21: sobre a paixão e o medo

As meninas invadiram a sala em que Gabrielle estava de supetão, de forma que nenhum dos guardas foi capaz de impedir aquela onda estranha e gigantesca de donzelas desesperadas por sua amiga.

Diante da entrada inesperada, a dama apenas riu, com o coração acelerado e, agora, um pouco mais aquecido.

— Gaby! — Anastácia, Vivian e Julie bradaram ao captar o rosto de Vincent sobre a cama. Margareth não disse nada, mas encontrava-se no mesmo estado de êxtase que as demais e correu junto das três até a cama de descanso da dama.

Gabrielle rapidamente sentou-se sobre o colchão, carregando entre as bochechas fracas e pálidas um sorriso incontrolável. Antes que pudesse raciocinar, as garotas já pegavam em suas mãos e acariciavam seus cabelos, todas alegres.

— Oh, Deus — bradou ela. — Não imaginei que estariam aqui tão rápido!

— O que está dizendo? — Anastácia franziu o cenho, consternada. — Não deixaríamos de vir por nada neste mundo!

— É! — Julie, pela primeira vez, concordava com os exageros de Sinclair. — Queríamos ser a primeira visão que tivesse ao acordar!

— O primeiro "olá" que pudesse dar! — acrescentou Ana, empenhada.

— Sim! — concordou Julie, mais uma vez. — É claro que, infelizmente, não conseguimos ser nenhum dos dois. Não nos deixaram entrar até que estivesse recuperada. Mas ainda estamos aqui!

— E não sairemos por nada neste mundo, Gaby — a loira voltou a declarar. — Falo sério, nem tentem tirar-me daqui! A menos que puxem-me à força, ficarei neste quarto até que melhore por completo!

— E esteja dito! — finalizou Solaire.

Gabrielle não pôde conter sua risada diante das expressões animadas das amigas. Por dentro, ela agradeceu por tê-las ali naquele momento, com suas falas orgulhosamente infantis e seus humores estonteantes. Foram o que lhe impediram de desesperar-se ao lembrar-se do que realmente ocorreu na noite em que fora atacada.

— Como foram esses dias, Gaby? — indagou Vivian, com a face mais séria do que as outras duas. — Realmente esteve desacordada por tanto tempo?

Gabrielle abriu a boca para responder à questão, mas foi bombardeada com inúmeras outras perguntas no mesmo instante:

— Deus, é verdade! Conseguia ouvir o que as pessoas à sua volta falavam? — disse Ana.

— Oh! Como fez para não morrer de fome? — falou Julie.

— Realmente sonhou por quatro dias consecutivos? — acrescentou Ana. — E se fossem pesadelos? Teve pesadelos por quatro dias consecutivos?!

E assim foi. Elas teriam continuado, mas Margareth, que ouvia-as benignamente, interveio.

— Meninas! — bradou. — Deem tempo para senhorita Vincent responder às perguntas.

As donzelas acalmaram-se e calaram-se no mesmo momento. Anastácia chegou a desculpar-se, mas Gaby não pareceu ouvir. A voz de Allboire colocou-a fora de órbita. Ela, de repente, pareceu notar com mais concisão a presença de Marga por ali. Seu sorriso tornou-se suave e encarou a colega de trabalho com um olhar muito mais profundo do que aquele que dava às outras três.

— Margareth — pronunciou o nome com os lábios leves. — Esteve cuidando dessas pestinhas enquanto estive fora?

— Posso dizer que sim — respondeu ela, devolvendo-lhe o sorriso. — Apenas enquanto esteve fora. Agora, elas são todas suas.

Ambas olharam-se com gratidão por um longo momento. Naquele instante, Gabrielle teve a certeza de que as meninas teriam alguém para acolhê-las, caso algo de ruim acontecesse consigo. Era quase como se sentisse que, no futuro, estaria longe, muito longe dali.

— Do que estão falando? — interrompeu Anastácia, confusa. — Gaby, não responderá às perguntas?

A dama piscou os olhos instantaneamente, acordando de seu próprio transe no mesmo momento, e fitou as três garotas, que encaravam-na com atenção à espera de uma resposta.

— Oh, sim, é claro — balbuciou ela. — Bom, sim. Estive desacordada por alguns dias, pelo que disseram-me. Mas não senti como se assim fosse.

— O que isso quer dizer? — Vivian indagou.

— Bem... — Gabrielle respirou fundo. — Era como se estivesse acordada. Conseguia escutar tudo e, por vezes, enxergar, também. Meus olhos não estavam inteiramente fechados e minha mente não estava inteiramente desligada. Acredito que tenha sido por conta do trauma.

— O trauma? — dessa vez, foi Margareth quem interrogou, curiosa quanto aos acontecimentos daquela noite.

— Exato — afirmou. — Era como se o trauma impedisse-me de acordar. Ele segurava minhas pálpebras e fechava minha boca. Mas, no fundo, tudo o que desejava era abrir os olhos e gritar. E foi isso o que fiz quando acordei, eu gritei. Foi assim que entraram em meu quarto, aliás. Kla... Digo, os guardas escutaram meus gritos do lado de fora.

Anastácia, enquanto ouvia a história, arregalava os olhos para a mais velha. A preocupação em seu rosto era mais forte do que nas outras meninas.

— Ah, Gaby... — ela murmurou, com a voz trêmula. — Deve ter sido difícil.

— Não tanto quanto foi acordar, minha querida — respondeu a donzela, com um sorriso melancólico. — Não se preocupe, Ana. Está tudo bem, agora. Logo, poderei sair deste quarto e voltar à rotina de sempre.

— Ah, não vejo a hora — desabafou Margareth, sem conseguir evitar pensar em Sienna. — Sou uma péssima dama de companhia quando estou sozinha. Precisa voltar e ajudar-me o quanto antes, ou não sobreviverei por muito tempo!

O pedido provocou risadas em todas, até mesmo em Marga, mesmo que tardiamente.

Elas continuaram conversando. Por cada canto, o som estridente da voz das meninas ecoou por todo o quarto vazio. E soou como lar aos ouvidos de quem sabia escutar apropriadamente.

...

Depois de um tempo, Margareth decidiu deixar as meninas sozinhas no quarto. Ela havia gostado de rir junto às três, mas interações sociais ainda era uma tarefa que lhe cansava. E, de qualquer forma, imaginou que elas estivessem a fim de ficarem a sós, por um tempo.

Quando saiu ao corredor e foi de encontro às luzes fortes do dia, Marga reprimiu os olhos no mesmo momento, em choque com a claridade.

— Oh, Margareth! Então está aí! — uma voz carregada de ansiedade lhe chamou.

Ela esfregou as pálpebras mais algumas vezes antes de voltar a enxergar o que ocorria à sua volta e notar a presença de Klaus Bolgart bem à sua frente.

— Ah, Klaus... — Ela o cumprimentou com um aceno de cabeça, desanimada. — Como está?

— Bem — gaguejou o príncipe. — E a senhorita?

— Estou bem.

— Oh, sim. Que bom.

Margareth ficou calada, esperando que o amigo dissesse algo a mais. Talvez, o motivo para sua ansiedade inesperada em vê-la. Mas ele apenas a encarava, inquieto, mordendo os lábios e tremendo a perna.

— Está tudo bem, mesmo? — ela voltou a perguntar. — Parece nervoso.

— Nervoso? — O príncipe riu. — Não. Está tudo bem.

— Certo. Está tudo bem, então.

— Está, sim.

A menina assentiu com a cabeça, um pouco contrariada.

— Nos vemos mais tarde, então — murmurou, num sorriso forçado.

Ela virou-se para ir embora, mas a mão do príncipe alcançou seu antebraço. Aquilo a fez ter vontade de sorrir, pois lembrou-se de Sienna e de como a mesma agarrara a pele de seu braço com muito mais rigidez do que ele. Mas ela segurou a vontade de suas bochechas e voltou a olhar para o rapaz.

— Espere, Margareth — Klaus balbuciou, inseguro.

— Sim?

Allboire mirava seus olhos azuis bem no fundo da alma do príncipe, em expectativa. Isso pareceu deixá-lo ainda mais envergonhado e hesitou por alguns segundos antes de dizer o que queria.

— Você estava no quarto de senhorita Vincent — lembrou ele, como se fosse algo casual que a mesma já houvesse se esquecido. — Como ela está?

Margareth franziu o cenho ao ponto de suas sobrancelhas quase se encostarem. Então era isso? Pensou ela. Ele está apaixonado por Gabrielle?

Era mais do que claro que estava. Quando percebia o modo como ele a olhava, como falava dela e a maneira com a qual segurava suas mãos no dia em que Gaby voltara de sua viagem, tudo ficava muito claro. Klaus era apaixonado por Gabrielle. Não havia dúvidas. E ter essa realização em questão de segundos trouxe a Margareth um mal-estar misterioso.

— Bem — foi tudo o que respondeu, pois não poderia repetir seus pensamentos em voz alta. — Ela está bem. Por que não a visita? Não estarão sozinhos. De LaCruise, Sinclair e Solaire estão lá, também.

— Ah — murmurou Bolgart, sem graça. Marga continuava com o mal-estar. Ele não percebia, pois estava tão mal quanto a garota. — Agradeço, verdadeiramente. Mas não posso.

— Por que não poderia?

— Gustavh — afirmou o príncipe, didático. — Creio que o conde não ficaria feliz com minha visita.

Margareth o olhou com pena. Não queria, mas era incapaz de evitar. Ele era como um espelho dela mesma.

— Não deveria ser desta forma. — A menina engoliu em seco, entristecida.

— Creio que seja a única forma possível — disse Klaus, com um sorriso estranho no rosto. Estava claro que ele escondia seu sofrimento. — E está tudo bem. Apenas gostaria de saber como senhorita Vincent estava. Faria o mesmo por qualquer outra pessoa.

— Sim — ela concordou, com a mente bem longe dali. Seus pensamentos reverberavam na noite em que ela e a princesa encontraram Gabrielle e Gustavh. E, mesmo que a contragosto, buscava algo para incriminá-lo. Afinal, fazia total sentido que o conde fosse o culpado. Por que teria seguido Gaby por um bosque escuro sem avisá-la de que estava por ali, se não carregasse más intenções?

— Preciso ir — anunciou o príncipe. — Peço que não conte a ninguém sobre esta conversa, certo? Sabe como são os corredores deste castelo.

Margareth voltou a fitá-lo, com o mesmo tom de pena de antes. Ele a olhava feliz, com o rosto calmo, como se nada houvesse acontecido. Era o que Sienna fazia, também. Parecia um padrão para os Bolgarts.

— Está certo — disse ela. — Não contarei.

...

— Fico contente que Gabrielle esteja melhor para receber visitas — comentou senhorita Bolgart, sentando-se no sofá de seu quarto. Ela possuía um semblante calmo e estranho naquele dia, ignorando toda a seriedade à sua volta. — Poderia pegar aquele livro sobre a estante, por favor?

Depois da conversa que teve com Klaus, Margareth havia ido até os seus aposentos.

Sabia que era tarde demais, talvez, para fazer qualquer investigação sobre aquela noite. Mas, depois do ocorrido do lago e de tantos dias terem se passado sem trocarem mais do que cinco palavras, ela possuía a necessidade flamejante de falar com Sienna. Como se seu peito houvesse tomado conta de sua consciência e a houvesse puxado até que parasse na porta daquele quarto.

A dama pegou o livro da estante com ambas as mãos, apertou-os, como se precisasse ter certeza de que eles existiam, e caminhou com receio até a ruiva.

— Aqui está — murmurou, conforme o passava até ela. Sua voz saiu bem mais baixa do que o normal.

— Obrigada. — A princesa a fitou com um quê de curiosidade, com a boca entreaberta e a sobrancelha arqueada. — Está tudo bem?

Margareth engoliu em seco. Ela havia percebido o quanto o olhar de senhorita Bolgart para consigo havia mudado desde que a conheceu. Naquele momento, ela podia afirmar com quase certeza que seu rosto escondia alguns traços de ternura. Uma preocupação que Marga não estava preparada para notar que existia.

— Para falar a verdade, não — confessou, logo de vez. E assustou-se com a súbita sinceridade.

Sienna ficou perdida por um instante. Também não esperava uma resposta tão clara vinda de Allboire. Um segundo depois, ela desistiu de abrir o livro e o colocou ao lado, no espaço que sobrava em seu assento.

— Bem — balbuciou, sem jeito —, o que houve?

Margareth virou-se de costas para a ruiva, mordendo o lábio com força. Depois, respirou fundo e sentou-se no sofá que ficava de frente para o dela. Aproximou-se algumas vezes da ruiva, na mesma quantidade que afastou-se, e ficou recolocando-se até encontrar uma posição agradável.

Ela não sabia como começar. O que falar. O incidente de Gabrielle ou o dia no lago? Ambos poderiam causar uma reação indesejada na princesa, mas algo dizia-lhe que, se falasse o que realmente pensava sobre o ocorrido no lago, seria convidada a retirar-se dali antes mesmo de finalizar.

Decidiu ir pela melhor opção:

— Não costuma observar ao seu redor?

Sienna franziu o cenho e abriu um sorriso involuntário, visivelmente confusa com a pergunta.

— Acredito que sim — afirmou, lentamente, com incerteza. — O que quer dizer?

— Digo... — Marga respirou fundo. — Não observa nada de estranho? Nas pessoas? No castelo?

— Mas é claro! Há sempre pessoas estranhas pelo castelo — pontuou a princesa, divertindo-se. — Já deixei de surpreender-me com isto há anos.

— Não — insistiu Allboire. — Não é disso que falo.

— Bem, então... do que é que fala?

— De coisas e pessoas estranhas de verdade — explicou a dama, com o olhar sério. — Não achou estranho o que ocorreu com senhorita Vincent? Não acha estranho a explicação que deram? Sinto que algo de errado está...

— Margareth — Sienna interrompeu, endurecendo um pouco mais a voz. — Por que resolveu pensar sobre esse assunto, de repente? Há tantas coisas mais interessantes para se pensar!

A dama a fitou, preocupada. Senhorita Bolgart tinha algo diferente no rosto. Entregava-lhe um sorriso passivo-agressivo, como se quisesse mudar de assunto o quanto antes e pudesse pular sobre a morena, caso a mesma não calasse a boca. Mas ela continuou.

— O que está dizendo? — indagou, desacreditada. — A senhorita é quem mais pensaria sobre isso. É quem mais procuraria pela verdade. Vai me dizer que não achou esquisito o fato de Conde Gustavh segui-la por um bosque, no meio da noite?

— Gostaria de saber aonde deseja chegar com isto. — Sienna arqueou uma sobrancelha hostil para a mais nova. — Espero que não esteja insinuando que Gustavh possui culpa em algo. Sabe bem que isso lhe traria problemas sérios, não sabe?

— Sienna — gaguejou Marga, hesitante. — Precisa me escutar. E se Gabrielle estiver em perigo? Não gostaria de protegê-la?

— Tenho certeza de que já sei tudo o que deveria saber sobre minha dama de companhia — a voz da ruiva, agora, estava dura e ameaçadora, sem um pingo da ternura de antes. — Suas conversas e teorias de conspiração estão me cansando, por hoje, Margareth.

— Sério? Por que sempre acha que sabe mais do que todos ao seu redor? — a morena reclamou, irritada. Estava farta de ter suas visões desacreditadas e ignoradas pela princesa. — Gosta de fazer isso, não é? A senhorita, ao menos, sabia que ela e Klaus estão apaixonados um pelo outro?

Margareth levou as mãos de encontro à boca no mesmo momento em que ouviu aquilo saindo de si. O tempo pareceu parar para si e quebrar-se em quinhentos pedaços. Mesmo que acreditasse que a princesa já soubesse daquilo, havia dito a Klaus que não havia de contar a ninguém. E é claro que senhorita Bolgart diria a ele de quem ouviu tais conversas.

Sienna levantou-se do sofá, em silêncio e em choque. Seus olhos castanhos estavam arregalados e insanos e sua boca avermelhada tremia.

Marga pensou em dizer algo, em afirmar que era apenas mentira, que estava enraivecida, mas a princesa não lhe deu espaço para isso. Seus cabelos de fogo desfizeram-se do coque que pendia sobre o alto da cabeça e ela não importou-se. Apenas pisou furiosamente para fora dali, deixando a dama sozinha no quarto que não lhe pertencia.

. . .

Sienna retirou-se de lá com determinação nos olhos. Algo havia a machucado e ela caminhava rápido e alterada, em busca do fim desta dor. Foi difícil encontrá-la.

Ninguém ousou atrapalhá-la em seu caminho. Assemelhava-se a uma tempestade que corria violentamente pelo castelo. Passou pelos guardas sem nada falar e abriu a porta do quarto à sua frente sem ao menos pedir licença. Era o quarto de Gabrielle.

Ela olhou para dentro e parou, mantendo a porta aberta com uma das mãos. As amigas da dama ainda estavam por lá, como disseram que fariam, mas seus sorrisos desapareceram quando observaram a face entornada em seriedade da princesa.

— Vossa Alteza — as três mais jovens não demoraram para dizer. Levantaram-se no mesmo momento e curvaram-se à ruiva.

Sienna manteve a expressão endurecida. Encarou Anastácia por alguns segundos. Sua cabeça voltada ao chão e suas longas tranças loiras atrapalhavam sua vista, mas ela era capaz de reconhecê-la. A jovem que convidou Margareth para um jantar.

— Gostaria de ter uma conversa com senhorita Vincent — afirmou, enxotando seus pensamentos para longe e voltando a olhar para a garota na cama. — Peço que retirem-se do quarto. Não durará mais do que dez minutos.

As meninas não possuíam escolha. Fizeram que sim, entristecidas, e saíram dali em fila, com os pés arrastando-se pelo chão. Mas Bolgart continuou em silêncio por mais um pouco. Esperou todas chegarem ao final do corredor para fechar a porta e aproximar-se da amiga.

Gabrielle, enquanto isso, observava-a quieta, com um meio sorriso no rosto. Ela parecia ser a única daquele castelo que não temia nenhum dos Bolgarts e todos admiravam-na por isso.

Besteira. Ela temia um deles.

— O que houve? — a dama veio a perguntar, assim que a porta se fechou. Os olhos da princesa pousaram em si no mesmo momento, arregalados, e a ruiva começou a andar até ela, em total silêncio. — Hein? Por que está me olhando assim? Ouvi dizer que...

A dama calou-se, surpresa, pois algo súbito ocorreu. Sienna pulou sobre a amiga e congelou-a num abraço apertado, dolorido e esquisito.

— Você é estúpida — foi tudo o que a princesa conseguiu dizer, de início. Sua voz saiu trêmula e preocupada e Gaby sorriu, porque essa era uma Sienna que não via há anos. — Nunca mais faça isso, está me ouvindo?

A morena a abraçou de volta, entrelaçando suas mãos fracas sobre a costela fina da amiga.

— Apenas fui tomar um banho num rio, sua boba. Pelo que soube, resolveu fazer o mesmo num lago e não deu muito certo, não é? Anastácia contou-me que Margareth disse que...

— Falo sério. — Sienna desenlaçou-se de Gabrielle e fitou-a com os olhos avermelhados. O sorriso da dama foi amolecendo aos poucos e um olhar de pena caiu sobre seu rosto. — Sair sozinha pelo bosque? No que estava pensando?

— Me desculpe — ela fitou o colchão, envergonhada. — Precisava saber da verdade.

Sienna saiu da cama e caminhou até a mesa de chá. Observou a xícara de chá cheia e já gelada por um tempo e voltou a olhar para a mais nova.

— Achei a carta em seu vestido — disse ela, em um tom acusador. — Li o que estava escrito.

Silêncio. E a dama suspirou, de repente.

— Deveria tê-la contado.

— Estava claro que era uma armadilha! — explodiu a princesa.

— Mas já passou, não é? — A dama a fitou, esperando por uma resposta. — Não há mais o que fazer.

— Disse algo a ele?

— A quem? — Gabrielle franziu o cenho, consternada. — A Gustavh ou ao...?

A ele — repetiu Sienna. — Ao homem.

— Não. É claro que não — gemeu a dama. — Nem consegui vê-lo com clareza. Quando percebi, já me atacava. Se não fosse por Gustavh...

Ela não terminou a frase, porque sabia o que viria depois. Se não fosse por Gustavh, eu estaria morta. Era algo que vinha repetindo a si mesma pelas últimas semanas, desde que conheceu o conde. Se não fosse por Gustavh, estaria falida; se não fosse por Gustavh, teria de encontrar outro cavalheiro rico e humilde para me casar; se não fosse por Gustavh, Klaus estaria perdido. Ela precisava do conde, precisava sentir que devia algo a ele, porque só assim consideraria casar-se com ele.

Mas, daquela vez, foi diferente. Ele realmente a salvou. Independentemente de como, o conde a salvou da morte. E isso não devia fazer parte dos motivos falsos que ela criava em sua mente para ver a probabilidade de um casamento com o mesmo.

— E a Gustavh? — insinuou Sienna, com a voz fraca. Ela não havia ignorado Margareth por completo, afinal. — Não contou nada a Gustavh, contou?

Gaby a encarou com descrença. Parecia que a amiga havia ido à loucura, de repente.

— Por que parece tão paranoica? — indagou. — Não, não contei nada a ninguém. Mesmo. Por que a pergunta? Descobriu algo?

— Não. Não descobri coisa alguma. — Sienna respirou fundo, coçando os braços. — Mas Margareth...

A dama franziu o cenho.

— O que há com ela?

— Não sei — resmungou a princesa. — Apenas carrego o pressentimento de que suspeita de algo.

Gabrielle soltou uma risadinha. Para ela, era impossível que Margareth estivesse interessada nos segredos da dama. A garota possuía mais para fazer, como pesquisar sobre seus pais e sua origem, para que importasse-se com a vida de uma dama de companhia qualquer.

— Está delirando — concluiu.

— Não estou delirando — Sienna sibilou, séria. — A garota pode ser um perigo para nós.

— Está delirando, sim — afirmou Vincent. — Margareth está ocupada demais com seus próprios problemas para pensar nos nossos.

— Tem certeza? — A ruiva engoliu em seco. — E se ela viu ou ouviu algo? Sabe que nada neste lugar permanece em segredo por tanto tempo, Gaby.

— Sienna, — Gabrielle suspirou. — Margareth não sabe de nada. Acredite.

A princesa ficou em silêncio, roendo as unhas, enquanto viajava com seus pensamentos para outros mundos de preocupação.

Senhorita Vincent recolocou-se sobre a cama e estudou o rosto inquieto da amiga, enquanto parecia ponderar se devia ou não dizer o que estava preso em sua garganta.

— O que foi? — a ruiva murmurou, percebendo o olhar.

— Acredito que a senhorita esteja procurando motivos para afastá-la de nós — supôs Gabrielle, mas carregava uma irresoluta certeza na voz.

Sienna parou de roer as unhas no mesmo instante.

— E por que acredita que eu faria isso?

— Não sei — resmungou a amiga. — Talvez... Talvez, tenha medo dela.

Os olhos da princesa viraram bolas flamejantes de pavor e descrença. Ela soltou uma risada escandalosa e disse, um pouco alto demais:

A senhorita é quem está delirando, Gabrielle! Por qual motivo teria, alguém como eu, medo de Margareth?

— Sienna! — Gaby acompanhou a risada, mas por motivos diferentes. — Se agirá desta maneira, não tem o mínimo direito de dizer que eu sou estúpida.

— O que quer dizer com isto?

Bolgart continuou a observá-la enquanto ria, com um pouco de ódio e amargura misturados em seu rosto.

Ela tentava esconder isto, mas estava ansiosa para saber. Esperava nervosamente pela resposta de Gaby. Pelo motivo que a amiga parecia ter achado para seu suposto medo. Desejava saber se estava tão óbvio.

Gabrielle, por sua vez, demorou para falar. Ficou com o sorriso preso ao rosto por um bom tempo, como um espantalho sem sentimentos. Ela também esperou até o último segundo, até o momento em que Sienna deixou claro que estava irritada e que precisava daquela resposta, mais do que tudo.

— Acredito que esteja com medo dela — repetiu a amiga, com calma. — Mas mais do que isso. Está morrendo de pavor. Eu vejo você tremer toda vez que a vê, toda vez que ela fala algo, toda vez que ela vai embora... E acredito que é porque não tem a menor aptidão para agir com ela da maneira como age com o resto.

A respiração da princesa parecia desequilibrar-se conforme a dama seguia em frente com seu discurso. Os olhos ignorantes tentando espantar as ideias deixadas pela amiga.

— Porque Margareth tem algo de especial, não tem? — Gabrielle acrescentou. — Ela tem a capacidade de mandar em seus pensamentos da mesma forma que Anne tinha. Ela apenas não descobriu isso, ainda, mas sabemos que é uma questão de tempo até que descubra. E você, Sienna... você está apavorada com a possibilidade de que isso aconteça. Não está?

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Está sendo difícil escrever e fazer os trabalhos da faculdade (no momento estou procrastinando um pra publicar isso aqui hahahah), mas estou tentando atualizar os capítulos assim que possível. Não se preocupem, prometo que não vou abandonar essa história. E receber mensagens de quem lê me deixa muito feliz, mesmo mesmo.

Até a próxima! <3

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