levou para se sentar ao pé da cama.
— Jura? — indagou Margareth, sem expressar incômodo algum com o puxão. — O que mais precisa contar?
— Bem... — A princesa respirou fundo. — Estive adiando para lhe contar isso...
Allboire encarou a ruiva nos olhos, com o rosto franzido e as costas eretas, esperando por uma resposta.
— Daqui a poucos dias, teremos uma viagem marcada para o palácio do Reino Gálago. Em Irbena.
O rosto de Margareth ficou nulo por alguns segundos. Ela não parecia ter reação alguma ao que a princesa havia acabado de contar. Ao passo que Sienna não era capaz de saber se aquilo era bom ou ruim. Tudo o que sentia era seu coração, de repente, batendo mais forte.
— O que acha? — perguntou a ruiva, chegando a gaguejar.
— Eu... — Marga engoliu em seco, em total estado de choque. — Eu... Isso é... Isso é maravilhoso! — A dama explodiu em sorrisos, abraçando a princesa sem nem pensar. — Isso é maravilhoso! Vamos para Irbena!
— Sim, iremos! — concordou Sienna, tentando forçar seu riso a sair. — Sinto muito por ter demorado para contar. Eu... — Ela hesitou, desfazendo o rosto alegre. — Eu estava com um pouco de medo.
O sorriso incontrolável de Margareth abaixou levemente. Ela olhou para o rosto da princesa como se ele fosse as joias mais curiosas que já vira.
— Por que estava com medo?
— Bem... — Sienna hesitou novamente. Como poderia dizer o real motivo de seu medo? Como poderia estragar um dos prováveis últimos momentos que teria com sua dama? Ela não seria capaz de fazer isso. — Porque foi bom tê-la como minha dama, durante esse tempo. Mesmo que tenha sido tão pouco. Ficarei triste em perdê-la, mas feliz por vê-la voltar para casa.
Diante da frase, Margareth soltou suas mãos das de Sienna e respirou fundo em desconforto. Parecia pensar em algo mais.
A princesa a observou, em silêncio, à espera de que ela pudesse mudar de ideia, agora que sabia que sua presença ali era importante para alguém. Esperou que ela dissesse que gostava de estar no castelo, que gostava da companhia de senhorita Bolgart, de senhorita Vincent e, até mesmo, de Anastácia. Esperava que qualquer coisa a fizesse ficar. Simples assim.
Mas, em vez disso, a dama apenas fitou o chão com o olhar melancólico e murmurou bem baixinho:
— Então... não estarei mais por aqui.
— Se for o que deseja — acrescentou rapidamente a princesa. Marga olhou para ela em silêncio, confusa. — Imagino que seja...
A dama umedeceu os lábios e recolocou-se sobre a cama, virando-se de frente para Sienna e reentregando suas mãos às dela.
— Sendo assim... — Ela respirou fundo. — Também preciso lhe contar algumas coisas.
...
— Sua mentirosa de merda! — Sienna abriu as portas dos aposentos de Gabrielle num só impulso e as fechou com força no mesmo segundo.
A dama, que antes lia um livro em meio ao silêncio, deu um pulo em cima da própria cama. Seus olhos arregalados para a figura irada em sua frente.
— Sienna! — ela exclamou, assustada. — O que houve?
— Você mentiu! — a princesa gritou. — Foi o que houve!
Gabrielle recolocou-se sentada sobre o colchão.
— Do que está falando?
— Não se faça de desentendida, Gabrielle. — Sienna cerrou os punhos, com os lábios trêmulos.
A dama levantou-se da cama com dificuldade, tentando aproximar-se da amiga para acalmá-la.
— Não tente — sibilou a princesa. Gaby parou no mesmo momento, assustada. Sienna engoliu em seco e respirou fundo, com os olhos marejados. — Margareth sabe de tudo, não é?
— O que? Não! — respondeu Vincent imediatamente, com os olhos assustados.
— Pare de mentir! — A ruiva engoliu em seco. — Ela me contou sobre o que aconteceu quando fomos à cidade. Sobre o livro de Irbena. Sobre o Casarão Azul. Sobre você estar estranha, ultimamente.
Gaby franziu o cenho, de queixo caído.
— Aquela ratinha linguaruda... — murmurou entre os dentes.
— Não a ataque — rebateu a princesa, com a voz dura e magoada. — Ela apenas fez o que você não soube fazer. Foi honesta.
— Sienna... — A dama mantinha as mãos elevadas. — Acredite em mim. Margareth não sabe de nada.
— É claro que sabe, Gabrielle! Ela viu tudo. Não entende?
— Sim, ela viu. Mas não poderia ter assimilado coisa alguma!
Sienna fez uma careta. Ela não chorava, mas seu rosto estava avermelhado.
— Por que fez isso? — indagou, com raiva e tristeza misturadas. — Por que não me contou quando teve a chance?
Gabrielle bufou, irritada.
— Por que mais, Sienna? — Ela fitou o rosto confuso da princesa, impaciente. — Se eu contasse, a primeira coisa que faria seria arranjar uma forma de se livrar dela. De expulsá-la do castelo. Já fez isso outras vezes.
— Pela sua segurança.
— É. Mas Margareth é diferente para você, não é? — Gaby ficou em silêncio, esperando por uma resposta. Não recebeu nada além de um olhar duro. — Não queria ser o motivo de ter de mandá-la embora. Então, fiz o que fiz. Talvez tenha sido errado. Mas ela não contou para ninguém, além de você. Não a mande embora por ter se preocupado.
Sienna cruzou os braços e revirou os olhos para o chão. Sua ira parecia ter desaparecido, mas ainda estava magoada.
— Bom, é tarde demais — disse ela, amarga. — Margareth decidiu que voltará para Irbena em nossa próxima viagem.
A morena franziu o cenho.
— Está falando sério? — indagou. A princesa apenas fez que sim, sem vontade de confirmar algo assim em voz alta. — Não acredito. Sinto muito, Sienna.
— Não sinta — ela rebateu, simplória. — Na verdade, não precisa dizer coisa alguma.
Gabrielle a encarou em silêncio. Seu corpo estava curvado, e não era apenas por conta da fraqueza.
— Não virá para a viagem conosco. — afirmou a princesa. — Nós iremos sozinhas. — Gaby abriu a boca para falar, porém desistiu no mesmo momento. — Aproveite sua estadia.
Após dizer isso, Bolgart retirou-se do quarto e bateu as portas ao sair. E Gabrielle também não se preocupou em contestar o que havia sido decidido por ela.
Ela sabia que, no fundo de todo aquele ódio, Sienna apenas estava reagindo à dor que sentia.
Oi, precioses! Como vocês estão?
Peço mil desculpas pela enrolação pra trazer esse capítulo, ao mesmo tempo em que queria agradecer por termos chegado aos mil votos nessa história! Eu fico feliz que vocês estejam gostando do que escrevo, mesmo que eu demore séculos pra atualizar, às vezes.
Tem sido dias difíceis, mas trazer esses capítulos pra cá é algo que me anima demais. Ver o feedback de vocês e de amigos meus que também leem é incrível. Obrigada, mesmo <3
E pra quem tava com saudade de uma perguntinha... o que vocês acham que vai rolar nessa viagem, hein?
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